O Adriano Tem Uma História Para Contar

Andreas Rentz/Bongarts/Getty Images

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Eles disseram que eu tinha sumido.

“Adriano larga milhões.”

“Adriano está drogado.”

“Adriano sumiu nas favelas.”

Você sabe quantas vezes eu vi essas manchetes? Caramba.

Bom, aqui estou eu. Sorrindo, bem na sua frente.

Você quer saber a verdade? Direto de mim? Sem caô? Então puxe uma cadeira, cara.

Porque o Adriano tem uma história pra você.



“As favelas.”

As pessoas sempre interpretam errado essa palavra. Quem olha de fora não entende, cara. E quando falam do Brasil, quando falam das crianças das favelas?

Eles sempre pintam um quadro distorcido. É sempre dor e miséria.

E sim, às vezes, é isso mesmo. Mas também é complicado. Quando penso em como foi crescer na favela, eu me lembro, na verdade, de como a gente se divertiu. Joguei bola de gude, empinei pipa, soltei pião... Infância real, não tinha celular, toda essa tecnologia, né?, touch screen, que essas crianças têm agora.

Eu estava cercado pela minha família, pelo meu povo. Eu cresci na comunidade.

Eu tinha liberdade.

Eu não sofri. Eu estava vivendo, aprendendo com a vida.

Adriano Imperador criança favela
Cortesia de Adriano.

Ganhei muito dinheiro na minha carreira. Mas quanto dinheiro você pagaria para se divertir de novo? Você sabe o que eu quero dizer?

Eu andava sempre com uma bola no pé. Foi colocada lá por Deus. Quando eu tinha sete anos, minha família juntou dinheiro para que eu pudesse jogar na escolinha do Flamengo. Caramba! Lá da favela para a escolinha do Flamengo??? Vamos! Vou calçar meu tênis! Onde é o ponto de ônibus?

Mas foi meio louco porque morávamos na Penha. Se você conhece o Rio, sabe que era um longo caminho da Penha até a escolinha do Flamengo, na Gávea. Isso foi nos anos 1990, antes de colocarem a Linha Amarela. Era como se fossem duas viagens de ônibus diferentes e, claro, como eu era moleque, precisava de alguém para ir comigo.

É aqui que entra minha avó.

Minha avó! P#$@ merda! É melhor você se benzer quando falar o nome dela! Sem ela na minha vida? Esquece... Você não saberia o nome Adriano.

Escuta, cara, você não entende essa mulher. Essa personagem! Essa lenda! Vou te contar uma história rápida...

Quando eu jogava na Inter de Milão, a imprensa me seguia por toda parte, me perseguindo por qualquer coisa. Uma vez, eles estavam acampados do lado de fora da minha casa e não quiseram sair. Eu me senti preso. Minha avó estava ficando comigo na época, e eu a ouvi na cozinha fervendo água no fogão.

Eu disse: “E aí, vó? O que você está fazendo?"

Ela respondeu: “Nada, não. Eu não estou cozinhando, amor.”

Mas ela tinha uma panela grande, como se estivesse fazendo macarrão.

“Estou apenas preparando um presente para os nossos amigos lá fora”.

“O quê??? Vó, não faz isso, não!!!”

“Não, não. Só vou dar um banho nos nossos amigos da imprensa! É bom e quente! Eles vão gostar!”

Hahaha! Merda! Ela tava falando sério, cara! Eu tive de acalmá-la. Ela estava tipo: “Eles precisam parar de mexer com o meu bebê! Eu tenho que ensinar uma lição pra eles!”

Então essa é a minha avó, ok? Você entende agora?

Quando eu era criança, ela ia comigo no ônibus todos os dias para o treinamento e, como não tínhamos muito dinheiro, minha avó costumava fazer pipoca pra gente comer. Ou, de vez em quando, ela cortava um pedaço de pão e botava um pouco de açúcar no meio. Coisas simples. Era o que tinha. Mas às vezes as coisas simples têm o melhor sabor, né? Ainda mais quando você está com fome. Lembro do gosto dessa pipoca até hoje!

Enfim, assim que o treino começava, o que minha avó fazia? Ia tomar um café? Não, cara, ela fazia questão de ficar lá me assistindo jogar por horas.

O mais engraçado é que ela não sabia falar meu nome.

Desde que eu era um bebê, ela me chamava de “ADI-RANO!”

Então, durante o treino, ela gritava com as outras crianças: “Solta a bola pro Adirano, meu filho!!”

Eu tinha que insistir com ela: “Vó! Fica quieta! Você não pode falar assim!”

Adriano Imperador base Flamengo
Cortesia de Adriano.

Depois, na volta pra casa, ela dizia: 

“Adirano, meu filho, corre pra cá, corre pra lá. Por que você não foi pro outro lado? Por que você não chutou pro gol, amor?”

Hahhahaha! Cara! Ela realmente me cobrava! Ela era Mourinho antes do Mourinho! Implacável!

Fizemos essa rotina por uns oito anos. Todo dia. Juntos. Eu nunca esquecerei. Nunca, nunca, nunca. Nem sei quantas horas passei no ônibus com minha avó. Essa foi a nossa vida inteira. Como é que estuda? Eu repeti a 5ª série três vezes!

Minha avó sacrificou sua vida para que eu pudesse tentar ser um jogador de futebol. E então um dia, do nada, todo o sonho estava acabando.

Acredita?

Quando eu tinha 15 anos, o Flamengo ia me dispensar. Eu ia ser mandado embora. Mas quando Deus bota a mão, esquece... O problema era que eu jogava na lateral esquerda na época e estava crescendo muito rápido. (Muita pipoca!) Imagina? O Adriano na lateral esquerda? Então, no fim do ano, os treinadores reuniram todas as crianças e nos separaram em duas fileiras.

Eles apontariam pra cada um e diriam: “Você, vai lá”.

Fila da esquerda, você está dispensado.

Agora, você fica.

Eles apontaram pra mim. “Adriano, vai lá.”

A fila da esquerda. Adeus.

Mas, pela graça de Deus, enquanto eu caminhava em direção à saída, um dos treinadores gritou: “Ei, não, não, não. Adriano, não. Deixa ele aí”.

Inacreditável, não? Quando Deus coloca a mão em nossas vidas, não tem explicação.

Naquele ponto, eu sabia que se tratava de sobrevivência. Quando eles me colocaram como atacante, eu sabia que era minha última chance. Então, o que eu fiz?

Cara, eu lutei. Eu comecei a dar mãozada em todo mundo, “vai ser agora”.

Isso é outra coisa que quem vê de fora não entende. Quando você é um atacante, não está numa corrida. Não, não, não. Quando a bola chega no seu pé e você tem dois zagueirões em cima, não é uma corrida.

É uma luta, uma luta de rua.

Como eu já jogava com os mais velhos na favela, os novinhos ficavam tudo pra trás, vlap, vlap!

PUM! Hahahah! ;-)

Eu tinha que sobreviver, certo? 

Adriano será o último sobrevivente. Pode apostar.

Adriano Imperador Milao carta
Gianni Giansanti/Gamma-Rapho via Getty Images

Continuei no Flamengo como atacante, graças a Deus, e algum tempo depois, quando eu tinha 17 anos, apareceu a chance de treinar com o time profissional. Ali já era mais sério. Cada um estava lutando pelo seu. Outro nível. Então, eu tinha de provar o meu valor. Nunca vou esquecer aquele momento. Era um coletivo, 11 contra 11, chuta pra lá, chuta pra cá. Jogo normal. Aí eu peguei a bola, e vieram o Ronaldão e o Juan mordendo, eu dei uma braçada. 

Consegui virar e vi aquele gol maravilhoso, ali na minha frente, e pensei: “Agora, vou ter de mostrar alguma coisa”.

A bola veio no pé esquerdo. Caiu na perna esquerda, já era.

Eu nem consigo explicar. É como se Deus estendesse o dedo do céu e tocasse a chuteira. Fechei os olhos e chutei o mais forte que pude.

TUM!!!!

A bola bateu no travessão.

THOOOONK!!!!

Um pombo sem asa.

SHHEEEEWWW!!!

Subindo. Tchau!!

Cara, juro por Deus, a bola voltou no meio-campo. Não sei explicar. Reparei na expressão de todos. Os jogadores, os treinadores, todos.

Eles ficaram impressionados, tipo: “É esse moleque, mermo!”

E me lembro de ter agradecido: “Obrigado, papai do céu me abençoou, vambora”. 

Adriano será o último sobrevivente. Pode apostar.

Adriano

Poucos meses depois, fui convocado para a Seleção Brasileira. Tudo aconteceu muito rápido. Eu ainda morava com meus pais na época. E, na verdade, eu estava tirando uma soneca quando eles anunciaram a Seleção na TV.

Minha mãe entrou na sala gritando: “Meu filho!” 

E eu lá, roncando pra caramba. Zzzzzzzzz.

Ela disse: “Tu foi convocado!”

“Hã? Quê? Para de brincadeira!”

Saí da cama e vi meu nome na TV.

Pô, fala sério. Eu tinha 18 anos e morava na favela. Como é que você pode dizer que não fui tocado por Deus? Minha história não tem muita lógica, nem mesmo pra mim.

Um ano depois, fui para a Inter de Milão e algumas pessoas passaram a me chamar de “Imperador”.

Adriano Imperador Inter Ibrahimovic
Paco Serinelli/AFP via Getty Images

Não fiz nadinha, cara. Como você pode explicar isso? Quando Ele quer, já era. Não tem explicação. Graças a Deus.

Lembro que tinha acabado de chegar à Itália e não sabia o que estava acontecendo. Eu olhava para aqueles caras: “Seedorf. Ronaldo. Zanetti. Toldo. Caramba.” Ficava admirado com eles. O Seedorf andando pelo vestiário, sem camisa, 7% de gordura corporal naquele filho da mãe! Tem que respeitar!

Nunca vou esquecer o primeiro jogo contra o Real Madrid, um amistoso no Santiago Bernabéu, e eu entrei durante a partida. Pouco depois, sofri uma falta fora da área e eu peguei a bola pra bater. De repente, adivinha quem vem atrás de mim dizendo: “Não, não, não. Eu vou bater.”

Materazzi, zagueirão daquele tamanho, com ele a porrada come! 

Eu mal conseguia entender o que ele estava dizendo, porque eu não falava italiano ainda. Mas eu entendi que ele não tava gostando de alguma coisa.

“Não, não, não!”

Ele queria pegar a bola. Mas o Seedorf chegou e disse: “Não, quem vai bater é o Adriano!”.

Ninguém mexe com Seedorf. Aí o Materazzi saiu fora. E o que é tão engraçado é que, se você assistir ao vídeo, vai ver o Materazzi parado com as mãos na cintura, pensando: “Esse filho da mãe vai mandar a bola pra fora do estádio!!!”.

As pessoas me perguntam o tempo todo sobre aquela cobrança de falta.

Como, como, como? Como você chutou a bola com tanta força?

Eu digo a eles: “Ah, cara! Não sei! Eu bati com a esquerda e Deus fez o resto!”.

TUM!!!

Canto superior do Casillas.

Eu realmente não consigo explicar. Simplesmente aconteceu.

Esse foi o início de um caso de amor com a Inter. Até hoje, a Inter é o meu clube. Eu amo Flamengo, São Paulo, Corinthians... Amo muitos dos lugares onde já joguei, mas a Inter é algo especial para mim.

A imprensa italiana? Ok, essa é outra história. Hahahaha.

Mas o clube Inter de Milão? O melhor, cara.

Me dá arrepios só de lembrar de como a torcida cantava no San Siro.

Che confusione
Sarà perché tifiamo
Un giocatore
Che tira bombe a mano
Siam Tutti em Piedi
por questo brasiliano
batti le mani
che no campo c'è Adriano

“Todos nós estamos com este brasileiro.”

Um cara que veio da favela, sendo chamado de “Imperador”, na Itália? Eu nem tinha feito muito ainda, e todos estavam me tratando como um rei. Foi louco. Lembro da minha família vindo do Rio para me visitar... E, quando digo minha família, você não entende o que eu quero dizer, cara. Quero dizer minha família. Não estou falando apenas de mamãe e papai, estou falando de 44 pessoas! Primas e primos! Tias e tios! A galera toda!

A galera toda entrou naquele avião.

Então a notícia chegou ao presidente do clube, Moratti (a lenda!). E ele disse: “Ei, este é um momento especial para o garoto. Vamos pegar um ônibus para a família dele.” Moratti reservou um ônibus só para a minha família. Você pode imaginar 44 brasileiros em “turnê” pela Itália? Hahaha! Que cena. Foi uma festa só!

Esta é a razão pela qual nunca direi uma palavra ruim sobre o Moratti ou sobre a Inter. Todo clube deveria funcionar assim. Ele se importava comigo de verdade, como pessoa.

Agora, eu sei o que você está pensando.

“Mas, Adriano, por que você se afastou do futebol? Por quê?”

Todas as vezes que volto pra Itália me perguntam isso.

Às vezes, acho que sou um dos jogadores de futebol mais incompreendidos do planeta. As pessoas realmente não entendem o que aconteceu comigo. Eles entenderam a história toda errada. É muito simples, para falar a verdade.

No intervalo de nove dias, eu fui do dia mais feliz para o pior da minha vida.

Eu fui do céu ao inferno. Sério.



25 de julho de 2004. A final da Copa América contra a Argentina. Todo brasileiro se lembra desse jogo. A gente tava perdendo para aqueles desgraçados nos minutos finais. Eles estavam catimbando, zoando com a gente, tentando entrar na cabeça dos jogadores brasileiros para ganhar tempo. Luís Fabiano queria dar soco em todo mundo! Hahaha! “Esquece o jogo! Vamos pegar esses caras de porrada!”

O que aconteceu depois parecia um sonho, cara. Um filme. Uma música. Não sei o que foi, mas não parecia a realidade.

Bola alta na área. Confusão. Corpos. Cotovelos. Eu não conseguia ver nada! Se você assistir ao vídeo, eu coloco meu cotovelo pra cima para acertar em alguém. De repente, a bola sobra no meu pé. Um presente do céu.

Eu pensei: “Oh! Vem cá, tum!!”

Estaria mentindo pra você se dissesse que sabia onde estava mirando.

Eu apenas bati com a esquerda, o mais forte que pude.

THUM!!

Beijo do gordo para os argentinos!!!

Adriano Imperador gol Argentina
Antonio Scorza/AFP via Getty Images

A bola balançou a rede e não sei explicar a sensação. Incrível.

Ali empatamos o jogo, mas sabíamos que tínhamos quebrado os caras. Nós sabíamos o que aconteceria nos pênaltis.

Juanzão meteu lá, já era!

Fomos campeões.

E a Argentina, não.

Vencer a Argentina assim, pelo meu país, com minha família assistindo… Provavelmente foi o dia mais feliz da minha vida.

Como não poderia pensar que Deus desceu sua mão do céu para tocar minha vida?

E isso é uma lição para todos. Porque não importa quem você seja – você pode estar no topo do mundo, você pode ser O Imperador – mas sua vida pode mudar num...

Snap!

...Estalar de dedos.



4 de agosto de 2004. Nove dias depois. Eu estava de volta à Europa com a Inter. Recebi uma ligação de casa. Eles me disseram que meu pai havia morrido. Ataque cardíaco.

Eu realmente não queria falar sobre isso, mas vou te dizer que, depois daquele dia, meu amor pelo futebol nunca mais foi o mesmo. Ele amava futebol, então eu amava futebol. Simples assim. Era meu destino. Quando joguei futebol, joguei pela minha família. Quando marquei, marquei para a minha família. Então, quando meu pai morreu, o futebol nunca mais foi o mesmo.

Eu estava do outro lado do oceano na Itália, longe da minha família, e não conseguia lidar com tudo aquilo. Fiquei tão deprimido, cara. Comecei a beber muito. Eu realmente não queria treinar. Não teve nada a ver com a Inter. Eu só queria ir pra casa.

Para ser honesto com você, embora eu tenha marcado muitos gols na Série A ao longo desses anos, e embora os torcedores realmente me amem, minha alegria se foi. Foi meu pai, sabe? Eu não poderia simplesmente apertar um botão e me sentir eu mesmo novamente.

Adriano Imperador The Players Tribune TPT Brasil
Adam Davy/PA Images via Getty Images

Nem todas as lesões são físicas, entende?

Quando rompi o tendão de Aquiles em 2011? Cara, eu sabia que ali estava tudo acabado pra mim, fisicamente. Você pode fazer uma cirurgia, reabilitar e tentar continuar, mas nunca mais será o mesmo. Minha explosão se foi. Meu equilíbrio se foi. Merda, eu ainda manco. Ainda tenho um buraco no tornozelo.

Foi a mesma coisa quando meu pai morreu. Mas a cicatriz estava dentro de mim.

“Cara, o que aconteceu com o Adriano?”

É muito simples.

Tenho um buraco no tornozelo e outro na alma.

Em 2008, foi a vez do Mourinho, na Inter, e eu já estava saturado. A imprensa me seguindo por toda parte, e tudo com o Mourinho era: “Foda-se, pá! Puta que pariu, caralho! Você vai me foder, não é, garoto?”.

Eu dizia: “O que foi, cara?”

Não aguentava mais. Não conseguia mais jogar com aquela paixão.

Daí fui convocado para a Seleção Brasileira e, antes de sair, o Mourinho falou: “Você não volta mais”.

“É, você já sabe.” E não voltei mais.

Passagem só de ida.

Sim, talvez eu tenha desistido de milhões. Mas quanto vale a sua paz de espírito? Quanto você pagaria para ter de volta a sua essência?

Adriano

A imprensa, às vezes, não entende que somos seres humanos. Era muita pressão ser O Imperador. Eu vim do nada. Eu era um garoto que só queria ir jogar futebol e curtir com os amigos. E eu sei que não é algo que você ouve de muitos jogadores hoje em dia, porque tudo é muito sério e há muito dinheiro envolvido. Mas estou apenas sendo honesto. Nunca deixei de ser aquele moleque da favela.

A imprensa dizia que eu tinha “desaparecido”. Eles falavam que eu tinha voltado para a favela e estava me drogando, e mais um monte de m#rd@. Publicavam fotos minhas dizendo que eu estava cercado por criminosos e que minha história era uma tragédia. Quando escuto uma coisa dessas, só rindo mesmo, porque eles não têm a mínima ideia do que acontece na minha vida. Eles não sabem como isso pode machucar uma pessoa. 

Voltei para o meu povo, meus amigos, minha comunidade. Eu não queria morar num castelo, isolado de tudo e de todos. Voltei para as pessoas que me conheciam quando eu era o ADI-RANO que comia pipoca.

Claro, tudo tem um preço. Eu estava fora de forma – física e mentalmente. Eu sabia que precisava de ajuda. Então acabei indo para o São Paulo para buscar suporte do REFFIS. Na época, o SPFC tinha alguns dos melhores médicos do mundo. Comecei a consultar com um psicólogo para me ajudar a lidar com minha depressão e fui capaz de me reabilitar.

E é aqui que tenho de dar um carinho ao Moratti, porque ele sempre me apoiou. Ele me deixou à vontade, porque ele sabia o que eu estava passando. Fui e voltei algumas vezes da Itália para o Brasil. Mas, no final, não consegui mentir pra ele.

Um dia ligamos para o Moratti, que me perguntou: “Adriano, você quer ficar aí um pouquinho?”.

E eu disse a ele: “Quero, sim. Não vou mentir para o senhor”.

E ele aceitou prontamente. Ele me deixou sair em paz. E eu o respeito muito por isso.

“Adriano desistiu de milhões para voltar pra casa.”

Sim, talvez eu tenha desistido de milhões. Mas quanto vale a sua paz de espírito? Quanto você pagaria para ter de volta a sua essência?

Na época, eu estava desolado com a morte do meu pai. Queria me sentir eu mesmo novamente. Eu não estava drogado. Isso nunca. Eu estava bebendo? Sim, claro. Merda, sim, eu estava. Saúde! Mas, se quiser testar – te juro por Deus –, você não vai encontrar droga nenhuma no meu sangue. O dia em que eu usar droga é o dia em que minha mãe e minha avó vão morrer. Bebida alcoólica? Ah, isso vai dar mesmo, bastante, até porque eu gosto de tomar um danone

Quando voltei para o Rio para jogar pelo Flamengo, não queria mais ser o Imperador. Eu queria ser o Adriano. Eu queria ter prazer novamente. Vou contar a real sobre esse time do Flamengo: o grupo foi maravilhoso porque era de verdade. Não era só eu não, cara. O grupo. Às vezes, a gente chegava para o treino não pelo futebol, mas pela resenha depois. Assim que o treino acabava – poom! –, hora de tomar um querosene. Hora da resenha. Direto para o Mercado Produtor. Todo o time. Até as esposas já sabiam: “Estaremos em casa à meia-noite!” Hahaha! ;-)

No treino do dia seguinte, se alguém estivesse cansado, o outro dizia: “Vou correr para você!”. E se um estava ferrado, o outro dizia: “Vou correr por ele. Deixa comigo!!!”.

Sempre fizemos tudo juntos, cara.

E vencemos. Demos um Brasileirão para o Flamengo depois de 17 anos. Foi especial.

Nunca fui completamente o mesmo depois que meu pai faleceu, mas naquela temporada eu realmente me senti em casa. Senti alegria novamente. Eu voltei a ser o Adriano.

Adriano campeão brasileiro Flamengo 2009
Antonio Scorza/AFP via Getty Images

Adriano era o menino da favela.

Adriano era o menino do ônibus com sua avó.

Adriano era o garoto que o Flamengo ia dispensar.

Adriano foi o menino que lutou.

Adriano foi o que sobreviveu.

Nunca deixei de ser essa pessoa. O dinheiro, a fama, o reconhecimento... Nada muda como você nasceu, entende?

Eu não ganhei Copa do Mundo.

Também não ganhei a Libertadores. (Aquele Washington, safado...)

Mas quer saber? Eu ganhei quase tudo. E eu tive uma vida incrível, do c@r@lh#, cara.

Sempre tive muito orgulho de ser o Imperador. Mas sem Adriano, o Imperador não presta!

Adriano não usa coroa. Adriano é o menino da favela que foi tocado por Deus.

Você entende agora?

Você vê?

Adriano não sumiu nas favelas. Ele apenas voltou pra casa.

Autografo Adriano Imperador assinatura

Assista à entrevista com Adriano na íntegra.

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