Nunca Deixe de Acreditar

Sam Robles/The Players' Tribune

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Querido Clube Atlético Mineiro, 

aqui fala Givanildo, filho de Campina Grande, Paraíba, mais conhecido como Hulk nesses campos e arquibancadas pelo mundo.

Hoje nosso Galo tá de aniversário: 117 anos! E faz dias que ando pensativo, refletindo sobre qual presente poderia dar a este clube que sempre acreditou em mim.

Que dimensão deveria ter o meu presente pra igualar o tamanho das coisas boas que o Atlético e sua gente me deram desde o primeiro dia que pisei aqui, quatro anos atrás?

Existe nesse planeta ou num diferente algo tão grande que eu possa ir buscar, comprar e embrulhar?

Algo pelo menos parecido com o carinho que me mandam em todo jogo, me fazendo encontrar dentro de mim 30% de energia extra aos 90 minutos, quando meu corpo está esgotado e de canto de olho eu enxergo vocês ao redor e sinto vontade de correr mais?

Olhem, vou dizer uma coisa de jogador que pisou em campo de terra, campo de neve, grama boa e grama ruim por todo canto, graças a Deus. Não conheço nem clube nem torcida igual vocês não. Por isso, hoje eu tô aqui pra agradecer. Um gesto modesto perante tudo que recebi, sei disso, mas é o mais longe que meu coração alcança.

E quero agradecer por escrito, para deixar registrado o meu sentimento e contar uma parte de minha história que poucos conhecem. Sou uma pessoa reservada, é da minha natureza, vocês até me perdoem. Mas faço questão de aproveitar esta oportunidade para tentar resumir em palavras o que o Galo representa na minha vida. Pra isso, precisamos dar um pulo lá na Paraíba.

O começo de tudo.



Devo ser Hulk desde os três, quatro anos de idade, por causa de minha cisma em levantar as coisas. Não podia ver bujão de gás, mesa com cadeira, guarda-roupa, armário de pôr panela, que já queria erguer do chão. 

“Eu sou o Incrível Hulk, haaaaaa!!”, eu gritava, enquanto meu pai, seu Gilvan, entrava na pilha. E aí o apelido pegou.

Assim virei Hulk, pra desespero de minha avó: “Um menino lindo de nome mais lindo ainda e vocês tomando ele por esse monstro verde! Pra que isso, seus abestados?!”

Vó é tudo igual, né?

Hulk The Players Tribune
Sam Robles/The Players' Tribune

Esse era o tempo em que eu morava no bairro José Pinheiro, em Campina Grande. Eu, único filho homem, três irmãs pra cima, outras três pra baixo. A gente mudava muito de casa, mas sempre ali na região da Baixinha, pertinho do Açude Velho e do Parque da Criança, onde comecei a jogar bola.

Lembro de muitos momentos felizes da minha infância por lá, mas, aos poucos, eu também ia me dando conta das dificuldades que a nossa família enfrentava. Uma de nossas moradias, por exemplo, nem vaso sanitário tinha, só um buraco. Num colchão de casal sem cama dormíamos os sete filhos, mais pai e mãe onde sobrasse chão. Fome nunca passamos, mas tinha dia que era farinha com açúcar no almoço e açúcar com farinha no jantar.

Eu era doido com doce, vixe. Carecia de energia pra caminhar, caminhar muito, caminhar demais, todos os dias várias vezes, indo e vindo da Feira Central, onde meus pais trabalhavam. Meia hora na ida e um pouco menos na volta, quando eu pegava ladeira a favor. De criança, caminhei tanto pra Feira que isso deve ter fortalecido minhas pernas e o meu chute, vai saber…

Comecei nessa rotina aos sete anos. Acordava e saía de casa antes do sol. Mas meu pai já estava na Feira desde muito antes. Ele ia às 2h da madrugada pra ajeitar tudinho na banca antes de iniciar as vendas a partir das 5h, quando abria pro público. Como único filho homem, era meu o corre de ir lá toda manhã buscar uma moedinha de um real com ele, retornar passando na padaria pra comprar pão e levar pra casa. Tudo ligeiro, pra não perder a entrada da escola. De segunda, terça e quarta eu voltava do colégio, descansava um pouco e ia pro Parque da Criança treinar. Mas de quinta e sexta, além do sábado inteiro, dias de maior movimento na Feira, depois da escola eu ia na Feira ajudar meus pais. 

Todos dois lidavam com carne. Carne de boi, de vaca. Como não eram proprietários de banca, eram só empregados, sobrava tudo pra eles. Receber a carne, descarregar a carne, levar a carne, serrar a carne, limpar a carne, vender a carne. E pra mim ficavam as carcaças e os ossos, que eu carregava nas costas pra cima e pra baixo até a área de descarte. Hoje em dia, quando o pessoal me acha forte e me pergunta se fiz muita academia na vida, eu lembro dos ossos e das carcaças de boi na Feira Central de Campina Grande. 

Era um trabalho pesado, principalmente pra minha mãe, dona Socorro. Meu pai era funcionário, tinha o salarinho dele e trabalhava no horário bom, das 5h ao meio-dia. Já minha mãe alugava uma banca pra trabalhar depois do meio-dia, quando a Feira esvaziava. Tinha dia que ela comprava um quarto de boi e não conseguir vender tudo. A gente dizia “hoje a carne boiou”, ou seja, sobrou. Isso dava uma tristeza danada nela, pois ficava faltando dinheiro pra pagar a diária da banca. Eu era pequeno, mas nunca me saiu da lembrança a imagem de minha mãe toda suja de sangue e sebo das carnes, sentada num canto, lascada por não saber que jeito dar naquela situação. Eu espiava ela por trás das caixas, sujo de sangue e sebo igual, e chorava por não conseguir fazer nada pra ajudar.

É dessa época meu outro apelido: Lêndea. Jeito de me humilhar, na verdade, porque meu pai, o homem da carne, era o dito Piolho. E o filho do Piolho era a Lêndea. “Lá vai Lendinha”, as pessoas riam e me apontavam na rua quando eu passava. Mas eu não ligava, pois ia vestindo minha roupa ensanguentada e ensebada de carne e osso de boi como se fosse gibão de vaqueiro.

Na minha cabeça de criança aquela sujeira era prova de meu esforço. Eu até gostava de andar imundo pra casa e que as pessoas mexessem comigo no caminho. “Ô, Lendinha! Pense num menino trabalhador!”. No final das contas, o que eu guardo da Feira é isso. Um lugar de aprender disciplina, responsabilidade, dedicação, compromisso com as coisas que a gente se mete a fazer e se sentir orgulhoso delas. É assim que eu jogo futebol.

Hulk Galo Players Tribune
Eurasia Sport Images/Getty Images

Além de tanto tinha bola na Feira também. Quer dizer, tinha meu amigo Denilson, da banca de frutas, com quem eu treinava futebol. A gente era do time do Parque da Criança, mas sempre que dava a gente ia lá fora do horário da escolinha pra jogar sozinhos. Bola no alto, bola no peito, na coxa, domínio, chute. E muito pique na areia pra ganhar velocidade. Um incentivando o outro e sonhando em um dia jogar em outro Galo, o da Borborema, que é o apelido carinhoso que dão pro Treze de Campina Grande. 

Denilson também foi meu parceiro no ganho do primeiro dinheirinho. Quando dava uma acalmada na clientela da Feira, umas 15h, eu corria na banca de Denilson e o pai dele dizia assim: “Me tragam lá as maçãs!”. A gente enchia a carroça com 30 sacos de maçãs, cada saco com 20 maçãs dentro e levava pra banca. Só que no caminho dava uma parada e tirava uma maçã de cada saco pra vender por fora. Depois rodava a Feira todinha no gogó: 

“Olha a maçã! Essa é da boa! Maçã fresquinha só aqui!”

Apurava uns quatro reais cada um no fim do dia. Dava pro pastel, que a gente comia temendo que o pai de Denilson descobrisse e, pior, contasse pro meu. Aí era sova. Mas acabava sendo divertido. E menos pesado que trabalhar com carne. Eu gosto de lembrar dessa diversão no meio do aperto de nossa vida naquele tempo. Se no futebol não desse nada, meu plano mais Denilson era estabelecer sociedade em uma banca na Feira Central. Mas um dia a bola me chamou de maneira séria. Aconteceu na primeira vez que meu pai me levou pra assistir o Treze ao vivo no Amigão, o estádio da nossa cidade.

Eu tinha pouca oportunidade de ver futebol jogado, apesar de estar sempre com a bola. Nas raras vezes que aparecia um aparelho de televisão, eu olhava aquela imagem em preto e branco e achava que os jogadores eram bonecos. Mas naquela tarde no Amigão eu entendi tudo. Nunca tinha conhecido alegria igual. O jogo existia mesmo! Os jogadores existiam! Era tudo de verdade e colorido! 

Pouco depois tomei conhecimento de um sujeito do nosso bairro que tinha virado jogador profissional e fazia sucesso no São Paulo: Marcelinho Paraíba. Foi forte o que eu senti, uma cacetada, uma certeza, uma felicidade danada: “Rapaz, se ele foi como eu, eu posso ser como ele!”   

Nunca me saiu da lembrança a imagem de minha mãe toda suja de sangue e sebo das carnes, sentada num canto, lascada por não saber que jeito dar naquela situação. Eu espiava ela por trás das caixas, sujo de sangue e sebo igual, e chorava por não conseguir fazer nada pra ajudar.

Hulk

Daí pra frente só peguei ladeira a favor. Tomei o futebol como se fosse um prato de macarrão com sardinha e comecei a me destacar nos torneios da cidade, depois da região e do Estado. Até que apareceu Zé do Egito, amigo de um amigo de meu pai na Feira e metido no mundo do futebol. Zé do Egito me viu jogar um dia e disse que me levaria pra viajar e fazer uns testes. Foi uma choradeira tamanha em casa, porque minha mãe não queria deixar: “Mas o menino tem só 12 anos, como é que vai ficar longe assim?! Vai não!” Precisou de meu pai convencer ela, trazendo as credenciais de Zé do Egito de sujeito honrado e de confiança, conforme asseguravam na Feira. 

Com Zé, que se tornou meu primeiro empresário, viajei pra João Pessoa, Vitória, São Paulo e, em 2001, com 15 anos, eu cheguei em Portugal pela primeira vez. Fiquei um ano lá, na base de um clube chamado Vilanovense, da cidade de Vila Nova de Gaia, que do outro lado atravessando a ponte fica o Porto. Certo dia eu estava no alojamento e me chamaram pra atender o telefone. Era o motorista do nosso ônibus, o Motoca:

— Estás fazendo o quê?

— Nada. Descansando.

— Então te arruma que eu vou te buscar pra fazer uma surpresa.

Motoca me levou no Estádio das Antas, onde o Porto ia disputar uma partida de Copa da Uefa. Lembro como se fosse hoje porque aquele colorido brilhava tanto que a imagem nunca mais deixou meus olhos. Fiquei alucinado, arrepiado. Eu nunca tinha entrado num estádio tão grande e bonito como aquele. A torcida fazia tanto barulho que eu precisei gritar:

— Motoca, um dia eu vou jogar aqui.

— Hein?

— Eu vou jogar aqui, Motoca! 

Foi tipo uma visão. Nada ao redor importava, só a minha convicção, a minha vontade de vencer.

Acreditar, sempre!



Antes disso, porém, caminhei outro tanto, eu mais Zé do Egito. Na volta desse ano em Portugal, ele me levou pro São Paulo. Permaneci seis meses treinando com a base em Cotia e no final do período de testes quiseram me contratar. Zé falou assim: “Antes de mais nada, eu tenho um acordo com o Hulk de que o clube que assinar profissional com ele precisa dar uma casa de 50 mil pros pais dele lá em Campina Grande”. O pessoal do São Paulo respondeu que não podia fazer aquele investimento. Então Zé do Egito honrou a palavra e me levou de volta pra Paraíba.

Um mês depois eu estava em Salvador, na Bahia, pra fazer teste no Vitória. No primeiro dia, jogando de meia-esquerda, meti três gols. No segundo, dois. E no terceiro, mais dois. O treinador me mandou sair do campo e ir direto pra sala do diretor. Eu estava cansado do coletivo e nem tive tempo de dizer alguma coisa. O diretor falou tudo de uma vez só:

— Já concordamos com a compra da casa de seus pais e estamos prontos pra transferir o dinheiro. Se você quiser ficar com a gente, chamamos seu empresário aqui e vocês assinam.

Era um contrato de jogador profissional com salário de 500 reais por mês! Aos 16 anos. Liguei pra casa na mesma hora:

— Mãe, vamos ficar milionários! Me ofereceram 500 reais por mês! Vou ser jogador de futebol! Você e meu pai nunca mais vão pagar aluguel e as irmãs só vão comer farinha com açúcar se for por gosto, não por precisão.

— Mas 500 reais é muito dinheiro, meu filho. Como é que tu vai fazer pra guardar tudo isso?

— Vou mandar tudo pra senhora, se preocupe não.

Hulk hexacampeao mineiro Atletico
Pedro Souza/Atlético

Nas primeiras férias que voltei pra Campina Grande, meus pais e minhas irmãs já moravam na casinha nova. Ela é nossa até hoje, a gente chama de granja. Uma fazendinha pequena fora da cidade onde dá pra colher limão e caju do pé pra fazer refresco e tomar banho de tanque. Às vezes eles falam em vender, mas vendem não. Aquela casa simboliza demais. Ela não deixa nossa família esquecer do que não pode nem deve ser esquecido.

Fiquei um ano e pouco no Vitória só. E então começou minha saga internacional. Cheguei no Japão ganhando três mil dólares, mas no começo quase não sobrava dinheiro pra guardar, porque o custo de vida lá é muito alto. Ali eu pus em prática um ensinamento valioso de Zé do Egito, que um dia me chamou e falou assim: “Preste atenção, menino. Entre uma pessoa que recebe 100 mil e gasta 120 mil e outra pessoa que recebe 10 mil e gasta mil, quem é a mais rica? Pois então bote um negócio na tua cabeça, que eu só vou falar essa vez. Sempre guarde 70% do que tu ganha”.

Mas o Japão acabou sendo muito mais que dinheiro. Foi o lugar onde fiquei sábio pra certas coisas. Por exemplo, no primeiro dia que me instalei na cidade de Kawasaki, meu vizinho de lado foi cortar a grama da frente de minha casa. Nem falou comigo. Aí me disseram que era comum entre os japoneses, um gesto de boas vindas. Eu fiquei espantado. Nunca tinha visto nada parecido. Nos tornamos amigos, eu e esse vizinho. Nenhum dos dois falava inglês, mas a gente dava um jeitinho de se comunicar. Ele ia assistir meus jogos, me levava pra passear em alguns lugares e me ensinava um pouco de japonês, eu chamava ele pra almoçar em casa e cozinhava feijão, o prato brasileiro favorito dele.

A propósito, só fui aprender a fazer feijão no Japão, por necessidade. Cheguei lá e a única coisa que sabia cozinhar era arroz com ovo frito. Como o salário não dava pra almoçar em restaurante todo dia, eu precisava me virar em casa. Teve uma vez, antes de um treino, que só tinha um resto de pão velho — já meio mofado — e ovo pra comer. Arranquei as partes mofadas do pão, passei o ovo na chapa e aquele foi o meu almoço. Na hora do treino, cheguei a sentir tontura e entendi que não podia mais me alimentar daquela forma. Liguei pra minha mãe assim que voltei pra casa. Era época do MSN ainda. Coloquei na webcam, e ela foi me ensinando o passo-a-passo de como cozinhar feijão. Depois disso, nunca mais fui treinar com fome. E o feijão virou especialidade do chef Hulk.

Permaneci de 2005 a 2008 no Japão, lugar maravilhoso de gente maravilhosa. Quando fiz as malas pra ir pra Europa, ganhando bem mais que os três mil dólares do meu início no futebol japonês, concluí que ter dinheiro é bom, mas aprender no dia a dia valores como humildade, amizade e solidariedade, que os japoneses estimam muito, é melhor ainda.

Sete anos depois de ter dito ao Motoca que um dia eu ia jogar no Porto, o Atlético de Madri também quis me contratar e botou uma proposta idêntica à dos portugueses na mesa. Ainda com aquela visão na cabeça, minha decisão levou menos de um segundo: vou pro Porto, é claro.

Desembarquei em Portugal debaixo de gozação. O estádio não era mais das Antas, era o do Dragão agora, mas a atmosfera do clube continuava igual. E eu também: um total desconhecido com nome de super-herói. Lembro que os jornalistas perguntavam: “Agora que chegou o Hulk, quando vem o Homem-Aranha? E o Batman foi contratado também?” Me magoava, mas o que eu podia fazer?

Bom, no primeiro treino, fiz uma coisa. Estavam Quaresma, Lucho González, Bruno Alves, Cristian Rodríguez e todos os caras. Recebi uma bola na intermediária, avencei um pouco e dei: TUM! Aquela pancada de esquerda no ângulo. Foi um silêncio total. E o resto vocês sabem…

Quando eu já estiver aposentado do futebol, sentado ao redor dos meus pais e dos meus filhos, tomando um vinho com minha esposa e assistindo a um jogo do Atlético pela TV, vou sentir saudades e me lembrar de todas as alegrias que este clube me deu.

Hulk

Teve temporada minha no Porto em que marquei 42 gols e dei 25 assistências, só duas a menos que o Messi. Ajudei o clube a vencer uma Liga Europa, uma liga portuguesa, uma Taça e uma Supertaça de Portugal. Hoje, se você vai no museu do Porto, tem estátua minha lá — outro motivo de muito orgulho na minha carreira.

Depois fui pro Zenit, da Rússia, e quis ir embora logo no primeiro ano. Muita ciumeira da parte de alguns jogadores mais velhos do time e muito racismo dos torcedores adversários. Teve até bomba falsa com um bilhete “Fora Hulk” deixada no CT. Superei essas dificuldades iniciais, acabei ficando quatro temporadas, conquistei títulos e vivi muito bem na Rússia. Até que veio o boom do futebol chinês, e a proposta do Shanghai não tinha como recusar. Nem eu nem o presidente do Zenit. Foi o melhor contrato da minha vida.

Não sabia o que esperar da China, mas eu não me decepcionei. O país é sensacional, seguro, muito tecnológico, pessoas cordiais, e o futebol, com bons jogadores sul-americanos e europeus, ficou bem competitivo. Eu só não queria que fosse o fim da linha pra mim. Não queria cumprir as cinco temporadas previstas no contrato e, aos 34 anos, encerrar a carreira com aquele vazio no peito que eu sentia desde que tinha deixado o Vitória, 15 anos antes.

Aí o Atlético surge na minha jornada.



Era o final de 2020 e eu estava em Campina Grande, descansando e pensando no passo seguinte depois da China. Se meu telefone não tivesse tocado com o Rodrigo Caetano, que era o diretor de futebol do Atlético, perguntando “Quer vir pra cá?”, eu teria ido pra Turquia. Jogaria dois ou três anos e passaria o resto dos meus dias me sentindo incompleto, lamentando uma lacuna que não consegui preencher, apesar de todas as conquistas.

Mas o telefone tocou e eu respondi “sim” na hora! Eu sabia que era só ladeira a favor me esperando em Belo Horizonte. O Galo me dava a chance de realizar o sonho de jogar ainda em alto nível pro meu povo, dentro do meu país.

Na chegada na Cidade do Galo, o Acaz, meu assessor de imprensa, me entregou uma edição especial da revista Placar com os maiores ídolos da história do clube. Eu virava as páginas e só super-herói de verdade ia aparecendo, como Éder e Reinaldo.

Eu tinha 34 anos, mas a empolgação era de 18. Bateu uma vontade grande de estar naquele almanaque. E eu sempre acreditei que fosse possível, porque uma coisa que aprendi lá em Campina Grande e principalmente aqui, com a fé inabalável da nossa torcida, é que só vence na vida quem acredita do primeiro ao último minuto. E que só clube gigante nunca para de abrir espaço pra novos ídolos. Eu estava num dos maiores do mundo, o Maior de Minas, só dependia de mim.

Hulk Arana comemoraçao Atletico x Cruzeiro
Pedro Souza/Atlético

O primeiro ano, 2021, foi incrível. Ganhamos Campeonato Mineiro, Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil. Mas no Galo a minha alegria nunca dependeu de título. Sei que eles são importantes, claro, e eu acordo todo dia querendo levantar um troféu e correr com ele pra torcida. Só que o Atlético me oferece muito mais do que isso. 

Um dia eu percebi que pisar no campo do Mineirão vestindo a nossa camisa alvinegra, ouvindo a Massa cantando sem parar, vendo o meu pai fantasiado de Hulk pulando igual um guri na arquibancada, aquilo era mágico, pois me transportava para um estado de felicidade que eu só conheci de menino lá na minha terra. Era parecido com puxar a carroça de maçãs com Denilson, ou voltar pra casa de roupa ensanguentada e cabeça erguida depois de carregar osso de boi, ou só sentar na calçada do bairro e tomar um refresco de caju.

Se aquele menino que trabalhava pesado numa feira do interior da Paraíba chegou até aqui, você também pode realizar todos os seus sonhos. Nunca deixe de acreditar.

Acreditar, sempre!

Eu acredito que ainda tenho muito chão pela frente, muitas coisas para conquistar em BH. E quando eu já estiver aposentado do futebol, sentado ao redor dos meus pais e dos meus filhos, tomando um vinho com minha esposa e assistindo a um jogo do Atlético pela TV, vou sentir saudades e me lembrar de todas as alegrias que este clube me deu.

Da nossa torcida que nunca deixa de acreditar.

Do dia em que acreditei que estaria no almanaque dos ídolos atleticanos.

Hulk Galo
Pedro Souza/Atlético

Querido Galo forte vingador, o aniversário é seu, mas o presente é nosso, dos que dão a sorte de caminhar ao teu lado, ajudando a escrever as páginas de tua história. Ofereço a minha eterna gratidão neste singelo presente e também, enquanto minhas pernas aguentarem uma boa ladeira, a minha gana de vencer, vencer, vencer, lutar, lutar, lutar, acreditar e acreditar, sempre.

Parabéns, meu Clube Atlético Mineiro!

Aqui é Galo!!

Um forte abraço,

Hulk

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