Para o Meu Pai e Para a Minha Mãe

Sam Robles/The Players’ Tribune

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Mãe, pai...

Vocês sabem que eu não sou de ficar falando muito. Mãe, outro dia meu pai me disse que você tinha medo que ele me esquecesse no carro quando eu era criança, porque eu era muito calado.

Mas hoje, no dia do meu aniversário de 18 anos, sou eu quem vai homenagear vocês. Algumas palavras do coração para mostrar o que vocês representam para mim. Quero dar um presente pra vocês, que me deram tanto.

Como uma pessoa tímida, às vezes a maneira mais fácil é escrever o que você sente.

Em breve, vou deixar o Brasil para realizar meu sonho de jogar na Europa, e tenho pensado muito sobre como chegamos aqui. Você não se torna um homem só porque fica mais velho, certo? Você amadurece através das dificuldades.

Quando olho pra trás, ainda não consigo acreditar no que vocês fizeram por mim.

Quero dizer... Quantos pais abandonariam suas vidas inteiras para seguir o sonho de seu filho pequeno, quando ele tem oito anos?

Quantos pais deixariam suas casas, seus empregos, seus amigos?

Quanto mais velho fico, mais louco parece. Ainda me lembro do quanto vocês oraram no ano anterior à nossa saída de São Paulo para Belo Horizonte. Vocês não sabiam se aceitavam a proposta do cara que queria me levar para o Cruzeiro. Pai, você disse a ele a mesma coisa que as pessoas lhe diriam tantas vezes.

“O menino tem oito anos. Você está louco?”

Aquele cara realmente tinha como objetivo me levar para o Cruzeiro. É verdade que ele não conseguia dormir depois de me ver jogar? Pelo que eu me lembro, você começou a levar isso a sério quando ele gravou um vídeo meu e enviou para a base do Cruzeiro, e depois prometeu nos ajudar com tudo o que precisássemos.

Por 12 meses, você orou e orou.

A gente deveria ficar? A gente deveria ir?

Quero dizer... Quantos pais abandonariam suas vidas inteiras para seguir o sonho de seu filho pequeno, quando ele tem oito anos?

Estêvão

Pai, eu tinha idade suficiente para saber que você servia como pastor na nossa igreja local em Franca e que seu sonho era fazer aquela comunidade crescer por lá.

Quando você finalmente decidiu me levar para o Cruzeiro, muita gente achou que não iria dar certo. Eu entendo o motivo. No Brasil, as chances de se dar bem como jogador de futebol são de 0,0000001%. Mas eu me lembro do que você sempre dizia a eles.

“Eu sei o que tenho em mãos.” Você sempre foi meu maior fã.

Estêvão | Para o Meu Pai e Para a Minha Mãe | The Players’ Tribune
Sam Robles/The Players’ Tribune

A velha caminhonete ainda está gravada na minha mente. No dia em que saímos de Franca, jogamos todas as nossas roupas nela, nos despedimos da mamãe e dirigimos o dia inteiro até Belo Horizonte. Ainda não entendi por que não comemos durante toda a viagem, mas me lembro da pizzaria que encontramos quando chegamos, na esquina ao lado da casa que iríamos alugar. Acho que o cardápio tinha duas opções:

PIZZA PEQUENA | PIZZA GRANDE

Cara... Sinto meu estômago roncar só de pensar no tamanho da nossa fome.

Mas quando se tem tão pouco dinheiro, o que se pode fazer? Pedimos a pequena, aquela com quatro fatias.

Minúscula. Borrachuda. Sem gosto.

Quando comecei a jogar na base do Cruzeiro, lembro que um dos técnicos ficou chocado ao me ver.

Ele disse: “Moleque, eu sei que alguém deste clube te contratou e que a gente tem que desenvolver jovens jogadores aqui, mas isso é loucura. Você tem oito anos! O que você está fazendo aqui?”

Ele falava comigo como se eu tivesse me perdido no centro de treinamento. “Onde está seu pai?”

Para falar a verdade, eu não tinha a mínima noção de que o Cruzeiro era o Cruzeiro. Entende o que eu quero dizer? Para mim, era só mais um lugar para conhecer novos amigos e jogar futebol. E minha curiosidade estava toda voltada para as viaturas que andavam ao redor da minha nova escola.

No meu primeiro dia, vi muitos policiais e luzes azuis piscando. Perguntei a um garoto: “O que aconteceu?”

Ele respondeu: “Ah, isso é normal. Eles vêm aqui quase todo dia.”

“Moleque, eu sei que alguém deste clube te contratou e que a gente tem que desenvolver jovens jogadores aqui, mas isso é loucura. Você tem oito anos! O que você está fazendo aqui?”

Poucas horas depois, vi uma briga dentro da sala de aula. Dois garotos se socando, rolando sobre as mesas. Eu nunca tinha visto algo assim. Minha escola em Franca era tão silenciosa, e agora eu estava com todos aqueles caras mais velhos que sempre se metiam em confusão. Lembra como eu ficava com medo? A única vez que eu me sentia seguro era quando estávamos juntos, ou quando eu tinha uma bola nos meus pés.

Mãe, me senti muito melhor quando você deixou seu emprego na fábrica de calçados para se juntar a nós. Mas, mesmo assim, aquelas primeiras semanas difíceis se transformaram em meses... e anos... e então um dia você me disse que havia um problema com o proprietário e que poderíamos ser despejados.

Por um tempo, a gente não sabia se teria um teto sobre nossas cabeças no dia seguinte. Eu era jovem demais para entender, mas agora percebo o quão difícil deve ter sido para você.

Então recebemos a notícia de que a igreja do papai estava se desestruturando. Pai, ainda sinto por você.

Você se importava tanto.

Você sentiu o peso de ter que decidir.

Mesmo com a minha pouca idade, eu conseguia ver nos seus olhos. Eu conseguia ouvir na sua voz. Mas o peso que você carregava nos ombros? Isso eu ainda só consigo imaginar.

Quase voltamos para Franca tantas vezes. Quase desistimos.

Teria sido a coisa mais fácil de fazer, certo? Mas todas as noites eu via você pedir a Deus.

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Sam Robles/The Players’ Tribune

Não entendia como você podia ter tanta fé. Eu ainda era criança e não havia nenhum sinal claro de que aquilo daria certo.

Só percebi anos depois, quando você me contou sobre a menina na igreja. Pai, você se lembra?

Quando morávamos em Franca, você me levava à igreja sempre que não queria que eu ficasse sozinho em casa. Você entrava em um dos quartinhos laterais para orar sozinho, e eu pegava minha bola e brincava. Eu tinha apenas três anos, mas driblava os bancos de madeira, tabelava com a parede e corria em direção ao púlpito. Quebrei um relógio pendurado na parede. Quebrei tantas coisas.

Um dia, você saiu da sala de oração e me disse para eu me sentar ao seu lado em um dos bancos. Então, você me falou da menina.

Deixa eu tentar contar essa história direito... Antes de eu nascer, você estava na igreja quando essa menina bateu na porta, certo? Ela disse: “Deus vai te dar um filho, e ele vai trazer muita alegria para a sua vida. Ele vai abrir muitas portas para você."

Você ficou surpreso, porque você nem tinha namorada na época.

Você disse a ela: “Escute, meu sonho é fundar uma igreja e ajudar as pessoas. Eu nem quero me casar”.

Mas então a moça leu a passagem da Bíblia em que Davi tem um filho chamado Salomão, que passa a construir templos. Ela disse: “Seu filho vai te ajudar a construir sua igreja. Ele vai te coroar”.

E então você se casou com a mamãe, e quando ela engravidou, você percebeu que Deus estava cumprindo a Sua promessa. Foi por isso que você me chamou de Estêvão — «Coroa».

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Miguel Schincariol/Getty Image

A primeira vez que ouvi essa história, tudo fez sentido para mim. Se eu me tornasse jogador de futebol, você poderia ajudar mais pessoas. Você poderia fundar a sua igreja.

Quando fomos para o Cruzeiro, você não estava apenas me ajudando a perseguir o meu sonho.

Você estava ouvindo a Deus.



Nunca vou esquecer quando você me disse: “Você é um presente de Deus”.

Mesmo agora, aos 18 anos, é difícil entender. Mas sei que meu desejo de jogar futebol não é normal. Mesmo quando a polícia apareceu na nossa escola e não sabíamos se teríamos um lugar para ficar, eu nunca pensei em voltar para Franca.

Esse desejo de jogar, marcar gols, vencer e melhorar, aos poucos, dia após dia... é uma parte natural de mim, como meus pulmões e meu coração.

Pai, você sempre disse que eu não tenho as habilidades do Neymar — (quem tem??) — mas que meu verdadeiro talento é o meu desejo. Talvez esse seja o presente de Deus?

Sempre que saíamos para treinar, você dizia: “No momento em que você disser para parar, nós paramos”.

Bastava dizer uma palavra.

Eu poderia ter feito isso tantas vezes.

Como quando estávamos jogando naquele campo perto de casa e eu pisei num monte de bosta de cavalo. Nossa, que cheiro... Que piada.

Ou quando brincava com o rottweiler, que tinha o dobro do meu tamanho e sempre queria roubar minha bola. Era um monstro. Tão forte e tão rápido. Ele era como o Van Dijk! O primeiro zagueiro que enfrentei.

Ou quando uma gaveta pesada caiu e esmagou completamente meu dedo enquanto eu pegava minhas roupas para jogar. Sangue por todo lado. Você queria me levar para o hospital, e eu tive que implorar para me deixar sentar no banco. Pouco antes de você sair para fazer algumas coisas, você ordenou ao técnico que não me colocasse em campo... e quando você voltou, eu tinha enfaixado meu dedo e marcado três gols.

O que mais eu poderia fazer? Eu tinha que ajudar meus companheiros de equipe.

Mas a vez em que estive mais perto de parar foi quando jogamos no campo de terra onde morávamos no Jardim Aeroporto. Quando o time local se chama Narcotráfico, acho que conta a história de um lugar. Mas eu sempre adorei quando você reunia todas aquelas crianças para jogar.

Dois contra dois. Três contra três. Você como goleiro... e o árbitro.

Para você marcar uma falta nesses jogos, praticamente alguém tinha de ir pro hospital, certo? Espero que você entenda o quão difícil foi para mim, porque todas as outras crianças eram mais velhas e mais fortes, e eu era um garotinho correndo e driblando por todo lugar, e sempre que era atingido por uma cotovelada ou derrubado...

“BORA JOGAR!!!”

Você nunca apitava falta. E é claro que eu não quis dizer isso literalmente quando perguntei se você era cego. Mas quando você é criança e só quer marcar um gol, a injustiça que você sente é incrível. Meus joelhos estavam sangrando e machucados. Um dia, comecei a chorar, porque senti que o mundo estava contra mim.

Estêvão | Para o Meu Pai e Para a Minha Mãe | The Players’ Tribune
Sam Robles/The Players' Tribune

Aí, depois do jogo, tomávamos refrigerante no sol com os outros meninos. “Ei, Estêvão, sabe quando eu chutei seu joelho? Me desculpa...”

Eu poderia ter dito a palavra. Mas, no dia seguinte, estávamos de volta.

Mãe, eu entendo por que você perguntava ao papai sobre aqueles jogos quando chegávamos em casa. Acho que você estava preocupada que eles me destruíssem. E, pai, você sempre dizia: “Confie em mim, estou construindo o caráter dele para que um dia ele esteja pronto”.

Logo, as outras crianças não conseguiam nem me fazer falta. Quando eu tinha cinco anos, eu brincava com o rottweiler.

Aos sete anos, a escola me deixou jogar no time que era um ano mais velho.

Pai, o único erro que você cometeu foi quando eu era bem pequeno. Como você tinha sido goleiro nos campeonatos locais, eu queria ser goleiro também, e você me deu as luvas. E eu pensei: O que eu vou fazer com isso?

Encontrei uma bola e comecei a driblar, e você pegou as luvas de volta na hora. Graças a Deus. Imagina? Eu...? Goleiro?

Quer dizer, você se lembra de quanto tempo eu passei estudando o Neymar? Escola, treinos, assistindo ele no YouTube... essa era a minha vida.

“Neymar skills” “Chapéu do Neymar...”

Não tem uma única criança no Brasil que não tenha pesquisado essas palavras no YouTube.

Esses movimentos eram tão difíceis de copiar. Nunca vi ninguém usar um chapéu como o Neymar. Ainda não entendo como ele fez. Nem sei se ele entende.

Mas, pai, você sempre me incentivou a tentar. Se eu falhasse? Tente de novo.

Sorria.

E eu adorava isso, porque queria jogar com liberdade. Eu sempre ia em frente, mesmo quando todos me diziam para fazer o simples. Esse é o espírito do futebol brasileiro, e você sempre me disse isso.

Nunca fuja das suas raízes.

No momento em que perdemos a nossa alma, também perdemos o nosso caminho.

Estêvão | Para o Meu Pai e Para a Minha Mãe | The Players’ Tribune
Sam Robles/The Players' Tribune

Ainda estou convencido de que aqueles momentos nos ajudaram a sobreviver em Belo Horizonte. O segredo era que nunca parávamos de trabalhar. Depois do treino na academia, pegávamos uma bola e íamos até o campo perto da nossa casa alugada, onde todas as vacas e cavalos pastavam, e praticávamos qualquer habilidade que eu tivesse errado no treino.

Se eu tivesse perdido um gol com a minha perna direita? Treinos de chute.

Se eu tivesse errado um passe?

De volta aos fundamentos — perna direita, perna esquerda.

Treinávamos até o sol se pôr e não conseguíamos mais ver a bola. E então voltávamos para casa, exaustos, com as camisas cheias de terra. É como você me disse uma vez...

Muitas pessoas gostariam de trilhar o nosso caminho, mas não querem usar o sapato que a gente usa.

Apesar de, à medida que a gente fica mais velho, esses momentos pareçam os mais felizes, sabe?

Para outros, parecia trabalho. Para nós, era simplesmente diversão.

É engraçado... Quando estávamos na Go Cup, em Goiânia, eu nem percebi que tinha jogado o torneio da minha vida. Mas foi naquele momento que tudo o que tínhamos trabalhado tanto se concretizou.

Os chutes. Os passes. Os passes. Perna direita, perna esquerda. Eu nunca tinha jogado tão bem.

Estêvão | Para o Meu Pai e Para a Minha Mãe | The Players’ Tribune
Sam Robles/The Players' Tribune

E quase da noite para o dia, todos me notaram. Passei de “apenas mais um garoto” para um dos maiores talentos do Brasil na minha idade. O Cruzeiro até criou uma nova categoria de base para mim na Toca da Raposa, só para garantir que eu me desenvolvesse da melhor forma possível. Em poucos dias, toda a confiança que vocês depositaram em mim foi justificada.

Aí a Nike quis me patrocinar.

Eu tinha uns 10 anos, né? Você não me deixava entrar na internet com muita frequência, então eu só sabia da Nike porque eles patrocinavam o Neymar. Eu estava tentando entender a coisa toda.

Eu pensei: “Então... eles vão me dar chuteiras, as mesmas que o Neymar tem?” Você disse: “Correto”.

“De graça?”

“Sim”.

“E depois eles vão nos pagar para usá-las?

“Bem, sim, é assim que funciona um patrocínio.”

Acho que você estava tentando se fazer de descolado, mas todos nós sabíamos o que aquele acordo significava.

A gente tinha conseguido.

A gente podia pagar o aluguel.

A gente podia comprar uma pizza de verdade. Deus tinha ouvido nossas orações.



Não vou mentir... quando saí do Cruzeiro, senti alegria e tristeza.

Alegria por começar um novo capítulo no Palmeiras. Tristeza por deixar para trás tantas pessoas e memórias. Na verdade, eu estava muito ansioso, porque me perguntava se conseguiria recriar minha antiga forma no meu novo clube.

Como você sabe, eu estava lesionado quando cheguei lá. Foi horrível, porque ver outras pessoas treinando quando eu não posso me deixa nervoso.

A única saída foi confiar na disciplina que você me deu.

Estêvão | Para o Meu Pai e Para a Minha Mãe | The Players’ Tribune
Marco Galvão/Eurasia Sport Images/Getty Images

Eu digo às pessoas que meu pai é futebol e minha mãe é educação. Ambos exigem esforço e dedicação. Mãe, sou muito grato por você sempre ter visto o ser humano por trás do jogador de futebol. Quando você é criança, pensa que vai jogar para sempre, mas agora eu entendo por que você sempre quis que eu estudasse. Lembro de um jogo do Palmeiras na Libertadores em que marquei um golaço e, quando cheguei em casa tarde da noite... sinceramente, eu meio que esperava que você me desse um abraço apertado.

“Meu filho, que jogo incrível você fez!”

A reação que toda criança secretamente deseja.

Mas você disse: “Estêvão... você fez a lição de casa?”

Tinha acabado de fazer a alegria de milhões de palmeirenses, e você nem ligou. Eu deveria ter feito uma prova para escola, mas não tive tempo.

Você nem me deixou ir para a cama. Eu disse: “Mãe... estou exausto”.

Ai, ai. Aí você ficou brava comigo pra caramba.

Eu disse: “Tá bom, mãe! Tá bom! Eu vou fazer isso. Amanhã...”

Você não largava do meu pé nem quando eu estava dormindo. Lembra quando eu estava jogando aquele torneio na Indonésia? Eu tinha perdido uma prova para o meu curso online, e minha escola deve ter te mandado uma mensagem, porque você me ligou no meio da noite.

Eu fiquei tipo: “Tá bom, tá bom, eu vou fazer isso”.

Na época, eu simplesmente não entendi.

Hoje, eu sei que você fez isso por amor.

Essa mentalidade me ajudou muito na base do Palmeiras, porque eu sempre fazia o que tinha que fazer, mesmo quando não queria. Acho que eu estava no pátio da escola um dia quando um cara do clube me ligou para me parabenizar por ter sido convocado.

Eu fiquei tipo: “Pra quê?”

Ele disse: “Bem, o Sub-17”.

Achei que ele estava brincando, mas aí dei uma olhada na lista da seleção brasileira e meu nome estava lá. Saí correndo da escola como uma criança de desenho animado, e foi aí que liguei para vocês dois para contar a novidade. Eu nunca vi vocês chorarem tanto.

Estêvão | Para o Meu Pai e Para a Minha Mãe | The Players’ Tribune
Sam Robles/The Players’ Tribune

Naquela noite, fizemos uma oração especial para agradecer a Deus pelo que Ele nos deu.

Mas mesmo quando as coisas iam bem, você se certificava de que eu não relaxasse.

Como naquela vez, dois anos atrás, quando cheguei ao Brasil, e recebi uma ligação do João Paulo, chefe da base do Palmeiras. Eles queriam que eu subisse para o time principal terminasse o campeonato com eles e perguntou se eu queria me juntar a eles em dois dias ou no dia seguinte. Eu disse que iria para lá em dois dias.

E aí, pai, quando liguei para você para contar a novidade, você mal comemorou. Você disse: “Como assim, em dois dias?”

Eu disse: “Bem, é, acabei de desembarcar de um voo e estou um pouco cansado”.

Você disse: “Escute, você vai ligar de volta para ele e vai dizer que estará lá amanhã”.

Claro que liguei. O que mais havia para dizer?

Na verdade, fiquei um pouco assustado quando cheguei ao time principal. Eles eram casca grossa... Eu não sou tão grande assim! Felizmente, o grupo foi maravilhoso desde o primeiro dia. Sem vaidade ou arrogância. Em campo, eles jogavam duro, mas fora dele, são o grupo de profissionais mais gentil que você poderia conhecer.

Que bênção foi conhecer o Abel Ferreira. Pai, a gente conversou sobre isso... Foi ele quem realmente me tirou da minha zona de conforto. Ele me colocou na ponta. Ele me ensinou a pressionar e a defender.

Graças a ele, me tornei muito mais completo.

Todos nós esperávamos que a Seleção Brasileira principal me convocasse um dia... mas nada pode nos preparar para um momento como aquele. Nunca fiquei tão quieto em toda a minha vida. Esperando lá em casa com você no sofá branco, de mãos dadas... Aí disseram meu nome na TV, e pai, você me abraçou e nos abraçamos no sofá por uns cinco minutos. Choramos. Oramos. Tínhamos visualizado isso quando caminhávamos juntos para casa depois do campo, e então, de repente, um dia eu estava no alojamento e a camisa amarela estava bem ali na minha frente. Tão limpa. Tão brilhante.

Foi mágico. Me lembro de descer para almoçar e ver Vinicius Júnior, Rodrygo, caras que eu tinha visto na TV. Também encontrei Endrick, meu grande amigo do Palmeiras. Que alegria é jogar com esses caras.

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Andre Ricardo/Eurasia Sport Images/Getty Image

Mas tem um cara com quem eu quero jogar pelo Brasil: Neymar... Se Deus quiser.

A primeira vez que ele me mandou mensagem, quase chorei.

Minha maior referência no futebol sabe sobre mim.

E você lembra como fiquei triste quando perdi o pênalti contra o Corinthians? Pai, você costuma me dar uma análise completa do meu jogo, mas daquela vez não houve palavras. Você olhou para mim e percebeu que eu estava completamente destruído.

“Vem cá…”

Nos abraçamos com força.

E então eu desapareci no meu mundinho, só eu e meu celular. Eu nem queria olhar as notícias. Abri o Instagram, procurando algo para me animar.

Um meme engraçado. Um vídeo bobo. Qualquer coisa.

Aí eu chequei minha DM e vi.

. . . .

. . . . . . . . . . .

Neymar Jr.

. . . . . . . . . . .

. . . .

Outra mensagem direta do meu ídolo no futebol.

Ele realmente não precisava ter feito isso, mas sabia quanta pressão um garoto de 17 anos pode suportar no Brasil, e como os fãs e a mídia podem te chutar quando você está para baixo.

Ele me disse para manter a confiança e que eu vou perder muitos outros pênaltis na minha carreira. Faz parte do jogo. O que importa é como você reage.

Mãe, pai, nem sei se vocês percebem o que isso representou para mim.

Quando ele disse que eu seria o próximo gênio do Brasil, tive vontade de imprimir as palavras e pendurá-las na parede.

Então, jogar com o Neymar? Só posso dar o meu melhor, fazer a minha parte.

Estêvão | Para o Meu Pai e Para a Minha Mãe | The Players’ Tribune
Ricardo Moreira/Getty Images

Já disse muitas vezes que meu maior sonho é trazer a Copa do Mundo para o Brasil. Acho que essa transição para o futebol europeu me ajudará a crescer ainda mais como jogador, principalmente porque vamos para um dos maiores clubes do mundo.

Muitas pessoas me perguntam por que escolhemos o Chelsea, mas não entendem o quanto o Chelsea me queria e o quanto acreditam no meu potencial. Essas pessoas não sabem do projeto que nos apresentaram. Para um jogador jovem, essas coisas importam muito, e sei que tomamos a decisão certa de ir para Londres.

Até lá, quero apenas aproveitar esses últimos meses no Palmeiras.

Vocês sabem como será difícil para mim deixar a torcida do Palmeiras. A verdade é que mal sei o que dizer a eles. Desde o primeiro momento em que pisei em campo, eles me demonstraram tanto amor e carinho. Saber que fui capaz de retribuir a alegria deles... É uma sensação inestimável.

O Palmeiras sempre terá um lugar especial no meu coração.

Quando olho pra trás, também sou grato ao Cruzeiro por ter desempenhado um papel tão importante no meu desenvolvimento. Fico até feliz por ter sido amassado pelos grandões de Franca, porque eles me fortaleceram. Tudo acontece por um motivo, certo?

Mas mãe, pai... nada se compara ao que vocês me deram. Espero que agora percebam o quanto significaram para mim e o quanto são importantes na minha vida.

Estêvão | Para o Meu Pai e Para a Minha Mãe | The Players’ Tribune
Sam Robles/The Players’ Tribune

Mãe, obrigado por me ensinar que a vida é mais do que apenas futebol.

E pai, tenho muito orgulho do trabalho social que você está fazendo como pastor em Franca. Ao me ajudar a perseguir meu sonho, você realizou o seu e o de tantos outros.

Mas, de todos os presentes que vocês já me deram, tem um que, para mim, é o mais importante. Foi dez anos atrás, quando minha irmã, a Esther, nasceu. O melhor de todos os presentes de aniversário que eu poderia ganhar. Foi um presente de Deus. Vocês lembram de quando ela veio do hospital para casa, e eu fiquei olhando pra ela no banco de trás do carro?

Dá pra acreditar em tudo o que nossa família já viveu junto?

Mãe, pai, eu só gostaria de dizer, neste meu décimo oitavo ano de vida, antes de um novo capítulo começar... Vocês sempre serão meus dois maiores ídolos. Tudo o que eu conquistar, devo a vocês. 

Obrigado pela jornada até aqui. Vamos aproveitar esses últimos meses no Brasil juntos.

E pai, te vejo depois do treino amanhã. Eu levo a bola.

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