Carta Para Mim Mesmo Quando Jovem
Italo,
a situação é a seguinte: você não vai acreditar, mas sabe aquele papo de que pegar onda não tá com nada?
Sabe aquela desconfiança que as pessoas têm no olhar quando veem você se equilibrando em cima da prancha de isopor?
Sabe aqueles que dizem que surfe é coisa de vagabundo?
Então, cara, só lamento se você está levando tudo isso a sério. Sinto muito.
Porque quem fala isso tá muito errado, irmão.
Não importa se é gente da tua rua. Não importa se é gente da tua (nossa) família, que não te leva em consideração. Assim como não interessa que poucos amigos não te ajudam ou não te apoiam.
Na verdade, Italo, não pensa mal deles, não.
O lance é que eles não sabem o que vai acontecer contigo.
Na real, quase ninguém sabe.
Mas na tua idade, eu tenho certeza que você já acredita naquele que faz o impossível acontecer.
Então, Italo, é sobre isso que eu quero te falar.
Do impossível.
Eu sei que nesse teu começo as dificuldades são maiores até do que as ondas em Baía Formosa. Ou ainda, maior do que as ondas nos vídeos que você gosta de assistir na internet.
Você não tem prancha.
Teus pais não têm tanto dinheiro para te bancar como surfista.
Na cidade, não tem estrutura da prefeitura a favor do esporte.
Mesmo na tua família, você só pode contar com o apoio dos teus pais, do teu tio e, claro, da tua avó.
Mas a jornada é a seguinte…
Quando você, Italo, quer alguma coisa, não adianta: é melhor sair da frente que ninguém vai conseguir te parar.
Então, o que era uma brincadeira com uma prancha de isopor, ou uma tábua ensaboada nas ruas de paralelepípedo, vai, aos poucos, se transformar em uma parte inseparável do que você é.
O surfe se tornará sua identidade, o que te define.
Eu sei que isso já faz sentido pra você. Mas não espere que as outras pessoas te entendam. Pelo menos, não agora. Com o tempo, tudo vai se encaixar.
Primeiro, serão os campeonatos estaduais — com poucos recursos envolvidos.
Depois, os campeonatos nordestinos — aqui, a premiação é mais alta e tem as viagens para picos bem diferentes, como Noronha.
Em seguida, tem o Brasileiro Pro Júnior, quando as marcas já vão começar a prestar atenção em você.
E aí, Italo, quando você reparar, é hora do Mundial de Juniores.
Você vai curtir como nunca, pode crer, mas, sem querer te frustrar, ou dar algum spoiler… não fica muito chateado se o primeiro lugar não vier, tá?
Pô, cara, tô falando sério, você não pode desanimar, viu?
É uma coisa que o esporte vai te ensinar: a vitória não vai cair no teu colo, por mais bem intencionado que você esteja. Você tem que correr atrás.
E no meio disso tudo você vai encontrar o seu bem mais precioso. Não é um cordão. Não é uma pedra. Não é uma pulseira. É uma prancha, mas não uma qualquer: é uma prancha preta.
Seja qual for o lugar da disputa, na França, em Portugal ou nas praias do Havaí. Uma prancha preta estará sempre ao seu lado.
Mas o que para alguns será sorte, para você tem outro nome: trabalho.
Você, Italo, não depende de ninguém, a não ser de Deus.
Por isso, você sempre faz acontecer.
Então, quando os patrocinadores que tanto te apoiam forem te perguntar quando é que você vai ganhar um título, não tenha medo.
Deus está preparando algo que você sequer imagina.
Alguns anos depois, na etapa do Bells Beach, você vai bater de frente com uma das tuas referências, Mick Fanning, simplesmente o teu maior ídolo no esporte.
Como de costume, ninguém vai te dar moral ali, Italo. Você, no máximo, é o underdog. Todo o cenário está preparado para que o campeonato seja pro Fanning, uma despedida.
Se é armação?
Relaxa, cara. É esporte de alto rendimento. Não tem disso. E a prova máxima é que... você vai se sagrar campeão, aposentando a tua principal referência.
Tá ligado no tamanho disso?
Eu sei que não porque, para mim, a ficha não caiu.
Ser campeão muda a sua perspectiva no esporte. Você se tornará um destaque, superando as expectativas do público, da mídia e até de alguns patrocinadores.
Mas a vida de um atleta profissional não é feita somente de vitórias. Os altos e baixos acontecem e o que vai te diferenciar é a sua capacidade de errar rápido. Tipo, você toma um caldo e logo se levanta, tá pronto pra outra.
O ano de 2019 vai ser assim. Uma verdadeira montanha-russa (e isso não quer dizer apenas no esporte).
Você tem de estar preparado para estar longe quando... é até difícil dizer, mas nem sempre aqueles que mais te apoiaram na jornada poderão ver as suas conquistas. Infelizmente, alguns vão partir mais cedo.
Eu queria dizer aqui que você não vai sentir, mas a real é que vai, sim. Só que isso não pode te abalar, Italo. Por mais difícil que pareça, você vai utilizar a dor da perda como combustível. E isso vai te motivar a competir com mais intensidade, querendo dedicar as vitórias àqueles que se foram.
(Será que é Deus te provando? Será que Ele está te querendo mais forte?)
Não, não será fácil, mas tudo o que vale a pena tem um preço.
E você está disposto a isso para desfrutar ao máximo o surfe.
Na disputa com o Gabriel Medina pelo Mundial, você vai fazer o seu, sempre, sem se importar que as atenções não estejam voltadas para você.
Os altos e baixos acontecem e o que vai te diferenciar é a sua capacidade de errar rápido.
- Italo Ferreira
E, pensando bem, não tem como ser diferente. O cara é o favorito, buscando o tricampeonato. E você estará ali, atrás do primeiro título, no máximo uma promessa que começa a acontecer.
Para a surpresa de muita gente, BUM… Você arrebenta! Você faz a disputa que muitos considerarão a maior em muitos anos.
Ser campeão mundial te coloca num lugar de destaque que vai além da conquista.
Mostra o quanto você é capaz.
E a sensação é indescritível.
Uma coisa é ganhar o Circuito Mundial de Surfe, o que, para quem vem de Baía Formosa, é algo fora de série.
Outra coisa, muito maior, é conquistar uma medalha numa Olimpíada.
Na moral, Italo, não desacredita, não.
O bagulho é muito louco.
Eu sei que, na sua idade, o surfe não é modalidade olímpica. Ainda não é. Mas confia…
Será.
Agora, se você não quiser acreditar no que estou dizendo, tá tudo bem. Só te peço um favor.
Esteja preparado.
Porque, quando os Jogos Olímpicos de Tóquio começarem, vai ser uma parada insana, rápida demais.
(Tudo bem que antes tem uma pandemia no meio, mas disso não quero falar, não.)
Tô te falando com base na experiência do que eu vi e vivi.
Não dá tempo pra nada. Assim, num dia, você estará lá, tipo, vendo pela TV a Rayssa e o Kevin disputando uma medalha no Skate (sim, estou falando das Olimpíadas de Verão, não dos X-Games).
Dois dias depois, será a sua vez. Então, pra falar a verdade, não tem muito tempo para pensar ou treinar durante a Olimpíada.
Quando chegar a sua hora, peço que você desfrute, aproveite ao máximo aqueles momentos.
Disputar uma Olimpíada é o máximo que um atleta pode desejar. Posso te garantir que será a tua experiência mais marcante.
Um privilégio.
Agora, conquistar uma medalha? Medalha de ouro? A primeira do país na modalidade?
Sem falsa modéstia, não é para qualquer um.
E eu digo sem medo de que isso possa subir à tua cabeça, Italo. Eu tô dizendo porque, depois do ouro, vai acontecer uma parada muito curiosa, engraçada até.
Você vai andar com a medalha no bolso — e só vai se lembrar de tirar quando alguém te falar.
É, isso mesmo, teu jeito todo envergonhado não vai mudar.
Sim, a sua essência seguirá sendo a mesma.
Não é por mal, ou porque você não se importa com a vitória, é apenas mais um sinal de que o seu coração, a sua mente e a sua alma estão totalmente dedicados ao surfe. Então, mesmo nas Olimpíadas, você se concentrará de tal maneira que nem liga muito de não ficar na Vila Olímpica, com o restante da delegação brasileira.
Tem gente que vai só para competir.
Tem gente que vai só para curtir.
Você, não.
No Japão, de manhã bem cedinho, você vai acordar e pedir a Deus em oração. Você vai colocar o seu propósito nas mãos do Senhor. E, com fé, vai aguardar os resultados.
Não, não estou dizendo que você vai deixar de competir e levantar as mãos aos céus. Você sabe que é preciso muito mais. E exatamente por isso vai treinar forte, mas jamais vai abrir mão da ajuda poderosa de Deus.
Você vai andar com a medalha olímpica no bolso, e só vai se lembrar de tirar quando alguém te falar.
- Italo Ferreira
Dizem que mar calmo não faz bom surfista.
Mas a verdade é que você estará com o coração tranquilo nos Jogos de Tóquio. Sua paz interior não te fará sentir a pressão.
E no momento que sua prancha quebrar... você não vai se desesperar. Na verdade, vai ser o momento ideal para fazer uma troca.
E o mar vai ficar flat, Italo.
Será tudo perfeito nas Olimpíadas.
Quando este sonho se realizar, Italo, você, então, saberá que já estava escrito. Deus estava no comando de todas as coisas.
E assim você saberá...
Que não se esforçou à toa...
Que as horas em cima da prancha não fizeram de você um vagabundo...
Que você poderá ajudar, e muito, a sua família...
Que você, mais até que alguns de seus ídolos do futebol, será campeão mundial e olímpico — um feito para poucos em qualquer esporte.
E que você será o primeiro a representar o Brasil no Hall da Fama do Surfe.
O teu nome já está na História do esporte.
Italo, só Deus sabe que ninguém vai merecer mais do que você. Que essa conquista será tua. E que sua jornada servirá de exemplo não apenas para os atletas do surfe, mas para outras modalidades esportivas, para milhares de crianças, jovens e pessoas. Você vai construir um projeto social na sua cidade e até empresário você vai ser.
O que vai te fazer conquistar tantas medalhas, troféus e homenagens, Italo, não é a melhor prancha que o teu pai não vai poder te comprar, ou a estrutura que Baía Formosa, infelizmente, não conseguirá te dar, nem o apoio que alguns de seus amigos não vão te oferecer...
O que vai te trazer aonde estou é a fé num Deus do Impossível, Italo. Creia nisso.
Fique firme.
E segura a onda.