Os Momentos Que Nunca Vou Esquecer

Tottenham Hotspur FC via Getty Images

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Eu acredito em milagres. Estou falando sério. Toda vez que penso naquela noite de 2019 em Amsterdã, não encontro outra explicação. Cara, pense nisso: estamos em uma semifinal de Champions League, perdendo por 3 a 0 para o Ajax no placar agregado, com apenas 45 minutos para o fim...

...e eu vou marcar três gols em um tempo só?

Com o meu pé esquerdo?

E o gol da classificação sai nos acréscimos?

Cara, fala sério. Só pode ser piada. Ou um roteiro de filme malfeito.
 

Lucas Moura gol Tottenham Ajax
Dan Mullan/Getty Images

Eu não sei quantas vezes eu já assisti ao último gol. Tem 750 mil visualizações no canal do Tottenham no YouTube, e muito provavelmente 100 mil delas foram minhas.

Você deve ter visto a entrevista que dei ao Esporte Interativo depois do jogo. Eles me mostraram a narração do Jorge Iggor, e eu me emocionei demais. Eu ainda sinto vontade de chorar só de pensar naquele momento. Ele foi muito feliz na escolha das palavras e resumiu muito bem o que eu estava sentindo. O que realmente me levou às lágrimas foram as memórias que vieram à minha cabeça — a minha queda de bicicleta quando eu tinha cinco anos, machucando o tampão do dedo jogando bola na rua, quando eu empinava pipa do telhado do vizinho e soltava fogos na caixa de correios dele (Desculpa!!). 

Também me recordo dos seis meses mais difíceis da minha carreira, em Paris, quando deixei o meu futuro nas mãos de Deus.

Agora, em um jogo, a minha fé tinha sido recompensada mil vezes mais.

E foi quando eu percebi que todos esses momentos me levaram ao milagre de Amsterdã. Por isso, quero compartilhar com você aqui alguns deles e outro que aconteceu pouco depois daquela partida. Cada um deles faz parte do plano que Deus tem para mim.

Tire um deles e toda a história desmorona.

O JUIZ DA SUPREMA CORTE

Lucas Moura pai familia infancia
Cortesia de Lucas Moura

Quando eu era criança, os meus pais tiveram uma discussão sobre o meu futuro “profissional”. Coloquei entre aspas porque eu estava apenas começando. A minha mãe pensava que o meu pai estava muito preocupado com o futebol. Então, meu pai respirou fundo e levantou a voz para dizer algo que nunca vou esquecer. Foi como se ele tivesse se transformado em um Juiz da Suprema Corte.

“Acho que você ainda não se tocou que o nosso filho tem talento para se tornar um jogador de futebol.”

Ele realmente disse isso. Pega essa pressão hahaha.

Outro dia, ele me perguntou: “Filho, você tem certeza que esse é o caminho que você quer seguir?”.

Lembro que falei: “Pai, eu só sei jogar futebol, é o que eu amo”.

Eu tinha certeza. As pessoas me diziam que eu tinha algo especial. Além disso, eu sonhava jogar pela Seleção Brasileira, porque eu era fanático pelo Brasil! Eu tinha só cinco anos na final da Copa do Mundo de 1998 e, mesmo com a derrota por 3 a 0 para a França na final, eu saí correndo no meu bairro com uma bandeira na cabeça e gritando “BRASIL! BRASIL!”. Era um dia frio e as ruas estavam vazias, todo mundo já tinha entrado em casa.

Mas foi muito difícil, cara. Quando eu entrei para as categorias de base do São Paulo, aos 13 anos, eu chorei por uma semana de saudades dos meus pais. E quando eu fiz a minha estreia profissional, contra o Athletico Paranaense, fora de casa, eu estava muito ansioso. Eu sempre fui o menor pelas categorias que eu passei, então existia aquela preocupação de enfrentar os caras maiores. Mas, assim que entrei em campo, eu vi que não era nenhum bicho de sete cabeças, e aquele receio passou.

Depois do jogo, o meu pensamento era: Agora eu posso dizer que sou um jogador profissional. O meu pai era só alegria, ele pulava de felicidade.

Ficou provado que ele estava certo após todos aqueles anos. 

NEYMAR E O PRÍNCIPE

Lucas Moura Neymar selecao
Raul Sifuentes/LatinContent/Getty Images

Hahahaha. Olha pra nós. Eu ainda tinha bastante cabelo. E este é um troféu que significa muito pra mim. 

Fazia apenas cinco meses que eu tinha estreado pelo São Paulo, e agora eu estava jogando o Sul-Americano sub-20 pela Seleção e com o Neymar. O ambiente do grupo era espetacular. E o talento? Cara, era surreal.

O Neymar já era incrível de ver. Algumas pessoas nos comparavam, o que era uma grande honra para mim. Ele é uma pessoa sensacional e com um coração gigante. Uma das maiores estrelas no mundo, mas, se você for jantar na casa dele, ele vai te tratar como um príncipe. 

No campo, ele tem muita coragem. Nenhum drible errado ou chance desperdiçada vai intimidá-lo. Ele pega a bola e vai tentar de novo, como se nada tivesse acontecido, sabe? Admiro muito a irreverência e a determinação que ele tem com a bola nos pés.

MUITO OBRIGADO, ROGÉRIO

Lucas Moura Rogerio Ceni Sao Paulo
Nelson Almeida/AFP via Getty Images

Quando eu fechei com o PSG, eu estava obcecado em ser campeão... pelo São Paulo.

Tudo começou na metade de 2012, quando fiquei perto de assinar com o Manchester United. O representante deles foi na minha casa me mostrar o projeto do clube, e era algo muito atraente. Mas no último momento o Leonardo me ligou e me convenceu a ir para o PSG. Eles tinham um monte de brasileiros, como Thiago Silva, Alex, Maxwell e o Thiago Motta.

Alguns anos antes disso, eu tinha ido a Manchester e lembrava que a cidade era muito fria. Então vamos dizer que, para um brasileiro, Paris era o melhor destino.

Mas naquele momento eu não me sentia pronto para sair do São Paulo. De jeito nenhum, cara. Você precisa entender o quanto esse clube é importante para mim. Fico arrepiado só de pensar nisso. Basicamente, eu fui criado dentro das categorias de base. Fiz amigos que considero meus irmãos. Ainda fico acordado até tarde na Inglaterra para ver o São Paulo jogar. É o clube do meu coração, é o clube da minha vida. Levo comigo aonde vou.

Naquela época, eu ainda não tinha sido campeão com o elenco profissional.

Então falei para o PSG que viajaria para a França no fim de 2012. Eu precisava de mais cinco meses para conquistar um título. Claro que a recompensa financeira para o clube era importante, mas o quanto o torcedor se importa com melhorias no centro de treinamento que poderiam ser feitas com o dinheiro da minha negociação? O que eles realmente querem ver são títulos, né?

Nos meses seguintes, eu comecei a reparar ainda mais nas fotos dos times campeões que ficam espalhadas pelo CT. Eu estava disposto a fazer de tudo para também merecer o meu espaço nas paredes. Falando sério, eu pensei: Se precisar rasgar o contrato com o PSG para conquistar alguma coisa aqui, eu vou rasgar.

Quando chegamos à final da Copa Sul-Americana daquele ano, eu sabia que era a minha última chance. Jogamos para quase 70 mil pessoas, Morumbi lotado. Antes do jogo, eu pensei em todos os momentos que vivi no São Paulo, os gols que tinha marcado e as amizades que havia construído. Agradeci a Deus por tantas lembranças.

E a final foi uma benção. Cara, um gol, uma assistência e vitória por 2 a 0. Foi muito melhor do que eu poderia imaginar.

Preciso agradecer ao Rogério Ceni. Ele é o maior ídolo da história do São Paulo e aquele troféu era pra ele ter levantado. Mas a quem ele deu a honra? Para quem ele cedeu a faixa de capitão?

Para o garoto que estava se despedindo. 

Isso é grandeza de verdade.

O TROFÉU DO POVO

Lucas Moura Brasil Copa das Confederações
Jasper Juinen/Getty Images

Lembro bem as questões políticas que existiam durante aquela Copa das Confederações no Brasil. Estávamos a um ano da Copa do Mundo e aconteceram muitos protestos nas ruas. Ah, também me lembro da forma que cantamos o hino nacional. Todo o estádio, cara! Até mesmo quando a música acabava, a torcida continuava até o fim da segunda parte. Não tinha muito o que o árbitro fazer — como silenciar um Maracanã cheio?

Vencer a Espanha por 3 a 0 na final foi inesquecível. Aquele título é de todos os brasileiros que foram aos jogos.

Quando você ouve o seu povo cantar o hino do seu país daquele jeito, qual a chance de não ser campeão? 

APRENDENDO COM O BECKHAM

Lucas Moura Beckham PSG
John Berry/Getty Images

Beckham! Mano, que cara top. Esta foto é da despedida dele, que foi muito emocionante. Sentirei orgulho de contar aos meus netos que joguei ao lado de David Beckham.

Tomei um susto a primeira vez que encontrei com ele e com o Ibra. Esses caras são astros mundiais e você meio que espera que eles se comportem desse jeito, né? Você talvez pense que eles são arrogantes, se sentindo donos do lugar. Eles até poderiam ser assim, porque eles são muito bons. Mas depois você percebe que eles são muito dedicados e humildes.

Acredite se quiser, o Beckham é tímido. Ele mal falava no vestiário. Chegava quieto, na dele, sentava no canto e trabalhava muito. Sem extravagância alguma. Isso me marcou demais, porque, como eu era muito novo, foi um ensinamento de como se comportar.

Se até o Beckham é humilde desse jeito, quem sou para agir diferente? 

Nós nos tornamos bons amigos. Ele sempre me zoava porque eu dormia muito nas viagens. Eu brincava sobre ele comer muito. Ele adorava os pãezinhos da França — e com toda razão, são deliciosos! Eu ainda não sei como ele é tão magro.

O ANJINHO E O DIABINHO

Lucas Moura Tottenham Deus
Adrian Dennis/AFP via Getty Images

A minha vida mudou completamente em Paris, e eu não estou falando sobre futebol.

Não foi fácil me mudar pra lá tão jovem. A cultura, o clima, tudo era diferente. Eu sentia uma enorme pressão para dar resultado. Enfrentei algumas lesões e comecei a sentir muitas saudades do Brasil. Vir pra cá foi a decisão certa?

Então eu fui apresentado ao pastor Rafael. Começamos a falar sobre Deus.

Já tinha tido muitas chances de me aproximar de Deus quando estava no Brasil, mas eu nunca tinha me interessado. O que mudou em Paris foi que as pessoas me apresentaram para Ele de um jeito diferente. Passei a estudar a Bíblia, e o Rafael me convidou para reuniões na casa dele. O zagueiro Alex também. Aprendi muito, mudei de atitude e me converti.

Conheci também uma mulher muito especial, a Larissa, e nos casamos em 2016. O Rafael conduziu a cerimônia. 

A minha vida passou a ter um significado diferente desde então. O interessante é que, quando eu me mudei para Paris, parecia que eu tinha tudo — clube grande, dinheiro, fama —, mas eu sentia um vazio enorme dentro de mim e estava com saudade do meu país. Imagino que outras pessoas também já tenham pensado algo assim. Poxa, eu tenho tudo, por que não sou feliz? A verdade é que apenas Deus pode preencher esse vazio.

O sermão sobre o homem que constrói a casa sobre a pedra e o outro que constrói a casa sobre a areia também me marcou. Assim que entendi o significado daquela história, deixei Deus guiar as minhas decisões. É como aparece nos desenhos, o anjinho de um lado da sua orelha e o diabinho do outro, os dois querendo ser ouvidos. Se você se aproximar de Deus, você vai escutar o anjinho.

É por isso que Paris é uma cidade inesquecível para mim. Fui campeão muitas vezes, mas me aproximar mais de Deus valeu mais do que todos os meus títulos juntos.

ADIEU, PARIS

Lucas Moura PSG
Jean Catuffe/Getty Images

Sem dúvida alguma, os últimos seis meses no PSG foram os mais difíceis da minha carreira. Eu tinha marcado 19 gols na temporada anterior. Então, chegaram Neymar e Mbappé. Eu pensava que poderia jogar com eles, mas eu não estava nem sendo relacionado para os jogos. Conversei com Deus e disse: “Vou continuar lutando aqui por mais seis meses. Se nada mudar, vou embora”.

Ainda bem que o meu filho Miguel nasceu em novembro daquele ano. Quando você chega em casa e pega o seu filho no colo, a quantidade de partidas que você começou no banco de reservas parece irrelevante.

Quando o Tottenham fez o contato em janeiro, fui visitar o centro de treinamento. Londres é outra cidade maravilhosa, e a Premier League é a melhor liga do mundo. Quando Deus abriu essa porta para mim, não pensei duas vezes.

APENAS CHUTE

Lucas Moura Tottenham Ajax Champions League
Dan Mullan/Getty Images

Para as quartas de final, o Júlio César era um dos que estavam no sorteio das bolinhas. Quando ele pegou a do Manchester City para nos enfrentar, eu mandei mensagem pra ele. “Caramba! Você é fogo, hein? Nem para nos ajudar”.

A reação dele foi: “Fique tranquilo, vocês vão passar”.

Depois que eliminamos o City, eu tinha convicção de que chegaríamos à final. Mas o Ajax era a sensação do torneio, e nós perdemos em casa por 1 a 0. Mesmo assim, depois do jogo eu fui até a nossa torcida e gritei: “Vamos! Acreditem! Acreditem!”.

Fomos para Amsterdã e já estava 2 a 0 no intervalo. Hahaha.

Cara... 3 a 0 no agregado. Acabou. Fim. 

Não sei por que, mas continuei acreditando que era possível virar. O Pochettino tinha dito: “Um gol, galera. Um gol e nós voltamos para o jogo”.

Fomos pra cima no segundo tempo. Não sei como, mas fiz dois gols em cinco minutos. E aí passei a pensar: Agora vamos nos classificar!! Não tem jeito!!!

Mas os minutos passavam, e a bola não entrava. O Ajax acertou a trave. O Hugo fez uma belíssima defesa, e a torcida deles pedia o fim da partida. Nos minutos finais eu só pensava em ficar perto da área, porque a bola sobraria pra mim de algum jeito. Não sei se o Dele me viu, mas, de repente, a bola estava na minha frente e, cara, eu juro que eu só pensava uma coisa. Vou chutar, não importa como.

Vou chutar, não importa se eu chutar grama ou o pé do adversário. Eu só chutei.

A bola ainda deu uma resvaladinha no pé do zagueiro e entrou.

Não sei nem mais o que dizer.

Com certeza, você não consegue pensar claramente em um momento como esse. É uma explosão de emoções dentro de você difícil de controlar. Eu não sabia como comemorar. Quando acabou o jogo, me joguei no gramado e comecei a chorar. Agradeci a Deus. Senti muita gratidão pelo presente gigante que ele me mandou. Todos vieram me abraçar. Inexplicável, cara. Sério, não sei como aconteceu. Pergunte a Ele.

No vestiário, tinha garrafa voando para todos os lados, o chão estava ensopado, os meus companheiros pulando e batendo nas mesas. No ônibus, liguei para a minha esposa, que estava grávida do Pedrinho, o nosso segundo filho. Ela estava chorando. Também falei com a minha família no Brasil, com todo mundo vestido com a camisa do Tottenham, chorando e comemorando.

Não tinha como dormir depois de uma noite como aquela. Também foi inevitável não pensar naqueles seis meses que sofri no PSG. Foi então que um anjinho falou no meu ouvido: “Viu só? Esse tempo todo Ele tinha um plano”.

A FINAL FEIA

Lucas Moura Champions League
Getty Images

Fiquei sabendo pouco antes de sair do hotel para o estádio. Ficar no banco na final da Champions League foi um enorme banho de água fria. Mas eu não queria atrapalhar o nosso ambiente, então fiquei quieto. Além disso, eu sabia que entraria em algum momento. Afinal, eu tinha acabado de marcar um hat-trick, né?

Finais são difíceis, cara. Muitas vezes acabam sendo feias. O Liverpool tinha um excelente time, não vamos nos esquecer disso. O jogo foi decepcionante, mas o que eu posso fazer?

Futebol... Certo? Futebol.

Quando encontro com torcedores do Tottenham nas ruas, eles falam sobre a partida contra o Ajax e depois sempre vem: “Você deveria ter sido titular na final”. Mas sou grato por ter disputado uma decisão de um torneio tão desejado. Muitos jogadores nem mesmo têm a oportunidade de jogar a Champions League. Então, é uma medalha muito especial para mim e que guardo com muito orgulho.

SORTE A MINHA

Ao pensar sobre esses momentos, percebo a sorte que tenho. Mesmo quando não venci, dei o meu máximo, e isso me ajudou a aceitar certas derrotas. Se eu chegar ao final da minha carreira e entender que me dediquei ao máximo, ficarei feliz.

Qual é o meu próximo passo? Jogar pela Seleção é sempre um objetivo. Gostaria muito de poder disputar uma Copa do Mundo. 

E também sonho em ser campeão pelo Tottenham.

Espero que seja o meu próximo grande momento.

Mas faz muito tempo que percebi que isso não depende só de mim. Pode ter certeza que farei a minha parte, que é orar, trabalhar muito e jogar o melhor que eu conseguir.

O resto, eu acredito, é com Ele.

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