Corinthians, Minha História

Rodrigo Corsi/Ag. Paulistão

Sabe o que significa nascer no Parque Novo Mundo, em São Paulo? 

Significa que todos os dias da sua vida você vai olhar para o outro lado da Marginal Tietê, para além do rio e daquele montão de pistas que separam uma margem da outra, e vai ver o Parque São Jorge.

Foi assim na minha vida.

Quando eu tinha uns 11 anos, jogando um campeonato pelo Relâmpago, uma escolinha lá de São Miguel, surgiu uma história de que o Corinthians estava interessado em mim.

Eu era muito menino, mas foram dias de expectativa, angústia mesmo, em que a Fazendinha, ao alcance da minha vista, parecia crescer um pouco mais toda manhã.

O tempo passou, passou, e nada aconteceu. Acabei fazendo a base na Portuguesa.

Por isso, em 2010, quando, já na terceira rodada do Paulistão, começou o papo de que o Corinthians ia me levar do Bragantino, eu decidi ficar na minha.

Aliás, tudo que eu tinha vivido naqueles anos me dizia para eu ter tranquilidade. 

Todo mundo sabe dessa história. Entre 2006 e 2007 eu joguei na Lituânia e na Polônia e voltei decidido a largar o futebol. Nem quero falar disso, mas andar na rua e ver as pessoas imitando macaco para você é algo que destrói os sonhos de qualquer um.

Paulinho infancia Corinthians Players Tribune
Cortesia de Paulinho

Eu quase desisti do futebol por isso. Então, dá pra dizer que, aos 21 anos, eu já estava maduro o suficiente para saber que, faltando 17 rodadas para o final do campeonato, eu precisava ter a cabeça no lugar. 

O Marcelo Veiga, e eu não posso falar nele sem me emocionar, um grande cara que perdemos para a Covid, foi quem me ajudou nessa retomada da carreira. Ele era treinador do Bragantino e segurou minha ansiedade. 

Todo mundo sempre falou das explosões do Veiga, seu jeitão meio maluco, mas eu lembro dele com todo o carinho. Ele acolheu minha expectativa e me deu paz para continuar jogando. Acho que foi só por isso que tudo aconteceu como aconteceu. 

Foi só porque continuei focado, fazendo meu trabalho, que no final do Paulistão o Corinthians mandou uma proposta.

Numa palavra? Respeito. 

Respeito é o que não haviam tido por mim lá fora. Respeito é o que eu tive pelo Bragantino e o que o professor Veiga teve por mim. Respeito é o que ia me fazer, pouco menos de dois anos depois, marcar o gol mais importante da minha carreira, escalar um alambrado e mudar minha vida para sempre.



Com toda sinceridade… Olhando pra trás, dá pra dizer que não dava para o Chelsea.

Eu lembro bem do jogo contra o Al-Ahly. Foi quando a gente teve a noção exata da invasão corinthiana em Yokohama. Foi uma coisa incomparável, um negócio de arrepiar. O estádio inteiro de preto e branco. 

Já na semifinal, então, a gente corria por todos aqueles torcedores. Pelo torcedor que foi até o aeroporto se despedir de nós. Pelo torcedor que não tinha o que almoçar, mas que, mesmo assim, foi para o Japão e ficou na base do miojo todos os dias. Pelo torcedor que deixou de casar, pelo torcedor que vendeu carro.

Depois de jogar na Europa, de ver todas as cifras que o futebol tem movimentado, eu só valorizo ainda mais o que fizemos ali. Até hoje somos o último time brasileiro que desbancou um europeu no Mundial. Como é que o professor fala? 

Merecimento. 

A invasão corinthiana no Japão foi uma coisa incomparável, um negócio de arrepiar.

Paulinho

É claro que a gente merecia estar lá, que merecia ganhar. Mas a única certeza que tínhamos antes do jogo começar é que ia ter entrega, nunca apatia.

E foi assim.

Toquei de letra para o Jorge Henrique, que me devolveu de cabeça. Eu puxei para dentro da área, de frente pro gol, defesa do Chelsea desorganizada, tava pronto pra chutar, mas a bola escapou um pouco…

Aí começou a tortura.

Eu vi o Danilo chegando pra finalizar, dei um passo para trás, esperando que ele ia meter o pé, mas… Pera! O que o Danilão tá fazendo? Ele resolveu dar um corte com toda tranquilidade do mundo, como se a gente estivesse ganhando ou aquilo fosse um amistoso.

Só um cara como ele pra fazer aquilo.

Nesse momento eu não podia fazer mais nada. Prendi a respiração. Só assisti e torci: “chuta, chuta, chuta!”. E o Danilão finalmente chutou! 

A bola bateu no zagueiro, subiu, e foi caindo em direção ao Guerrero. Quando ele pulou para cabecear, eu cabeceei o ar junto.

Campeões mundiais. O resto é história.



Na minha primeira lesão contra o Fortaleza, em 2022, e quando eu digo primeira lesão, eu quero dizer primeira mesmo — primeira da vida —, eu fiquei dez dias sem sair de casa. Não queria saber de nada, nem de ninguém.

Pela segunda vez na carreira, eu tinha decidido que iria desistir do futebol. Mas foi justamente porque não botei o pé na rua durante aqueles dez dias que mudei de ideia. Olhando meus filhos, eu entendi que não podia parar. Afinal, qual mensagem eu estaria passando para eles?

Paulinho The Players Tribune carta Corinthians
Wagner Meier/Getty Images

Refleti sobre muita coisa durante a recuperação. De repente, eu não era mais o cara que poderia fazer a diferença em campo, mas que podia, isso sim, ajudar nos bastidores, usar minha experiência a favor do clube, dos meus colegas.

Foram quase dez anos fora do Brasil. Passei pelo Tottenham, Guangzhou Evergrande, Barcelona e Al-Ahli, até voltar. Durante todo esse tempo, eu escutei minha mãe dizer: “Quando é que você vai voltar para o Corinthians?”.

É claro que, por ter sido criado em uma família corinthiana e ter conquistado muita coisa aqui, eu tinha o sonho de retornar, mas faltava saber se o clube ainda ia acreditar em mim. E o Corinthians acreditou… e continua acreditando. Durante toda a minha recuperação, diretoria, jogadores, funcionários e torcida sempre estiveram do meu lado. 

Por tudo isso, eu nunca poderia ter desistido. Nove meses depois, eu consegui voltar a jogar. 

Contra o Santo André, no Paulistão, eu entendi que todos os esforços e sacrifícios para me recuperar valeram a pena. O Fagner cruzou na área, e eu peguei de chapa para virar o jogo. Sentir novamente o carinho da nossa torcida me curou a alma.

Paulinho Arena Corinthians gol
Rodrigo Coca/Ag. Corinthians

Foi difícil engrenar, mas eu comecei a pegar ritmo. Até que, contra o Argentino Juniors, primeira fase da Libertadores, eu ouvi um estalo no joelho. 

Nem tentei levantar do gramado, porque sabia exatamente o que tinha acontecido.

Não é possível, mano! Outra vez??

Nesta segunda lesão, não pensei em desistir do futebol, mas descobri muita coisa sobre mim mesmo. A principal foi que, ao escolher ser jogador, eu também escolhi ser ausente. Ausente com os amigos, com os filhos, com a família e até com os cachorros! Nunca tinha me dado conta disso.

Pensei que a lesão estava ali e que eu precisava me recuperar, mas, enquanto isso, decidi correr atrás do tempo perdido. Por que deixar para depois se você pode fazer a diferença agora? Pela primeira vez na vida, tenho tempo para passear com meus cachorros, levar meus filhos na escola, ajudar minha esposa.

É claro. Todos os dias eu sinto saudades de jogar, de entrar na Arena lotada, mas estou mais calmo agora. Tenho certeza. Vou voltar. Recuperado como atleta e mais forte como filho, marido, pai, ser humano.



O que eu penso quando penso no Corinthians? 

Vasco da Gama.

Alex bateu a falta, cruzamento pra área, Fernando Prass saiu socando a bola que foi correr até os pés do Alessandro, último homem do Corinthians depois do Cássio. Ele tenta levantar de novo pra área, mas acaba chutando em cima do Diego Souza, que fica com o campo completamente aberto.

Uma arrancada de uns 90 metros, começou antes do meio do campo, deve ter durado menos de 10 segundos. Mas, para quem estava ali dentro, foi uma corrida tão longa que deu pra pensar em tudo o que tinha acontecido até chegarmos às quartas de final.

Pensei no Ralf. Estreia daquela Libertadores, 48 do segundo tempo, último lance do jogo, 1 a 0 para o Deportivo Táchira, o Alex cruza a bola pra área, o Ralf sobe livre para empatar de cabeça — pra mim, o gol mais importante da nossa campanha, porque mostrou o que seria o Corinthians naquele campeonato.

Pensei no começo de 2011. Eliminação para o Tolima. Muita gente pedindo a cabeça do professor Tite, os jogadores questionados… Mas o Corinthians se manteve firme ao nosso lado. Meses depois, terminamos o ano como campeões brasileiros.

O Diego Souza continuava correndo, cada vez mais perto do Cássio, então, do outro lado do campo, ainda pensei que em 2009 eu estava jogando a quarta divisão paulista pelo Pão de Açúcar, que em 2010 fui para o Corinthians disputar vaga com Elias, Marcelo Mattos, Boquita, e, que, no final de 2011, recusei uma proposta da Inter de Milão.

Ninguém escala aquele alambrado do Pacaembu, ninguém abraça um time e uma torcida de 113 anos, se não tiver respeito.

Paulinho

Pensei no professor Tite, nas palavras que ele me disse naquela ocasião: “Paulo, como treinador, digo a você que tu é peça fundamental aqui no Corinthians, mas, como pai, digo que é uma proposta muito tentadora, pode ser uma oportunidade única. É tua a decisão, de mais ninguém”.

Foi quando a Fiel explodiu no Pacaembu. O Cássio, o gigante, fechou o ângulo, se esticou inteiro, e defendeu com a pontinha dos dedos a bola do Diego Souza. Depois daquilo eu sabia: aquela Libertadores era nossa.

Aos 42 do segundo tempo, o jogo 0 a 0, Alex bate o escanteio, eu subo e acerto a cabeçada no cantinho.

Tentei tirar a camiseta e não consegui, tentei gritar, grito não saiu, fui rodeado pelos companheiros, mas não consegui comemorar com eles. A única coisa que deu certo foi escalar aquele alambrado. Lá em cima, enfim, eu consegui gritar. 

Foi quando apareceu aquele torcedor, o Lucas, e me abraçou. 

Ali eu abracei ele, mas também o menino que eu fui um dia. O menino que cresceu no Parque Novo Mundo, do outro lado da Marginal, e que conhecia bem a sensação de estar, ao mesmo tempo, perto e longe do Corinthians. 

Gol Paulinho Vasco Corinthians Libertadores 2012
Helio Suenaga/Getty Images

Esse menino abraçou a Fiel inteira. E quer saber? Não basta qualidade técnica, dedicação ou sorte. Ninguém escala aquele alambrado, ninguém abraça um time e uma torcida de 113 anos, se não tiver respeito.

Respeito pela instituição, por sempre ter ficado do meu lado nos momentos mais difíceis.

Respeito pelo torcedor que vendeu um carro e pelo outro que faltou no próprio casamento para ir ao Japão. 

Respeito por esse bando de loucos capaz de atravessar o país inteiro — ou o mundo, se precisar — para nos apoiar.

Respeito na vida pessoal, tentando melhorar a cada dia: ser um pai e um marido melhor, pra ser, assim, um atleta melhor. 

Respeito pelas minhas lesões, pelo tempo de cada recuperação e pela minha vontade de continuar jogando.

Respeito por essa camisa que visto com muito orgulho e que me proporcionou as maiores alegrias que um jogador poderia sonhar.

Respeito pelo reconhecimento, por quem me reconhece como o “Paulinho do Corinthians”, e por saber que hoje, mesmo enfrentando mais uma batalha para poder voltar a jogar, eu encontro forças ao pensar em um lema da nossa torcida que resume perfeitamente o que esse clube significa para mim.

Corinthians, minha vida.
Corinthians, minha história.
Corinthians, meu amor.

Autografo Paulinho Corinthians assinatura

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