Cincinnati
Quando Germaine pegou aquela bola para ganhar o jogo, eu comecei a olhar pra multidão. O barulho era incrível. A emoção, contagiante. Eu nunca tinha visto o Paul Brown Stadium assim — nunca tinha ouvido assim. E quando olhei em volta, vi torcedores jogando os braços pro ar, pulando pra cima e pra baixo e gritando. Mas, para cada um deles, havia outro torcedor com as mãos na cabeça, olhando pra longe com apenas um sorriso no rosto.
E eu sabia exatamente o que eles estavam sentindo.
Alívio.
Sou torcedor dos Bengals desde que me entendo por gente.
E eu senti isso também.
Naquele momento, foi como se esse peso fosse tirado de nossos ombros. Assim, 31 anos de demônios… se foram. E eu só me lembro de absorver a vibração no vestiário, ver os caras comemorando e pensar… Caraca, então é assim que é? É assim que é vencer um jogo de playoff na NFL? Isso é o que todas as outras equipes sentiram?
Foi a noite mais especial da minha carreira, sem dúvida.
E foi especial por tudo o que aconteceu antes.
Eu sou de Cincinnati. Cresci em Anderson, na zona leste. Esta cidade é quem eu sou. Tenho orgulho de ser daqui, sempre terei. E de pé em nosso estádio após o jogo... Senti cada pedacinho desse orgulho. Eu senti isso na minha alma.
Tem mais uma coisa sobre esse orgulho, no entanto: ele nunca foi embora. Sempre esteve ali — mesmo nos piores momentos.
Me lembro de todos esses momentos. Eu sei que todos os nossos torcedores que estão lendo isso provavelmente se lembram também. O jogo dos Steelers na temporada de 2015. Os jogos contra os Texans. O jogo dos Steelers em 2005. Eu me lembro de todos eles.
Eu costumava ir no antigo estádio de Riverfront quando tinha 12 ou 13 anos para esses torneios de basquete de 3 contra 3 chamados Hoop It Up. Eles realizavam os jogos nos saguões de concreto do estádio. Era tão diferente nos anos 90. The Banks não eram nem de perto o que são hoje. Naquela época, havia apenas um monte de passarelas de pedestres que passavam pela rodovia para chegar ao estádio. E, em dias de chuva, não era a caminhada mais inspiradora. Por dentro, lembro de todos aqueles assentos de cores diferentes. Os azuis escuros eram os melhores, e depois, no setor das boladas na cara, acho que eram vermelhos. Não era o estádio mais bonito do mundo. Era apenas um lugar muito... industrial. É assim que eu descreveria. Mas… Era o nosso lugar. Cincinnati não é uma cidade chamativa. Nunca foi. É o tipo de cidade em que nos orgulhamos de trabalhar o dia inteiro. Acho que Riverfront refletiu essa parte de nós.
Naquele momento, foi como se esse peso fosse tirado de nossos ombros. Assim, 31 anos de demônios… se foram.
- Kevin Huber
E de muitas formas, foi onde minha jornada no futebol começou.
Do jeito que meu grande amigo Tommy Linz conta essa história, ele faz parecer que deveria receber o crédito por eu ter me tornado um punter (chutador de longa distância). E para ser honesto, eu nem me lembro como tudo aconteceu, então Tommy pode ficar com essa fama. Em algum momento no ensino médio, ele me contou sobre a competição Punt, Pass and Kick que estava rolando em Riverfront. Eu joguei futebol (soccer) a maior parte da minha vida, e meu pai foi punter da Universidade de Xavier no início dos anos 70. Tommy sabia que eu tinha pelo menos uma perna decente.
Para encurtar a história, acabei ganhando tudo na minha faixa etária. Minha mãe ainda tem a placa em nossa casa em Anderson.
E então todos os scouts começaram a bater na nossa porta. Eu recebia mais ofertas para colégios de ponta no esporte do que você pode imaginar, Bobby Bowden ligava para o meu pai — mentira, tô brincando. Não é bem assim que funciona para os punters. No meu primeiro ano do ensino médio, nosso treinador nos rodeou como quem diz: “Vamos lá, quem pode ser punter aqui?”
“Bom, professor. Eu fiz isso na escola primária. Posso?”
"Legal. Certo.”
A partir daí, comecei a me aprofundar mais na arte de chutar e tudo o que envolve a posição. Quando eu ia para os jogos no Riverfront, eu realmente prestava atenção na quarta descida. E se você assistiu aos Bengals nos anos 90, sabe que eles faziam muitos punts.
Foi um período difícil para a cidade, sem dúvida. Havia muitos dias que pareciam noite. Mas não importa a situação da equipe — sempre havia um grupo de torcedores obstinados caminhando pelas passarelas e fazendo suas vozes serem ouvidas todos os domingos. Esses torcedores resistiram, cara, mesmo nos dias mais sombrios. Eles voltavam com a mesma fé todos os anos.
E tenho pensado muito nesses torcedores nos últimos dias.
Eles são uma grande parte do que tornou noites como o jogo contra o Raiders possíveis.
Na época em que eu estava indo pra universidade, Marvin Lewis assumiu o time. Ele meio que mudou tudo aqui. Riverfront foi demolido. Paul Brown Stadium era a nossa nova arena. Eu estava na faculdade, mas ainda assistia a todos os jogos — e realmente me lembro de como os times de Marvin tinham essa aura. Esses não eram os Bengals que eu cresci vendo. Estávamos ganhando jogos novamente. Tivemos Carson e Chad, Odell Thurman e Justin Smith. Tivemos algumas verdadeiras lendas. E o estádio era pulsante. Lembro de quando vencemos a Divisão Norte em 2005. Parecia um sonho. Mas o que aconteceu naquela primeira rodada dos playoffs... Cara, foi difícil. Assistir Carson se machucar e uma grande temporada desmoronar — não era justo. E a equipe levou alguns anos para se reerguer.
Minha carreira realmente começou nos meus dois últimos anos de faculdade, 2007 e 2008. Joguei em tempo integral nessas duas temporadas e, chegando ao draft, em 2009, sabia que teria uma boa chance de ser escolhido. Mas, ao mesmo tempo, geralmente há apenas dois ou três punters a cada ano — e uma ou outra equipe pode ter necessidade ou mostrar interesse.
No meu ano, um desses times foi o Bengals.
Eu conheci um dos técnicos, Darrin Simmons, no Senior Bowl, e tivemos algumas conversas muito boas — e comecei a pensar que eles pudessem me chamar. Eu esperava que eles pudessem. Mas eu realmente não sabia. E não vou mentir, eu estava muito nervoso.
Então, no segundo dia do draft, marquei uma partida de golfe com alguns amigos. Eu não queria ficar sentado olhando pra TV e rezando para ver meu nome. Jogamos num campo chamado California Golf Course, perto da Kellogg Ave. Coloquei o toque do meu celular bem alto, só por precaução. E no buraco 17, recebi um telefonema do técnico Simmons.
“Ei, você quer ser um Cincinnati Bengal?”
Meus amigos viram o tamanho do sorriso no meu rosto e começaram a pirar. O treinador Lewis me ligou logo depois disso. Ele tava rindo, porque podia ouvi-los comemorando ao fundo. Jamais esquecerei aquele momento. Nunca. Parado ali, conversando com Marvin Lewis... Sabendo que eu seria um Bengal... Nada pode superar isso, cara.
E então nós perdemos na rodada de abertura dos playoffs em seis dos meus primeiros sete anos.
Que tal?
Eu nem sei como explicar essa fase. Sinceramente, parecia uma maldição. Acho que muitos de nós quase ficamos insensíveis a isso. Eu sei que parece estranho. Eu sei. Mas é como se, depois daquela derrota para os Colts, não houvesse novos sentimentos para experimentar. Já estivemos lá tantas vezes antes. É apenas como foi. É apenas o que era. Tipo... É isso que significa ser um Bengal. Foi muito frustrante.
E 2015… Esse foi o mais difícil de todos.
Aquele time era tão, tão bom. De verdade.
Andy e A.J, Pacman e Reggie, Geno e Carlos. Oito Pro Bowlers. Tínhamos todo o talento do mundo, realmente tínhamos. Mas eu não sei. Simplesmente não era pra ser. Eu me lembro como aqueles últimos segundos estavam correndo contra os Steelers, apenas olhando em volta e pensando: Sério? O que fizemos para merecer isso?
Isso ainda machuca, obviamente. No nosso vestiário depois do jogo não havia nada. Tristeza, frustração, confusão… Mas principalmente nada. Todo mundo estava totalmente vazio.
O fim desse jogo expôs uma de nossas maiores fraquezas: maturidade. Fizemos muitas faltas naquele ano e, na hora H, pagamos por isso. Talvez houvesse, sim, uma maldição, sei lá. Mas eu sei que jogamos fora uma grande oportunidade.
E isso é algo que não vejo na equipe deste ano.
Este grupo é diferente. Esperei muito tempo pra dizer isso e sei que é verdade. Todo ano depois que perdíamos, eu tentava dizer a mim mesmo que este seria diferente — que finalmente daríamos um salto.
Mas este ano realmente foi diferente.
No ano passado, tivemos uma temporada difícil. A lesão de Joe, algumas derrotas por falta de sorte. Foi decepcionante. Mas eu vi algo em nosso grupo que eu realmente não tinha visto antes. Eu fiz parte de alguns times ruins, em que, uma vez que não há mais nada pra jogar, os caras largam mão. Eles não dão tudo de si nos treinos ou a cada saída de bola. Mas no ano passado, a gente estava só cumprindo tabela e caras como Tee, Jessie e Germaine davam tudo a cada jogada. Fiquei meio surpreso. Esses caras estavam levando a sério a ideia de mudar o roteiro por aqui. Não tinha dedo apontado após uma derrota nem desânimo.
A cada jogo, o objetivo era melhorar.
Para mim, isso é maturidade.
É por isso que eu sabia que este ano seria diferente.
Eu vi alguns quarterbacks talentosos na minha carreira. Mas Joe Burrow tem mais do que apenas talento.
- Kevin Huber
O professor Zac merece muito crédito pela cultura que ajudou a construir. E também nossos líderes e veteranos. Há um objetivo em comum para nós agora. Todo mundo comprou o barulho. Todo mundo rema na mesma direção. E todo mundo segue Joe Burrow.
Eu vi alguns quarterbacks talentosos na minha carreira. Mas Joe tem mais do que apenas talento — ele tem o fator X. Foi mal, eu sei que isso soa meio clichê. Mas é verdade. Ele tem uma confiança fora do normal. Eu não chamaria isso de arrogância. É mais uma marra, sabe? Quando ele entra no vestiário em dia de jogo, a gente sente uma vibe diferente.
Eu olho pra ele e penso: Esse cara quer ganhar o jogo por mil pontos.
Sem desrespeito ao nosso adversário. Mas Joe realmente quer ganhar o jogo por mil pontos. Ele é gás total, o tempo todo. Na rodinha dos jogadores, é difícil não ficar tipo: Se ele quer isso, então eu tenho que fazer minha parte. É assim que ele lidera. E eu acho que é um encaixe perfeito para a nossa equipe.
Para alguns caras como eu, que estão aqui há algum tempo, essa cicatriz que temos… é real. É difícil de superar. Mas Joe, Ja'Marr, todos os nossos jovens? Eles não têm isso.
Cara, você acha que eles se importam com as derrotas no Super Bowl ou a dor de 2005 ou o excesso de faltas contra os Steelers? Claro que não. Eles estão aqui com sangue nos olhos. Eles estão aqui para vencer. Eles estão aqui para fazer história já.
Nós estamos aqui para fazer história já.
E aquela vitória contra os Raiders? Esse foi apenas o primeiro passo. Quem é daqui, de sangue laranja e preto, sabe o que essa vitória realmente significou e sentiu isso no fundo de sua alma. Porque viveu a fase ruim, assim como eu. Quando acabou o jogo, olhei pro treinador Simmons, que está com a gente desde 2003, e ele olhou pra mim… E só havia uma coisa a dizer: “Finalmente”.
Finalmente. Essa foi a palavra da noite. Eu vi isso nos rostos de milhares de pessoas nas arquibancadas do Paul Brown. Espero que todos guardem na memória cada segundo disso. Aquela noite foi especial. Aquela noite foi para todos que nunca desistiram.
Aquela noite foi para Cincinnati.