Queridas Meninas Pretas

Laquan Sumpter

Isto aqui vai para todas as meninas com um apóstrofo no nome.

Para todas as meninas que são “barulhentas demais” e “emotivas demais”.

Para todas as meninas que ouvem o tempo todo aquela mesma pergunta: “Nossa, o que você fez no seu cabelo? Isso é novidade”.

Isto aqui vai para as minhas meninas pretas.

Vou contar uma história, e talvez vocês se identifiquem. Tudo começou numa festa de aniversário. (Já repararam que esses dramalhões sempre acontecem nas festas de aniversário?!?!)

Eu estava no quarto ano do primário, lá em Hopkins, na Carolina do Sul. Era comum por ali a gente ver a bandeira dos Confederados em cada esquina. Hasteada nos restaurantes, nos para-choques dos carros — até mesmo tremulando sobre a sede do governo estadual, vejam só. Era basicamente uma coisa que você via em todo lugar. Quando você é criança, não entende direito. O mundo é um lugar amigável, né? Você aceita o que as pessoas dizem por serem próximas ou conhecidas. Seus amigos são seus amigos. Você gosta do que quer gostar. Tudo está bem!

Sempre consegui aprender melhor em classes pequenas. Por isso, meus pais me mandaram para uma escola particular chamada Heathwood. Os negros eram provavelmente uns 10% por lá naquela época, então a maioria dos meus amigos era de brancos. Eu nem pensava a respeito disso. Tínhamos nossa turminha inseparável. Aí foi chegando o aniversário de uma das amigas, e foi todo um acontecimento na escola. Todo mundo falava: “Meeeu, você está sabendo da festa da fulaninha? Eu vou com certeza!”.

A'ja Wilson WNBA basquete
Mike Carlson/GettyImages

Aí um dia a fulaninha me chama de lado e diz: “Você vai na minha festa, né?”.

E eu: “Claro!”.

E então ela me joga a bomba: “Bom, talvez você tenha que ficar fora de casa”.

E eu, tipo: “Fora de casa? Do que estamos falando? De acampar? Vai ser um acampamento, é isso?”.

E ela: “Não, é na minha casa. Mas é que meu pai não gosta muito de negros, então...”

Era assim e pronto. Não era um drama do tipo Casos de Família, sabem o que eu quero dizer? Era simplesmente... “Meu pai não gosta muito de negros”.

Então…

Fiquei lá olhando pra ela, tipo... Oi?

Nem parecia real. Era a minha amiga! Nada menos do que isso! Fazíamos tudo juntas.

Foi muito triste, mas também foi muito importante aprender essa lição tão nova. Porque foi a primeira vez que eu entendi: “Ah, tá, você não é só uma menina. Você é uma menina negra. E algumas pessoas não gostam de você por causa disso”.

Não existem duas pessoas com histórias idênticas. Mas toda menina negra, em algum momento da vida, tem sua própria versão da Tal Festa de Aniversário. É por isso que estou escrevendo isto aqui para vocês. Eu sei o que é se sentir varrida para debaixo do tapete. Eu sei o que é não ser ouvida, não ser vista, não ser levada a sério.

E aí, quando você finalmente levanta a voz... Como eles te chamam?

“Chiliquenta.”

“Barraqueira.”

“Favelada.”

Eu sei o que é se sentir varrida para debaixo do tapete.

A'ja Wilson

Às vezes, dá a impressão de que não tem jeito da gente ganhar, né? Bom, só posso dizer que estou aqui para te ouvir. Você não está sozinha, saiba disso.

EU ENTENDO VOCÊ.

A verdade é que somos duplamente minoria. É como se o mundo estivesse constantemente nos lembrando...

Você é uma menina.

Ah! E você é uma menina negra.

Tudo bem, boa sorte!

Quando eu era garota, a parte mais difícil para mim era olhar ao meu redor e não ver ninguém que se parecesse comigo. Se na minha escola os negros eram 10%, talvez 3% fossem meninas negras. Todos os professores — um salve para eles — eram brancos. Menos uma. Tínhamos uma professora negra. Vou dar cinco segundos para vocês adivinharem como ela era chamada por todos os alunos.

Um...

Dois...

Três...

“A malvada.”

Você entendeu. Você já viu essa história. Ela era a malvada. A maioria dos pais e alunos provavelmente nunca tinha nem visto aquela mulher, mas sempre vinham com um papo assim: “Ah, você não vai querer fazer a aula dela. É horrível!”.

Somos duplamente minoria. É como se o mundo estivesse constantemente nos lembrando... Você é uma menina. Ah! E você é uma menina negra.

Assim fui apresentada à maneira como o mundo funciona para as mulheres negras. E vou dizer pra vocês: foi uma lição que nunca mais parei de aprender, nem mesmo quando fui jogar basquete na Universidade da Carolina do Sul, tendo como treinadora uma lenda viva, a Dawn Staley.

Antes eu preciso contar que minha treinadora é como uma segunda mãe para mim, então sou um pouco suspeita pra falar. Sei que vou ficar meio nervosa nesta parte. Mas eu estou aqui pra falar a verdade, nada mais que a verdade. Então, se alguém não gostar, não estou nem aí.

Parece que não importa o seu sucesso, nem a sua força, nem quantas vidas você já mudou, nem quantas faixas de campeã você guarda em casa...

Você é uma mulher negra nos Estados Unidos, especialmente no Sul?

É sempre esse clima de “vou te mostrar quem manda aqui”.

A Staley é quem manda. Estamos falando de uma mulher que ganhou três ouros olímpicos para os EUA. Estamos falando de alguém que foi escalada seis vezes para o WNBA All-Star. De alguém que ganhou o prêmio Naismith de destaque do basquete universitário, tanto como jogadora quanto como técnica.

Se tem alguém que manda é ela.

Aja Wilson tecnica negra
ARIS MESSINIS/GettyImages

E mesmo assim eu vi acontecer com ela. Quando ganhamos o torneio universitário da NCAA em 2017, sabe o que começamos a ouvir quase imediatamente? Estamos falando do primeiro título feminino de basquete para o Estado da Carolina do Sul. E sabe o que vieram dizer quando a gente não tinha praticamente nem tirado a faixa do peito?

“A treinadora Staley não escolhe jogadoras brancas. Por que ela não escolhe meninas brancas?”

Você tinha um time de 12 garotas negras ralando sem parar. Não, ralando pra caralho! Pra fazer história. Sob o comando de uma treinadora negra. E, ainda assim, parecia que uma parte significativa da nossa comunidade não queria comemorar plenamente. O pior foi nas redes sociais. Puro ódio. Puro absurdo. Mas sei lá, talvez todo esse ódio viesse lá do Mississippi, porque afinal a gente vive ganhando de vocês!!!?

Eu já disse que não estou nem aí!

Eu avisei!

Afinal de contas, as meninas pretas do país inteiro precisam ouvir a verdade. Precisam saber no que estão se metendo. Geralmente, não temos aquela “Conversa Importante”. Os meninos sempre têm. Eles são alertados de que são vistos pela polícia como uma ameaça, são ensinados a sobre como se portar no mundo, a sobreviver.

E isso é muito necessário. Mas e com as garotas negras, do que se fala?

Cri, cri, cri...

Sério, vou te deixar pensando. Com certeza a resposta é diferente para cada pessoa.

Não queremos ser a Negra Enfezada nem a Negra Agressiva. Só queremos ser vistas como seres humanos neste mundo.

Odeio que a gente tenha que virar uma hashtag para a sociedade dizer: “Nossa, amamos as nossas Rainhas Negras! Aêêêê!”

Não.

Não. Isso não basta. Não queremos virar meme nem nada disso. Não queremos ser a Negra Enfezada nem a Negra Agressiva. Só queremos ser vistas como seres humanos neste mundo. Só queremos ser ouvidas quando falamos. Só queremos ser respeitadas.

A'ja Wilson Players Tribune
Laquan Sumpter

Não quero ter que adotar este tom de NÃO TÔ NEM AÍ para que você me escute.

Eu quero poder sussurrar, se eu quiser.

Eu quero ser simplesmente uma profissional, fazer o que eu sei dentro da quadra, e quando estiver rolando o meu feed quero ver rostos que se pareçam com os meus.

Por que a campanha de 32 vitórias e só 1 derrota do Gamecocks, da Carolina do Sul, não saiu no SportsCenter?

Por que todas aquelas jogadoras negras não apareceram no seu feed?

Muita gente nos EUA vai te dizer: “Ah, basta se esforçar, e — sério — o terreno de jogo é muito igualado!”.

32 vitórias.

Primeiras colocadas.

Onde estavam essas mulheres?

Pois é. Você sabe como são as coisas. Ainda temos um longo caminho a percorrer.

Você não precisa ser jogadora, política ou celebridade para ter um impacto sobre os outros.

A'ja Wilson

E tudo bem admitir isso. Tudo bem dizer às nossas meninas pretas que elas estão só começando a descobrir como este mundo funciona, estão apenas vivenciando o seu primeiro Climão da Festa de Aniversário.

Por isso estou escrevendo isto. Considere que é a minha versão extraoficial da Conversa Importante.

Eu não tenho todas as respostas. Mas só quero dizer que te entendo. Que também passei por isso. Já tive raiva, já fui humilhada, já fui menosprezada e ignorada. Em alguns momentos da minha vida, já me senti deprimida e perdida.

Mas quer saber?

Nada me segurou.

Eu me fiz ouvir.

Inclusive fiz a equipe de filmagem da ESPN vir até o meu colégio no dia em que assinei o contrato para que eu pudesse botar meu boné do GAMECOCKS como os garotos fazem, e ainda assim reclamaram.

“Não sei se dá para levar uma equipe até aí tão em cima da hora. Pode ser complicado.”

Não, né? Vocês têm Google Maps.

Não recuei, porque eu queria que todas as meninas que adoram basquete estivessem zapeando e dissessem: “Ah, estou te vendo”.

Verdade seja dita, eles mandaram uma equipe para a Carolina do Sul, e foi um dos melhores dias da minha vida. 

A'ja Wilson basquete
Ethan Miller/GettyImages

Mas este é o ponto.

Para todas as minhas pretinhas por aí...

Se vocês forem se lembrar de alguma coisa desta carta, lembrem-se disto: 

Você não precisa ser jogadora da WNBA, política ou celebridade para ter um impacto sobre os outros.

Lembro que quando eu estava na quarta série, depois daquela história humilhante da festa de aniversário, eu me senti muito sozinha. Meus amigos não se pareciam comigo. Meus professores não se pareciam comigo. Mas todo dia, quando ia almoçar, eu entrava na fila toda animada com a minha bandejinha de plástico.

Era o ponto alto do meu dia, porque eu via minha merendeira favorita.

Ela era a única pessoa no refeitório que se parecia comigo.

Ela sorria e colocava um punhado de purê de batata no meu prato, e esse era o nosso pequeno momento diário.

Então, aqui estamos nós. Eu estou vendo vocês. Eu entendo vocês.

Continuem lutando, pretinhas.

Estou vendo vocês. Entendo vocês. 

Um abraço,

A’ja 



P.S.: Aqui vai minha última contribuição para a Conversa Importante:

Se alguém lhe perguntar: “Posso mexer no seu cabelo?”.

A resposta é não.

Não meeeeeeesmo.

Autografo Aja Wilson WNBA

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