Para a Torcida Brasileira

Sam Robles/The Players' Tribune

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Povo brasileiro,

Vamos ser honestos uns com os outros. De jogador para torcedor. Doa a quem doer.

Eu começo.

Durante muito tempo, não fomos bons o suficiente. E isso não quer dizer que nós não nos empenhamos, que nós não nos dedicamos, que nós não sentimos a derrota.

Não me entendam mal, mas ninguém sabe o quanto cada um de nós abdicou para estar aqui. Abrimos mão de tudo pela Seleção Brasileira. Como eu sempre faço questão de dizer na preleção antes dos jogos, somos um grupo que tem muita fome, muita sede, muito brilho, muito orgulho de representar nosso país.

Ao mesmo tempo, nós vemos e acompanhamos o que está sendo dito a nosso respeito. De alguma forma, não temos sido capazes de demonstrar o quanto nós estamos dispostos a sacrificar por esta camisa. E eu tenho aproveitado esse período de preparação pra Copa América para reforçar que a única maneira de mudar essa imagem é nos entregarmos de corpo e alma dentro do campo.

Bom, agora é sua vez. E aí, o que vocês estão comentando nas resenhas das peladas, na mesa do bar, no churrasco com os amigos?

E a imprensa? Os caminhoneiros? As senhoras que frequentam a igreja?

O que todos vocês acham de nós?

“Eles não se importam.”

“Eles não querem estar lá.”

“Eles são apenas caras ricos que não têm amor à camisa.”

Todos nós já ouvimos isso. Não podemos fugir das redes sociais, mesmo que a gente desligue o celular.

E, na verdade, eu entendo por que vocês dizem essas coisas.

Há uma barreira entre nós e vocês. Isso não é só aqui no Brasil. Está em todo lugar. É a nossa sociedade. Você entra no Instagram e o que vê? Várias coisas falsas ou superficiais. Um cara postando uma foto com sua Ferrari. Todo mundo está sempre feliz. Todo mundo está sempre curtindo uma praia.

Eu também tenho minha parcela nisso. Não culpo ninguém que enfrenta problemas bem maiores no dia a dia por olhar pra nós e pensar: eles não dão valor ao que têm.

Mas posso dizer, do fundo do meu coração, que cada jogador que veste a camisa amarela sente o peso disso, não importa o que as pessoas digam.

“Ah, é só mais uma partida. Não sentimos a pressão. Somos profissionais.”

Mentira! É o Brasil. Você sempre sente a pressão.

Douglas Magno/AFP via Getty Images

Nunca vou me esquecer da primeira vez que fui convocado para a Seleção sub-20. Nós estamos no Paraguai para a estreia no Sul-Americano e, na noite anterior, a única coisa que eu conseguia pensar era como seria a minha camisa pendurada ali no armário. 

Será a amarela ou a azul?

Por favor, que seja a amarela.

Na manhã seguinte, eu limpei minhas chuteiras umas três vezes de tanta ansiedade pra jogar. Então, finalmente cheguei no vestiário, e o que eu vi foi o seguinte:

D A N I L O

2

A amarelinha perfeita. O número verde. O meu nome. P***! 

Fiquei ali sentado, segurando a camisa nas mãos, como um bebê recém-nascido, e foi isso que meu rosto parecia….

😳

Juro por Deus.

😳

Disse a mim mesmo: você vai jogar o jogo da sua vida. Você vai dar o sangue dentro de campo. Pela sua família e seus amigos. Por todos que já te ajudaram a chegar até aqui. Pelo país inteiro. Você vai destruir!

Cara, eu entrei naquele campo e esqueci completamente como chutar uma bola de futebol! Eu estava tão nervoso… Um simples lançamento? Fuéén. Chutei lá na arquibancada.

A camisa parecia pesar 50 quilos. E por 50 e poucos minutos, fiz o pior jogo da minha vida. Aí tomei um cartão amarelo, o professor teve misericórdia de mim e me tirou.

Mas quer saber? Quando saí de campo, não fiquei triste. Eu nem estava bravo comigo mesmo.

Porque posso dizer honestamente que não podia dar mais um passo. Corri até minhas pernas quase desmontarem. Pensei: se esta é a última vez que jogo pelo Brasil, f***-se! Pelo menos eu entreguei tudo em campo.

Para mim, isso é o mais importante: entregar tudo em campo. Beleza, nem sempre é possível, eu sei. Há muitos, muitos momentos em que suas pernas simplesmente não funcionam. Em que você acorda e se sente depressivo, que todo mundo te odeia ou que nem merece vestir a camisa.

Conheço bem esse sentimento.

Sou humano. Nem sempre estive no meu melhor. Sendo ainda mais honesto com vocês, durante a minha primeira temporada no Real Madrid, eu fiquei deprimido. Estava perdido, me sentindo inútil. No campo, não conseguia dar um passe de cinco metros. Fora do campo, era como se eu não conseguisse nem me mexer.

Minha paixão pelo futebol desapareceu e eu não enxergava uma saída. Eu queria voltar pra minha casa no Brasil e nunca mais jogar bola.

Eu não estava me vendo como Baianinho, o filho de Baiano (é assim que chamam meu pai). Eu estava me vendo como Danilo, aquele que tinha “assinado o contrato de 31 milhões de euros”, como noticiavam os jornais — o defensor mais caro que o Real Madrid já tinha comprado até então. 

Sam Robles/The Players' Tribune

Quando jogamos contra o Alavés, alguns meses depois do início da temporada, o Theo Hernández roubou a bola de mim e cruzou para o Deyverson fazer o gol. Ainda vencemos por 4 a 1, mas foi um erro que você não pode cometer no Real Madrid. Nunca esquecerei que fui pra casa naquela noite e não consegui dormir. 

Escrevi no meu caderno: acho que é hora de abandonar o futebol. Eu tinha 24 anos.

Qual parte de mim estava realmente sentindo a pressão? O cara que tinha sido uma revelação como lateral-direito do Porto? Ou o menino de Bicas que, de repente, tinha assinado com o maior time do mundo?

A resposta foi clara. Por dentro, você ainda é e sempre será o menino de Bicas.

Não contei pra ninguém o que estava sentindo. O Casemiro tentou me ajudar, mas eu “engoli o sapo”, como se diz. E foi ficando cada vez maior. Mas depois de alguns meses de sofrimento, comecei a consultar com um psicólogo e ele realmente salvou minha carreira.

A lição mais importante que ele me ensinou foi ver o jogo através dos olhos de uma criança novamente.

Ao jogar futebol quando criança, você nunca pensa muito.

Seu corpo e sua mente estão em sincronia. Basicamente: você não dá a mínima se cometer erros. Você joga e .

De repente, deixei de me ver como Danilo, o jogador de 31 milhões de euros.

Comecei a me ver como o Danilo de Bicas, o menino que trancava o armário no América Mineiro porque guardava um rolo de papel higiênico como se fosse “ouro”.

Ajudando com 1 real todo domingo com meus cinco amigos pra podermos comer uma pizza.

Implorando ao meu amigo por 90 segundos em seu cartão telefônico para que eu pudesse ligar pra minha namorada.

Chorar um desconto com o cara da lan-house pra que eu pudesse me comunicar com minha família à distância.

“Pô, irmão, eu sei que a hora custa 1 real, mas só tenho essa moeda de 50 centavos no bolso. Bota meia horinha de internet em meu nome, por favor!”

Dormir com as baratas, as aranhas e os escorpiões no CT…

Anderlei Almeida/AFP via Getty Images

Não tô querendo romantizar as dificuldades que eu vivi. Sei que a geração mais velha lendo isso não vai ficar impressionada com a história das baratas. Sempre que falo com meu pai, ele me dá um choque de realidade. Aqui, vou fazer de conta que estamos sentados em volta da mesa da cozinha na nossa casa em Bicas, descalço, tomando café por cinco horas:

“Danilo, acorda, meu filho! Você não teve nenhum problema de verdade! Você sabe como é viver dirigindo um caminhão???”

(Sim, pai. Continua.)

“Uma noite, estava chovendo demais e meu caminhão quebrou na beira da estrada. No meio do nada. Não dava pra dormir no acostamento. Muito perigoso, ladrão pra todo lado!”

(Então o que você fez, pai?)

“Bom, saí do caminhão e lembro que estava chovendo forte, um dilúvio, uma tempestade como você nunca viu! Então, eu entrei no matagal e achei uma bananeira. Peguei um pedaço de papelão do meu caminhão e montei uma casinha ali embaixo. Procure sempre uma bananeira, filho! Elas têm as melhores folhas! Dormi lá durante o pé d’água e… Sabe o que eu fiz, filho?

(O quê, pai?)

“Caminhei 8 quilômetros até a cidade pra consertar a roda quebrada! E mais 8 de volta! Então eu dirigi mais 12 horas! Só pra que você e seus irmãos pudessem comer! Só assim tivemos dinheiro suficiente pra fazer o mercado da sua mãe naquele mês! Quatro moleques em casa! Meu Deus! Você sabe quantos quilos de arroz quatro meninos comem??? Milhões. Então, não vem com papo de aranhas debaixo da cama pro meu lado, filho.”

E continua assim por mais uma hora…

Mas meu pai tá certo, claro. Hoje em dia, se meu chuveiro estiver um pouco quente demais, pego o telefone e de repente tem uns 10 caras na minha casa com chaves inglesas pra consertar tudo. São essas pequenas coisas que começam a nos afastar da nossa essência —não apenas como jogadores de futebol, mas como pessoas.

Acho que isso é parte do que aconteceu comigo no Real Madrid. Tive que me lembrar das minhas raízes e a alegria de jogar futebol não por fama ou dinheiro, mas por diversão.

Se minha carreira foi salva naquele momento, eu preciso fazer dois agradecimentos: Um, aos meus terapeutas. O outro, aos meus filhos. Meus dois meninos.

Sam Robles/The Players' Tribune

O Miguel nasceu em 2015, pouco antes de eu ir para o Real Madrid. Ele é um pequeno intelectual. Lê e escreve o dia todo. Ele tem 50 biografias em seu quarto. (“Não, pai, eu tenho 28!”) Ele está lendo sobre Einstein agora. Não dá a mínima pra futebol. Nem mesmo sabe com qual perna ele chuta.

Pra ele, não importa muito se o Brasil ganhou ou perdeu.

Mas meu filho mais novo, o João, ele não aceita perder.

João nasceu em 2019, pouco antes da pandemia, e é jogador de futebol. Eu nunca vou me esquecer de quando voltei pra casa depois que perdemos para a Croácia na última Copa do Mundo. Fui pra cama e meus filhos ainda estavam esperando por mim. Eles entram na sala e João diz: “Eu sei que o Brasil perdeu. Eu vi o placar”.

Ele é assim, bem direto.

Então eu comecei a chorar, porque senti que eu tinha decepcionado meus filhos, assim como todo o país.

Miguel foi pra cama comigo e disse: “Tudo bem, pai. Eu sei que você deu o seu melhor”.

Fiquei ali deitado e chorei por uma hora, e ele me abraçou e disse que estava tudo bem, e que estava orgulhoso de mim. Às vezes, precisamos mais de nossos filhos do que eles de nós.

Foi um grande ponto de virada pra mim. Depois do duplo golpe, da pandemia e da eliminação na Copa do Mundo, eu poderia ter recaído. Poderia ter entrado em depressão de novo. Eu tinha 30 anos. Poderia ter dito: “OK, tive uma carreira legal. Mas já atingi o meu máximo. Posso relaxar agora”.

Sam Robles/The Players' Tribune

Mas eu fiz o oposto. Comecei a falar com meu terapeuta todos os dias. Comecei a ler mais. Comecei a me desafiar para ser um líder melhor. E foi aí que tudo se iluminou pra mim.

Quando recebi a braçadeira de capitão da Juventus, foi uma grande honra.

Mas quando ganhei a braçadeira de capitão do Brasil foi algo totalmente diferente. Uma honra imensa, incomparável.

Quando Dorival Júnior me contou que eu seria o capitão nos amistosos contra a Inglaterra e a Espanha, eu disse a mim mesmo: “Não importa o que aconteça neste próximo jogo ou daqui em diante, eu posso morrer feliz”.

Por isso estava engasgado antes do jogo contra a Inglaterra. Quando vi meus companheiros, eu precisava expressar tudo o que estava sentindo. Ao vestirmos essa camisa amarela, temos que dar tudo. Não podemos deixar sequer uma gota de suor em nossos corpos.

Se a gente quiser se aproximar do povo brasileiro, então a gente tem que apertar o reset na nossa mentalidade.

É isso que o povo brasileiro merece. Cada arrancada que damos em campo, tem de ser por vocês, que cobram, criticam, pegam no nosso pé, mas que só fazem isso porque realmente amam a seleção e se importam com o nosso time.

Sam Robles/The Players' Tribune

Não estamos aqui para exibir a nossa nova chuteira ou tirar selfies, mas para demonstrar que temos sangue pulsando em nossas veias.

E querem saber de uma coisa? Acho que todos nós poderíamos aprender algo com os mais jovens, tipo o Endrick, o caçula do grupo.

Olha o que ele fez contra a Inglaterra.

A propósito, ele ainda é uma criança. Olho pro rosto dele e penso: Putz! Estou velho mesmo!

Quase não sabia como falar com ele enquanto tomávamos café da manhã no hotel. Eu chamava um dos jogadores mais jovens e falava: “Diga isso ao Endrick pra mim”.

Me senti um tiozão!

Mas olhei nos olhos dele antes do jogo com a Inglaterra e percebi que ele estava pronto para aquele momento. A gente sofreu muita pressão do adversário nessa partida. Daí quando ele marcou o gol da vitória, todo mundo correu para comemorar com ele perto das placas de publicidade. Mas eu nem fui até lá. Vi que eles iam revisar o lance com o VAR, e eu estava tão exausto que aproveitei pra ir até banco e pegar um copo de água.

Veja bem, como tiozão, você tem que ser esperto…

Quando confirmaram o gol, o Endrick veio me abraçar como uma criança se divertindo no parque.

Mas quer saber a real? Quando encontrei o Endrick depois do jogo, como capitão, tive que dizer a verdade…. Falei o seguinte: “Endrick, você foi incrível. Mas deveria ter feito o segundo gol, cara”.

Michael Regan/The FA via Getty Images

Ele respondeu: “Danilo, eu nem sabia mais o que estava fazendo!”.

Espero que esse jogo seja a referência de um novo capítulo para nós. Uma nova mentalidade. Um novo espírito.

Quando saímos de campo, todas as perguntas eram: “Você não acha que pegaram pesado? Era só um amistoso”.

Não, não e não. Essa é a ideia!

Veja como as outras equipes jogam contra a gente, como entram firme nos nossos atacantes. Não tem moleza, nunca. 

Temos que ser do mesmo jeito. Às vezes, você tem que chegar junto também. Esta é uma lição difícil que acho que aprendemos nos últimos anos.

Como capitão, eu sei exatamente o que a Seleção significa para o nosso país. E a Copa América é uma grande oportunidade para mostrar que nosso grupo entende o peso da responsabilidade de vestir essa camisa. Acho que temos que jogar como se estivéssemos lutando para nos tornar jogadores de futebol profissionais novamente. Porque essa é a especialidade do povo brasileiro, certo? É isso que está no nosso DNA. Lutar, ser corajoso, não desistir nunca. Dormir debaixo da p*##@ de uma bananeira.

Não temos a obrigação de lutar só como jogadores de futebol, mas como brasileiros.

Minha mensagem final para todos vocês é muito simples:

Vamos unir forças nessa luta.

Nós não estamos aqui para exibir a nossa nova chuteira ou tirar selfies. Estamos aqui para lutar.

Estamos aqui para brigar pela Copa América.

Do seu capitão, com o mais sincero respeito e honestidade,

Danilo

Autografo Danilo

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