O amanhã pertence a Deus

SAM ROBLES/THE PLAYERS' TRIBUNE

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Neto

Eu sonhei que iria acontecer. Poucos dias antes de nós partirmos para a primeira das finais da Copa Sulamericana na Colômbia, eu tive um pesadelo terrível. Quando eu acordei, contei para a minha mulher que eu estava em um acidente de avião. Eu estava na aeronave à noite e chovia bastante. Então o avião desligou. E caiu dos céus. Mas, de alguma forma, eu consegui me levantar dos destroços. Eu saí e estava numa montanha à noite. Estava tudo escuro. É tudo que eu me lembrei.

No dia da viagem para o jogo final, eu não consegui tirar o pesadelo da minha cabeça. O sonho era tão vívido. Estava martelando na minha mente. Então eu enviei uma mensagem para a minha mulher do avião. Eu disse a ela para orar a Deus e pedir para Ele me proteger daquele pesadelo. Eu não queria acreditar que aquilo iria acontecer. Mas eu pedi para que ela orasse por mim.

Então eu vi todas as coisas daquele sonho se tornarem realidade.

O avião desligou.

A força caiu completamente.

Eu estava completamente acordado.

… E o avião caiu dos céus.

Estava além de nossa compreensão como humanos.

Jakson Follmann
No avião naquele dia, todo mundo estava fazendo festa, jogando cacheta, ouvindo música.

Alan Ruschel
Eu estava fazendo mágica com o baralho. Eu sempre gostei de fazer isso. A gente estava ouvindo pagode. Era um grupo de pessoas que estava extremamente feliz em fazer história, independente de ser campeão ou não. A gente estava levando um clube de uma cidade pequena do Brasil para a final da Copa Sulamericana. Então a gente estava muito feliz.

Jakson
Era um voo tranquilo. Até que todas luzes do voo desligaram. Havia apenas silêncio. De repente, todo mundo se sentou. As pessoas queriam saber o que estava acontecendo, mas a tripulação não dizia nada a respeito. Então, alguns minutos antes de nós cairmos, uma aeromoça passou e disse “coloquem os cintos que nós vamos pousar agora”.

Estava muito calmo. Ninguém anunciou nada no microfone. E então nós começamos a cair.

Não existem muitas pessoas no mundo que já passaram por aquele momento. Num segundo você está no caminho para conquistar os seus sonhos com os seus amigos e todos estão felizes, e então no segundo seguinte todas as luzes do avião se apagam e você está caindo dos céus.

Eu só tive tempo de orar e pedir a Deus para ele me proteger. Dentro do avião, você não pode fazer nada. Você não pode correr, você não pode chorar, você não pode pedir ajuda, você não pode perguntar por quê? Tudo o que você pode fazer é deixar a sua vida nas mãos de Deus.

Alan
Às vezes, eu até tento me lembrar daquele momento, mas eu não consigo. Eu acho que o cérebro meio que bloqueia essas lembranças.

Neto
Eu me lembro das minhas últimas palavras naquele avião. Eu estava orando, orando, orando em voz alta. Quando eu vi que a gente estava caindo mesmo… eu disse: “Jesus, Jesus, eu li na Bíblia que o Tu fez um monte de milagres. Nos ajuda. Tem misericórdia da gente. Jesus, olha pra gente. Tem misericórdia. Nos ajuda. Tu é o piloto desse avião.”

Mesmo orando a um Deus tão poderoso, vendo aquela situação com os olhos humanos, eu sabia que era impossível. Meu último e único recurso era a oração.

Jakson
Muitas pessoas começaram a orar em voz alta. Minutos antes de nós cairmos, as pessoas na frente do avião começaram a perguntar o que estava acontecendo. Eles estavam gritando, “Alguém diz alguma coisa!”

Eu lembro das pessoas dizendo essas coisas, e depois disso, eu não me lembro de mais nada.

Neto
Então ficou tudo escuro.

Eu acordei na mata. Eu abri meus olhos, mas estava tudo muito escuro. Chovia. E estava muito, muito frio. Eu não podia ver – eu só podia ouvir coisas. Muitas pessoas estavam gemendo, pedindo ajuda. Eu comecei a pedir ajuda, também. Mas eu não fazia ideia de onde eu estava. Eu não fazia ideia de que eu tinha caído de um avião. Eu só me lembro de suplicar que eu não queria morrer.

A parte mais difícil foi ouvir os meus amigos pedindo por ajuda, e eu não podendo fazer nada a respeito. Eu não podia me levantar. Estava tão escuro que eu não podia ver ninguém. Agora, eu só agradeço a Deus porque eu não consegui ver ninguém.

Eu acordava e então apagava. Acordava e então apagava. Eu não me lembro por quanto tempo fiquei acordado.

Então, em algum momento, eu vi um flash de luz na mata.

Havia pessoas gritando, “Polícia Nacional, Polícia Nacional!”

Quando a polícia chegou lá, algumas pessoas que estavam gritando por ajuda antes… eles não estavam gritando mais. Ou suas vozes estavam muito fracas. Foi um momento muito, muito triste.

Ele disse: “Fique calmo. Você está salvo”.

Então ele perguntou a minha idade e o meu nome.

Eu disse que eu era o goleiro.

Mais tarde, o sargento me disse que foi a cena mais horrível que ele testemunhou na vida. Ele tentava me levantar pelas costas, mas não conseguia porque eu estava sentindo muita dor. E meu pé esquerdo estava pendurado apenas pelos tendões.

Eles me pegaram e tiveram de me carregar numa colina cheia de lama. Era um terreno muito difícil, e estava muito perigoso porque as peças do avião estavam em todos os lugares, e elas eram muito pontiagudas. Aqueles socorristas, eles são heróis.

Eu me lembro de pedir água, e eles me deram um pouco para beber, e então eu apaguei.

Neto
Quando eu acordei no hospital, eu não me lembrava de nada do acidente. Minha esposa me contou que a primeira coisa que eu disse a ela quando eu acordei do coma foi…

“Deus estava comigo o tempo todo”

“Deus estava comigo o tempo todo”

Eu disse duas vezes.

Mas eu não me lembrava de nada. Os médicos não podiam me contar a respeito do acidente ainda. Eles queriam que eu me recuperasse primeiro.

Eu tentei reconhecer o lugar onde eu estava. Eu sabia que era num hospital, mas eu não sabia onde. As pessoas que trabalhavam naquele hospital, eu olhava para eles, mas eu não os conhecia. Eles estavam falando espanhol. Eu estava muito confuso.

Foi quando eu vi o médico da Chapecoense que eu me lembrei que era para nós jogarmos a final.

Eu disse, “Doutor, o que aconteceu no jogo? Eu me machuquei?”

Ele disse, “Sim, Neto, você se contundiu no jogo”

Eu disse, “Quanto foi o jogo?”

Ele disse, “Eu não sei. Você se contundiu gravemente, e eu vim aqui diretamente te ver”.

Eu acreditei nele. Eu achava que o jogo ainda estava acontecendo, e eu estava chateado com Deus. Eu estava pensando, como você pode me tirar daquela final? Eu preciso estar lá com os meus irmãos.

Agencia Estado/AP Images

Meu pai diz que quando eu acordei no hospital a primeira coisa que eu falei para ele foi “Aconteceu de verdade?”

E meu pai, seguindo a recomendação do médico, disse apenas, “O avião teve de fazer um voo de emergência, mas você, Neto e o Follmann estão OK”.

Naquele momento, pensava que Neto, Follmann e eu éramos os únicos tínhamos nos ferido. Eu pensava que o jogo seria no dia seguinte. Na minha mente, eu ainda estava preocupado com o jogo.

Eu estava sedado, entrando e saindo do sono. E eu tenho essa lembrança da minha namorada e do meu pai me mostrando vídeos dos meus amigos e da minha família nos seus telefones. Todos estavam me animando e dizendo que oravam por mim. Foi quando tudo pareceu um sonho.

No dia seguinte, mais médicos chegaram, e eles vieram conversar comigo. Eles disseram que queriam parar de me sedar, mas que eu tinha de permanecer calmo. Eu disse O.K. Foi quando eles me contaram que o avião na verdade tinha caído. Não foi um pouso de emergência. Apenas seis pessoas sobreviveram. Eu, Jackson, Neto, um jornalista e dois membros da tripulação.

Foi quando meu mundo caiu. Minha esposa disse que eu comecei a olhar fixamente para o nada. A primeira impressão que me veio à mente foi, Isso não passa de um pesadelo. É mentira. Estou tendo apenas um pesadelo terrível. Daqui a pouco eu vou acordar.

Neto
Um dia, eu acordei na Unidade de Terapia Intensiva, e nada fez sentido para mim. Eu estava olhando para o meu corpo. Estava tudo cortado. Minha orelha estava pendurada. Eu pensei, não é possível que eu me machuquei no jogo. Tem alguma coisa errada.

Então eu estava lá deitado pensando em todas as coisas que podiam ter acontecido comigo. Na verdade, eu perguntei ao médico, “Qual é o tamanho do cara que me machucou? Ele deve ser um tipo muito forte!”

Muitas coisas passaram pela minha cabeça. Eu pensei que talvez os torcedores tivessem invadido o campo e nos agredido. Ou que talvez eu tivesse sido atropelado no estacionamento antes do jogo. Mas eu nunca pensei do avião. Como eu podia imaginar aquilo?

Eu dormia e acordava. Uma vez, eu acordei de madrugada e vi que meu pai estava sentado na cadeira, chorando. Foi quando eu soube que eles estavam mentindo para mim.

Então, um dia, todos os médicos vieram até o quarto. Minha mãe e meu pai estavam lá. Minha irmã. Uma psicóloga. Um pastor. Eles disseram que tinham uma coisa para me contar.

Meu pai disse para mim, “Lembra do sonho que você teve?”

Eu respondi, “Claro que eu me lembro do sonho. Eu contei para a minha esposa. Eu estava no avião à noite. Chovia muito. O avião desligou. Caiu. Eu consegui me levantar dos escombros. Eu saí de lá e havia uma montanha à noite. Estava tudo escuro”.

Uma coisa estranha aconteceu quando eu comecei a falar do meu sonho.

A psicóloga saiu do quarto chorando.

Minha mãe estava chorando.

O médico disse, “Bem, não foi um sonho. Foi tudo verdade. O avião da Chapecoense caiu.”

Aquele foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Eu tentei não acreditar. Eu achei que ele estivesse louco. Isso não existe. O que você está dizendo para mim?

Então, eu comecei a pensar, O.K, se isso realmente aconteceu, e eu estou vivo, então todo mundo está vivo.

Eu disse, “Como está todo mundo? Onde eles estão?”

O médico respondeu, “Só você, o Alan e o Follmann, um jornalista e dois membros da tripulação estão vivos”.

Eu não podia acreditar. Não era possível. Eu pensava, Se eu estou vivo, como todos os meus amigos se foram? Como eu posso sobreviver a um acidente de avião? Isso não faz sentido. Se eu cair de um avião, estou morto. Isso não é verdade.

O médico disse, “Não era para você estar vivo. É só por Deus que você está aqui”.

Jakson
O que eu posso dizer sobre ficar em coma é que parece que eu conseguia ouvir as pessoas falando em espanhol. Eu tinha a sensação de que sentia falta de uma voz familiar. Eu queria ouvir a voz de alguém que eu conhecia – para ter algum conforto ao meu lado. Então no momento em que eu acordei na UTI e vi meu pai, minha mãe e minha noiva lá comigo no quarto, aquele momento foi muito poderoso. Era disso que eu estava sentindo falta.

Eu tinha estado em coma por quatro dias, e minha cabeça estava muito confusa. Quanto ao acidente, meu cérebro meio que bloqueou aquilo. Eu não liguei a TV, minha família não disse qualquer coisa, e eu não queria saber. Eu tinha uma ideia do que havia acontecido, mas eu pensava que muito mais pessoas tinham sobrevivido. Como se fosse um acidente pequeno ou algo do tipo. Talvez um pouso de emergência, e todo mundo estava O.K.

Eu só me recordo do psicólogo do hospital ter aparecido no quarto e, a certa altura, ter dito, “Houve um acidente e o avião explodiu. Todos morreram. Você sobreviveu, mas nunca mais vai poder jogar futebol novamente”.

Quando ele disse isso, todos os flashes começaram a voltar para mim. Eu pensei em todos os meus amigos, e foi muito, muito triste.

Então, minha família me contou que eu tinha perdido a perna direita.

Quando eles disseram isso, minha primeira reação foi Melhor minha perna do que minha vida. Graças a Deus eu ainda estou aqui.

Mais tarde, eu descobri que o Alan e o Neto tinham conseguido sobreviver, e isso me deu uma motivação extra para continuar lutando.

Leo Correa/AP Images

Eu fui o último a ser encontrado. Fiquei sob os escombros por oito horas. Dias depois, os socorristas me contaram o que tinha acontecido. Nas primeiras horas da manhã, boa parte da equipe de resgate já tinha deixado o local do acidente. A polícia ainda estava lá apenas para proteger os corpos e recolher os nossos pertences. De repente, um dos oficiais disse, “Ei, eu ouço alguma coisa”.

Ele voltou para ver o que era. Ele disse que conseguia ouvir alguém gemendo de dor.

O outro policial reagiu, “Você está louco. É impossível”.

Então o primeiro policial disse, “Não, não, não. Fica quieto. Todo mundo fica quieto. Vocês vão ouvir.”

E eles me ouviram gemendo.

Então todos correram para onde estava saindo o som.

O policial pegou o telefone celular e tentou iluminar aquela região dos escombros. Eles começaram a puxar os troncos das árvores e as partes do avião. O policial viu o meu rosto, e eu estava em péssimas condições. Eu estava quebrado.

Eles me libertaram dos escombros e me colocaram numa caminhonete. Levou uma hora para me tirar daquela montanha para uma pequena clínica de saúde. Meus olhos estavam virados para cima, tudo em branco. Eles disseram que parecia que eu estava morto. Mas de alguma forma eu ainda estava respirando.

Mais tarde, eles me contaram que ninguém acreditava que eu fosse conseguir sobreviver. Quando eu acordei do coma, a enfermeira que esteve na ambulância comigo na montanha veio me visitar. Ela estava de pé, parada na porta, olhando para mim. Quando ela me abraçou, o corpo dela inteiro estava tremendo. Ela estava sentindo os meus braços e os meus ombros, dizendo “No credo, No credo”.

“Eu não acredito, não acredito”.

Foi quando eu percebi o quão impossível era tudo aquilo. Tinha sido um milagre o fato de eu estar vivo depois que eles me encontraram daquele jeito.

Alan
Eu fiquei a alguns milimetros de me tornar tetraplérgico. Minha medula estava sendo pressionada pelo osso, mas não chegou a penetrar. Se os socorristas tivessem corrido para me agarrar e tivessem cometido um erro, o osso poderia ter atravessado minha medula, e pronto. Tantas coisas aconteceram para que eu fosse salvo. Eu devo minha vida a muitas pessoas.

O médico que me operou depois do acidente é um dos melhores cirurgiões na América do Sul. De todos os médicos da América do Sul, ele estava na Colômbia naquela época.

E, claro, eu troquei de lugar no avião por causa do Jakson.

Jakson
Eu chamei o Alan para sentar perto de mim no avião. Nos somos grandes amigos há mais de dez anos. Nós vivíamos juntos boa parte do tempo. Em todos os lugares que íamos, nós saíamos juntos. Mas nos voos para os jogos o Alan gostava de sentar no fundo para ficar esticado nos três assentos e dormir.

Então, no voo para a Colômbia, Alan estava no fundo como de costume. Eu estava sentado sozinho, então eu chamei para que ele ficasse do meu lado. Eu chamei pelo apelido, “Rato”. Porque é muito magrinho, ele parece um rato.

Eu disse, “Ei, Rato! Vem sentar aqui comigo. Vamos ouvir música. Vem, mano!”

Alan disse, “Não, não, eu vou me sentar no fundo. Eu quero dormir.”

Eu disse, “Vamo lá, Rato. Vamo!”

Eu não sei por que, mas eu fiquei insistindo. Então finalmente ele veio.

E daí, 30 minutos depois, tudo aconteceu.

Alan
Vendo tudo o que aconteceu, não existe explicação para isso. É o impossível. É um milagre. Na Colômbia, eu saí do hospital andando. Quando eu voltei para Chapecó, toda minha família estava esperando por mim. Foi um momento muito emocionante.

Jakson
De minha parte, eu não queria meu pai me carregando para o banheiro, me carregando para o sofá para que eu pudesse me sentar. Eu lembro que, quando cheguei em São Paulo com a minha família, mal podia ficar em pé sem sentir uma dor tremenda. E eu disse para o médico: “Não quero desrespeitar o seu trabalho, mas se existe qualquer coisa que me faça voltar a andar, mesmo que eu tenha de passar por muita dor, me avise. Vamos nessa. Eu farei. Eu quero voltar andando para Chapecó”.

Quando eu comecei a andar novamente, na frente dos meus pais, foi o momento mais emocionante.

Neto
O que me comoveu mais foi quando eu vi meus filhos. Eu tenho gêmeos. Um menino e uma menina. Eles têm 10 anos de idade. Depois do acidente, minha esposa deixou nossos filhos no Brasil com a irmã dela. Então, eu não tinha visto as crianças até o dia em que me mandaram de volta para o Brasil. Quando eles vieram me visitar no hospital, os rostos deles estavam…

Eles estavam impressionados. Meu corpo estava tão magro, e eu tinha cicatrizes no corpo inteiro.

Eles estavam olhando para mim como se eu fosse um fantasma.

Eu disse, “Vocês não vão dar um abraço no papai?”

Foi a primeira vez que eles me deram um abraço sem me dizer nada. Eles ficaram chorando por muito tempo. Cinco ou 10 minutos. Eles não conseguiam falar. Eles somente me abraçavam e choravam. Foi um choro de alívio.

Nosso pai está em péssima forma. Mas ele está vivo. Ele voltou.

Eu pensei nos meus amigos que não estavam mais vivos, e eu pensei nos filhos deles. Foi a situação mais emocionante da minha vida.

Alan
O momento mais difícil foi quando o acidente começou a ficar mais fixo na minha cabeça. Quando comecei a melhorar, e não estava mais sedado, passei a perceber que as pessoas que eu amava não estavam mais lá. Eu era muito próximo do Danilo, nosso goleiro, e da sua esposa, Letícia, e do seu filho, Lorenzo. Quando eu realmente percebi que o Danilo tinha ido…. foi o momento mais doloroso para mim. O Danilo foi um cara muito especial na minha vida, e eu penso nele todos os dias.

Nós não queremos deixar as pessoas esquecerem daqueles que se foram. As pessoas que morreram, eles são heróis. Perder tantos amigos… pessoas que eram filhos, que eram pais, que eram irmãos… é muito difícil de entender tudo isso. Por que tudo isso aconteceu? Poderia ter sido evitado.

Neto
A companhia que operava o avião estava economizando combustível repetidamente. Olhando para os fatos, nós podemos ver que mais cedo ou mais tarde, isso ia acontecer. Eles fizeram isso muitas vezes com outros times.

A companhia queria economizar um pouco de dinheiro, e eles acabaram tirando a vida de muita gente. As pessoas falam muito do piloto, mas se você pensar a respeito, não pode ter sido só o piloto. Eles estavam seguindo os regulamentos. Para decolar daquele jeito, sem combustível extra, você tem de ter corrupção ao redor.

Eu queria muito que Deus colocasse gente honesta e gente competente para investigar o que aconteceu. Porque todos aqueles envolvidos têm que pagar pelo que ocorreu. Só porque o piloto morreu não significa que há justiça.

Infelizmente, por conta da ganância humana… sabe, a Bíblia diz: O amor ao dinheiro é o princípio de todos os males.

Jakson
Ainda parece que não é verdade. Parece que todo mundo foi viajar, e que eles vão voltar. Eu, Neto e Alan falamos muito sobre isso. Tudo vai voltar ao normal. Nós vamos voltar e jogaremos juntos novamente.

Alan
Eu lembro que, alguns meses atrás, Neto e eu estávamos jogando videogame. Nós estávamos falando como os nossos colegas de time costumavam jogar. Eu disse, “Cara, você lembra como o Sérgio Manoel jogava desse e daquele jeito?”

E o Neto me disse, “Cara, parece que eles ainda estão aqui”.

E então nós ficamos muito tristes. Aqueles momentos em que você percebe que eles realmente foram embora, e é muito doloroso.

Neto
Mesmo se eu morrer, eu sei que eu vou para um lugar melhor. Depois disso, eu sei que Deus vai me guiar. E para todo mundo que não está aqui, Deus está cuidando deles agora.

Jakson
São apenas oito meses desde o acidente. Não dá para encontrar explicação – para o acidente, para nós termos sobrevivido. Eu aprendi a parar de procurar as respostas.

Despois de cinco meses de reabilitação, Alan está voltando a jogar pela Chape. Ele vai jogar contra o Messi amanhã. O Neto estava de volta ao campo de treinamento, muito, muito bem, até que ele teve uma contusão no joelho.

E eu? Bom, eu perdi minha perna, sim. Mas eu estou andando. Estou dirigindo. Estou vivendo uma vida feliz. Eu acredito que se você tem uma boa atitude, se você ainda se lembrar de como sorrir, então tudo vai ficar O.K.Eu não perdi o gosto por viver. Especialmente depois de tudo que aconteceu. Eu sempre acordei com um sorriso no rosto, desde quando eu era uma criança que sonhava em ser goleiro. E graças a Deus, eu fui capaz de viver esse sonho por 12 anos. Eu fui agraciado com essa benção na vida.

Eu vivo o momento. Eu vivo por hoje. O amanhã pertence a Deus.

Alan
Para mim, celebrar a vida é a coisa mais importante. Se o acidente me ensinou uma lição, é a de que eu não sei o que vai acontecer nos próximos 10 minutos. Eu não sei o que vai acontecer quando eu sair deste quarto. Minha mensagem para qualquer um que esteja ouvindo é perseguir os seus sonhos. Se você realmente quer fazer alguma coisa, vai lá e faz. Viva a vida no máximo. Você não sabe o que o amanhã vai trazer.

Neto
Antes de ir para a Colômbia, eu tinha a expectativa de que a gente ia voltar para Chapecó depois da final. Eu imaginei todo mundo na rua, gritando “Nós somos campeões!”

Todo mundo estava tão feliz, e havia tanto amor. Eu me imaginei no alto de um grande caminhão de bombeiros, comemorando com toda a cidade.

Quando voltei para Chapecó depois do acidente, eu tive de pegar um avião na Colômbia para voltar para o Brasil, e eu estava muito assustado. Quando nós pousamos, eu estava chorando. Era tudo muito avassalador.

Então nós saímos do avião e fomos para o aeroporto, e estava cheio de gente para nos apoiar. Nós fomos para o hospital, e estava cheio de gente. Em todos os lugares, havia amor. Era surreal. Foi muito emocionante.

Quando você retorna de uma experiência como a que nós passamos, isso muda você. Marca você para sempre. Mas se eu for sincero, a minha mente é a mesma. Eu ainda vejo o bem no mundo. O acidente me ensinou a apreciar as pequenas alegrias na vida.

Eu lembro de quando eu estava no hospital, eu estava usando fraldas. Eu não pude tomar banho sozinho por meses. As enfermeiras vinham e me limpavam com toalhas.

Quando eu melhorei, e finalmente pude tomar banho sozinho, e senti a água caindo na minha pele pela primeira vez, eu quase comecei a chorar.

Eu senti como se fossem as águas do Caribe. Eu nunca tinha sentido nada parecido antes.

Quando eu chutei a bola de novo pela primeira vez depois do acidente, eu me senti como se fosse criança novamente.

Era para eu ter morrido naquele dia. Eu disse as minhas últimas palavras em voz alta. Deus me deu uma segunda chance, e eu farei o melhor para honrá-lo, e honrar todos os meus amigos que se foram.

Para obter informações sobre como doar para as famílias das vítimas do acidente, clique aqui.

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