A Grande Aposta

Alexandre Schneider/Getty Images

Logo que comecei a jogar bola, meu pai, que adorava uma resenha no futebol de várzea, tinha o costume de apostar comigo. 

“Cinco reais para cada gol que você marcar.”

Não tenho muita certeza, mas acho que ele falava isso porque sabia que eu gostava de atacar, ainda quando jogava como volante na escolinha — e tinha um treinador que não me deixava subir.

Aos poucos, porém, fui me movendo para a frente. Primeiro, joguei como meia. Depois, me tornei atacante. 

Mudanças como essa dizem muito do que eu sou e do que eu vivi como jogador de futebol. Minha história nesse esporte não é tão longa, mas posso dizer que já vi de perto mais do que poderia imaginar nesses 17 anos de vida.

Há um ano, eu estava assistindo à final da Libertadores no sofá da minha casa com meu pai. Daqui a pouco, vou entrar em campo para enfrentar o Flamengo, jogar contra os caras que eu vi pela TV.

É a realização de um sonho, que até eu mesmo duvidava que poderia se concretizar.



Ser atleta profissional é diferente do que a gente imagina quando criança. Falo por mim mesmo. Eu gostava de me divertir jogando bola. Morava em frente a um campo e era o que eu mais queria fazer. Quer dizer, se não estivesse pedalando, eu estava no campo.

Eram os primeiros passos e eu já buscava me destacar, mas o treinador só deixava ir pra frente, fazer as minhas jogadas de ataque, quando o resultado estava garantido.

“Se tiver 4 a 0, você pode subir. Do contrário, fica na posição.”

Foi outro treinador, assim que eu fui aprovado numa peneira do América-MG, em 2014, que me deslocou para o meio-campo, depois para centroavante… E aí eu comecei a fazer um gol atrás do outro.

(Já estava quase falindo o meu pai, coitado… Hahaha!)

Ali eu percebi as coisas mudarem. Dessa época, quando saí de Coronel Fabriciano para morar em Belo Horizonte, eu aprendi que jogar futebol pra valer exige dedicação e, acima de tudo, respeito pelos times que participam dos torneios e pelos adversários. Comigo sempre foi assim, o que não me impedia de marcar uns gols nos rivais e nos clássicos, mas isso é outra história.

Como eu dizia, o meu começo envolveu uma mudança muito grande para a minha família também. 

Vitor Roque base America-MG
Cortesia de Vitor Roque

Minha mãe, que era costureira, e minha irmã se mudaram comigo para BH. E meu pai? Bom, meu pai a princípio ficou lá em Fabriciano, porque ele se aposentaria em pouco tempo.

Deus abençoou para que eu não sentisse tanta saudade do meu pai e para que a nossa adaptação em Belo Horizonte não fosse tão difícil. 

Era real: estava dando certo.

Minhas atuações nas categorias de base chamaram a atenção de outro grande clube em Minas, o Cruzeiro.

O ano era 2019 e veio a minha transferência.

Nas temporadas anteriores, o Cruzeiro havia se consagrado campeão mineiro e bicampeão da Copa do Brasil. Eu tinha 14 anos de idade e já era uma promessa. Nada poderia me parar.

Só que, infelizmente, no ano em que cheguei, o Cruzeiro foi rebaixado. Eu permaneci na base do clube, mas em uma realidade totalmente diferente da que eu imaginava.

Foi o momento em que descobri que, mesmo vivendo os nossos sonhos, podemos enfrentar dificuldades.

A pressão aumentava, dava pra sentir no ar. Naquele instante, o meu grande objetivo era subir para o time principal.

O clube passava por reformulação e eu buscava o meu lugar. E ninguém te prepara pra isso. Nem a escolinha de futebol. Nem mesmo os pais da gente.

Então, quando passei a treinar com os profissionais sob o comando do professor Vanderlei Luxemburgo, depois de marcar 19 gols pelo time sub-17, senti que alguma novidade poderia acontecer.

Uma semana depois, fui relacionado para fazer parte do grupo que enfrentaria o Coritiba pela Série B.

Foi a primeira vez, e eu me lembro das palavras do grupo, dos jogadores mais experientes e da comissão técnica. Para eu fazer o que estava acostumado. Que eles confiavam em mim. Hoje, vendo de longe, sei que eles queriam me proteger. 

Lembro que estava um frio danado em Curitiba (coincidência?!) e foi emocionante acompanhar a preleção, ainda que não tenha entrado em campo nesse dia.

A minha estreia mesmo foi no Independência, num jogo contra o Botafogo. E foi... uma experiência diferente de tudo o que eu tinha projetado.

Pensei que entraria em campo e a mágica aconteceria com naturalidade, com a bola chegando nos meus pés e eu executando o que tinha treinado durante a semana. Ou quem sabe até marcando meu primeiro gol como profissional.

Só que não foi assim.

A minha estreia no profissional foi uma experiência diferente de tudo o que eu tinha projetado.

Vitor Roque

Acho que as pessoas se lembram, e eu mesmo ainda não esqueci.

No começo do segundo tempo, eu entrei em campo. E depois de 18 minutos, não veio o gol, não teve nenhuma assistência, nenhum drible. 

Na verdade, 18 minutos depois, eu fui substituído. 

Os meus companheiros de clube me apoiaram. A comissão técnica me disse para seguir no mesmo caminho, inclusive o Luxa me recebeu com palavras de incentivo quando cheguei no vestiário.

Mas o meu sentimento era outro, de frustração.

Como estava começando, eu ficava muito em rede social querendo saber a reação dos torcedores e aquilo, de alguma maneira, me contaminava.

“Ah, só jogou 18 minutos.”

“Esse moleque aí não serve.”

“Não vai vingar.”

Nessa época, sempre que chegava em casa depois dos treinos, eu só chorava. Eram muitas críticas e eu achei que não seria capaz de dar a volta por cima.



A parte boa desse momento que eu vivi tem muito de uma música que diz: “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem cedo”.

E para mim veio depressa, graças a Deus e à ajuda de algumas pessoas.

Já falei do grupo do Cruzeiro, mas as palavras de um jogador em especial foram decisivas para mim.

O nome do craque? Você conhece, tenho certeza.

Rafael Sóbis.

“Guri, na base quem corre é o jogador. No profissional, quem corre é a bola.”

Nunca mais esqueci disso, Sóbis.

Vitor Roque Rafael Sobis
Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Além de ouvir meus companheiros de clube, deixei rede social de lado e passei a me dedicar de forma redobrada nos treinos. Chegar cedo, sair tarde. Essa era a minha rotina de trabalho.

E os resultados dessa entrega não demoraram a aparecer. 

A sensação do primeiro gol pelo profissional, num jogo contra o Villa Nova, foi inesquecível. Era o sinal de que as mudanças seriam pra valer.

Meu futebol foi reconhecido e passei a me destacar como nunca tinha acontecido antes.

Foi então que um Furacão transformou a minha vida. 



Sempre tive o sonho de disputar uma Libertadores. Desde pequeno, era a competição que eu mais gostava de assistir ao lado do meu pai. Para quem joga futebol, é um lugar aonde todos querem chegar. Comigo não foi diferente. O que eu não sabia é que seria tão rápido.

Quando me mudei para Curitiba, a situação do Athletico estava complicada. 

Ainda na fase de grupos, a classificação quase não aconteceu. Na verdade, era até improvável, depois dos resultados ruins nos primeiros jogos.

Mas o Athletico acreditou até o fim e se classificou, ufa!! E com isso eu tive a chance de estrear nas oitavas de final.

Nosso adversário era o Libertad. No jogo de ida, na Arena da Baixada, eu não desperdicei a oportunidade de abrir o placar.

Tá anotando aí, pai?

No segundo jogo, no Paraguai, empatamos por 1 a 1 e nos classificamos.

Nas quartas, pegamos o Estudiantes. Mas dessa vez o gol não saiu, apesar do apoio da torcida e dos nossos esforços.

Futebol é assim, às vezes a bola parece que não quer entrar...

E, às vezes, parece que o melhor está guardado para o final.

O jogo na Argentina caminhava para os pênaltis.

Foi uma partida muito dura. Catimba do adversário, os torcedores argentinos botando pressão na arbitragem, e o nosso jogo não encaixava.

Até que...

Assim como num jogo, na nossa vida, tudo pode mudar.

Vitor Roque

Eu comecei o jogo no banco por opção do Felipão, nosso treinador. A certa altura do jogo, ele me chama e eu entro em campo meio que já pensando nas cobranças de pênaltis. 

A disputa seguia dura, os zagueiros deles falando no meu ouvido, tentando me intimar.

Mas… quem poderia imaginar aquele final?

Já estávamos nos acréscimos do segundo tempo quando o Terans carrega a bola pela linha de fundo e passa por três adversários. Na linha de fundo, ele toca pra trás, onde estava o Vitinho, que dá um corte, tirando dois marcadores do Estudiantes da jogada, e levanta a bola na área. 

Posicionado no meio da pequena área, eu acompanhei o lance com os olhos. Como sabia que o Vitinho sempre dá esse corte nos treinos, eu já imaginava o que ele poderia fazer. Quando entendi que ele ia cruzar, me posicionei entre os zagueiros e, assim que vi o goleiro voar para a bola, não tive dúvidas e coloquei o corpo na frente.

De onde eu estava, vi que a bola tinha entrado no gol e que meus companheiros comemoravam, mas eu mesmo só consegui me levantar pouco depois. Foi uma loucura, essa mistura de sentimentos. Um gol no último minuto que mudou a nossa história na Libertadores.

Vitor Roque gol Estudiantes Athletico Libertadores
Marcelo Endelli/Getty Images

No vestiário, ainda na Argentina, a internet no celular não pegava direito, então só recebi algumas mensagens.

Mas, no ônibus a caminho do hotel, o meu telefone quase explodiu e só aí eu pude entender o tamanho daquele gol.

Tá em choque? Gol do Vitor Roque! :-p

Pode parecer estranho o que vou contar agora, mas, apesar de ter ficado feliz demais e muito agradecido a Deus pela oportunidade que me deu — por eu ter participado de um jogo tão importante e por ter sido decisivo para o clube e para a torcida que me apoiaram tanto desde a minha chegada —, a verdade é que eu encarei a classificação com pés no chão e humildade. 

Eu não queria deixar que aquele momento subisse à minha cabeça. E, assim como meus companheiros, continuei trabalhando duro para a semifinal contra o Palmeiras.

Mais uma vez, chegávamos na disputa tendo nosso adversário como favorito.

E mesmo depois do primeiro jogo, quando ganhamos de 1 a 0, só nossos torcedores e nosso time acreditávamos na nossa classificação. 

Imagina depois do primeiro gol do Palmeiras, antes dos cinco minutos de jogo? Aposto que teve gente que pensou até mesmo que seríamos goleados.

O Felipão não estava no banco porque tinha sido suspenso. E já no começo do segundo tempo, tomamos o segundo gol. Um cenário nada favorável pra gente. 

Felipao Vitor Roque
Divulgação/CAP

Mesmo assim, nós não desistimos. O Furacão nunca desiste. 

Fomos buscar.

O Fernandinho lança, o Vitinho cruza, a bola atravessa a pequena área e, no limite da linha de fundo, eu me jogo e toco pro meio, onde estava o Pablo. 

2 a 1.

Depois, faltando pouco mais de dez minutos pro fim do jogo, a gente empata. 

2 a 2.

Rubro-negro é quem tem raça, quem não desiste de lutar.

Conseguimos.

Nós vamos para a final da Libertadores!



Em 2005, o Athletico chegou pela primeira vez à final da Libertadores, ficando com o vice-campeonato. Levou 17 anos para que o clube, em 2022, chegasse a outra final.

Parece coincidência, mas 2005 foi o ano em que eu nasci. E agora, 17 anos depois, tenho a chance única de entrar para a história de um clube da importância do Athletico. 

Apesar de ser muito jovem, tenho consciência do quão difícil é chegar a uma final de Libertadores.

Por isso mesmo, vou para esse jogo no Equador com a receita que tem dado certo para mim nesses poucos anos de jogador: trabalhar duro, entrar focado e não desistir. 

Todos os dias, o futebol me ensinou e me ensina muitas coisas.

Vitor Roque Players Tribune
Marcelo Endelli/Getty Images

A mais valiosa delas é a seguinte: assim como num jogo, na nossa vida, tudo pode mudar.

Em um dia, você pode estar no sofá da sua casa, assistindo à final da Libertadores...

E um ano depois, você pode estar em campo, disputando o título desse mesmo torneio.

Nem sempre vai ser do jeito que você imagina, mas coisas grandes podem acontecer se você estiver preparado.

Já pensou?

Ah, sim, meu pai já não aposta mais comigo. Ele sabe — melhor do que ninguém — que eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para levar essa taça pra casa.

Pode apostar.

Autografo Vitor Roque

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