Eu Sou Romário
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Em alguns clubes, é verdade, fiz um acordo que me permitia ir pra noite. Mas eu nunca faltava em treino. Quero deixar isso bem claro. Quando voltei a jogar no Brasil, disse a todos os presidentes: “Olha, tenho dificuldade para acordar cedo, então vou treinar à tarde”. Eles nem precisaram escrever nada no papel. Cara, falavam tanta merda disso: “Ah, Romário não dorme...” Dorme! Ele só acorda mais tarde. “Romário não treina...” Treina! Mas não às 9h da manhã. Os dirigentes sabiam. Se eles contavam aos treinadores… Bom, isso já não era problema meu.
Nunca saí na noite anterior a um jogo. Se tinha jogo domingo, eu saía na sexta-feira. Tá, pode ser que tenha acontecido algumas vezes, mas foi uma em dez, no máximo. E, olha, eu nunca fumei. Graças a Deus, nunca usei drogas. Eu nunca bebi. Nem uma gota. Quem disse que você tem que ficar bêbado para se divertir? O que sempre gostei muito é da noite. Ou seja, dos males, o menor.
A história da praia? Também é verdade. A gente tinha um jogo com o Fluminense, mas eu resolvi não jogar. Sinceramente, não me lembro por quê. Enfim, a galera se concentrou 24 horas antes do jogo pra se preparar para a partida, enquanto eu passei o dia na praia. Aí, por algum motivo, decidi que queria jogar e fui direto para o Maracanã. Cheguei atrasado, os jogadores já tinham até se aquecido… Realmente, eu entrei no vestiário limpando a porra da areia dos meus pés. E acabei jogando. Eu me lembro que o moleque, o Marcelo, ia fazer sua primeira partida pelo Fluminense — convidou toda a família para assistir a estreia. Acabei entrando de titular no lugar dele, uma decepção pra toda família do rapaz. De qualquer forma, fiz gol e o Fluminense saiu vencedor naquele jogo. Minha preparação mental era simples: chegar, entrar, botar a camisa e fazer gol. Não tem outro segredo. Nunca teve.
É tipo sexo, sabe? Você tem que fazer o que funciona pra você. Sexo, pra mim, sempre fez bem pra caralho. Às vezes, no dia do jogo, eu ficava em casa, longe do resto do time. Se eu acordasse com tesão, fazia sexo com minha mulher e depois ia pro jogo. Em campo, eu ficava bem tranquilo… Leve.
Tenho um medo filha da p*** de cachorro, cara. Quando eu tinha 13 anos, fui visitar minha avó no Jacarezinho e dois vira-latas e um pequinês avançaram em mim. Eu respeito os cachorros. Nunca vou fazer mal a eles. Mas tenho pavor. E detalhe: quanto menor o cachorro, mais medo eu tenho. Um pastor alemão? Eu consigo conviver. Mas um Chihuahua? P*** que pariu, me arrebenta...
Eu não era marrento. Eu era confiante. Por exemplo, quando eu nasci, papai do céu olhou pra mim e disse: “Ele é o cara”. As pessoas entendem isso como uma forma de ser marrento. Arrogante, sincero, tanto faz. Mas, cara, essa é a realidade. As pessoas falavam: “Pô, o Romário gosta de noite, o Romário não gosta de treinar, o Romário é mulherengo”. Mas aí, no jogo, metia três, quatro gols e a coisa mudava: “Ah, o cara é foda. Ele é marrento, mas corresponde em campo”. Isso é ser marrento? Não! É confiar no seu taco, no que você é capaz de fazer. Mas eu também tive a minha fase de fanfarrão hahahaha.
Lá pelos 20 anos, eu disse que marcaria 1.000 gols. Tem uma capa da revista Placar em que eu falei: “Vou fazer 1.000 gols”. Ninguém pode dizer que é sorte ou que foi por acaso, né? Já estava dito lá atrás.
Lembro de jogar futebol com meu pai do lado da linha do trem perto da nossa casa no Jacarezinho. Eu tinha asma quando era criança e dormia mal. Como às vezes eu não conseguia dormir à noite, meu pai, pra ver se ajudava em alguma coisa, me pegava numa mão e, na outra, levava uma bola pra gente jogar na linha do trem. Naquela época, a bola já era tudo na minha vida. A gente jogava uns 10, 15 minutos e voltava pra casa 23h, meia-noite… E aí eu dormia que nem uma pedra.
Construir casas nunca foi um sacrifício pra mim. Meu pai era tingidor em uma fábrica de tintas, mas o salário dele não era suficiente para bancar eu e meu irmão nos treinos. Então, meu pai tinha que fazer uns bicos como pedreiro. Todo fim de semana a gente ajudava ele a construir casas na Vila da Penha, lugar pra onde nos mudamos quando eu tinha cinco anos. A gente batia laje, carregava tijolo, bloco de concreto, cimento, essas coisas. Dois moleques pegando pesado no serviço, mas a gente fazia amarradão porque sabia que aquilo ali era para o nosso próprio bem, para ajudar a gente a jogar futebol. Pode crer, a gente trabalhava com prazer. Enquanto nosso pai estava construindo uma casa, a gente construía o nosso sonho.
Meu pai tinha cinco mandamentos. Não soltar pipa. Não beber vinho. Não usar drogas. Não deixar ninguém te f ****. E, quando for apertar a mão de alguém, apertar firme e olhar nos olhos dele. Se eu segui todos? Amém.
Sempre me considerei o melhor. Quando digo isso, quero dizer o melhor finalizador. Se é impossível de eu finalizar, eu passo a bola para outra pessoa. Se é quase impossível, eu tento finalizar. Essa é a lógica: se eu não conseguir, outro companheiro com certeza não vai. E eles sabiam disso, tanto é que davam a bola para mim. Porque era o melhor para o time. É que nem no basquete, quando você precisa fazer uma cesta de três pontos nos últimos segundos. Você dá a bola pra quem? Pro Michael Jordan.
Se eu sentia a pressão? Porra, eu adorava a pressão… Quando os jogadores recebiam a bola na cara do goleiro, o gol diminuía. Quando ela caía no meu pé, o gol crescia.
Vamos imaginar que eu já tenha feito quatro gols. Na minha cabeça, a próxima chance seria sempre a última, não importa quanto estivesse o placar do jogo. Passei a maior parte da minha carreira tentando aproveitar a última bola.
Nunca fui o cara que participava dos 90 minutos do jogo. Os zagueiros até davam uma relaxada: “Deixa ele lá, que ele tá quieto…” Mas o quieto era uma estratégia. “Vamos esquecer...” E é aí que eu aparecia, sem fazer muito alarde. Quanto mais me davam como morto, mais letal eu era.
Dunga estava certo. Quando eu jogava no Vasco, e o time não estava bem, o Tita e o Roberto Dinamite decidiram que eu, o mais novo, tinha que correr para eles. Como eram mais experientes, eles pensaram que podiam fazer o que quisessem. Mas eles não estavam marcando gols! Então eu disse: “Escuta aqui, eu corro para o time e está muito bom. É só olhar quem é o artilheiro da equipe.” Acho que eles ainda estavam resmungando quando o Dunga pediu a palavra: “Oh, se essa indireta é para o Romário, pode cobrar de mim, que a partir de hoje eu vou correr pra ele. Deixa ele lá fazendo os gols”. Foi exatamente isso o que aconteceu. Ele era um cara inteligente, o Dunga. Diferente de outros….
Foi difícil pra caralho na Holanda. Quando me transferi para o PSV, eu tinha 22 anos e nunca tinha morado fora do Rio. Eu, carioca da gema, acostumado a ir à praia de Ramos, Ilha do Governador, Copacabana, Barra da Tijuca... Jogava futebol na rua. De repente, eu estava num lugar escuro e gelado. Cara, chegou a –17 graus uma vez. Dezessete!! Como alguém ia me criticar por não treinar? Uma vez, passei três dias sem sair de casa. Os caras ficaram preocupados comigo. Eles bateram na minha porta e eu não atendi. Tava hibernando, parceiro!!
Mas valeu a pena, porque a cada um real que ganhava no Brasil, eu recebia 4.000 lá. A diferença era essa. Sempre que eu parava de sentir os dedos dos pés de tanto frio, eu me lembrava de quando estava batendo lajes com meu pai para me tornar um jogador de futebol. Eu ia desistir do meu sonho só porque estava frio?? E foi assim que eu superei. Acabei comprando uma casa pra minha família na Freguesia, em Jacarepaguá, com carro, motorista e tudo. Para mim, foi uma vitória do caralho.
Sempre serei grato ao PSV. É preciso deixar isso muito claro. Passei quase cinco anos lá e esse período mudou minha vida. Mas eu tive que sair. Barcelona é Barcelona, né?
Cruyff se tornou um dos meus maiores amigos no futebol. Ele foi meu melhor treinador, sem dúvida. Quando fui para o Barça, eu queria a 11, minha camisa preferida. Mas o Cruyff me deu a 10. Eu disse: “Mister, é uma grande honra botar a 10, mas eu prefiro a 11”. Todo mundo quer a 10, certo? E o Cruyff disse ‘não’. Eu estava tipo: “Porra, meu irmão, eu estou dando a 10!! Por que não?”. Aí ele explicou: “Porque, no meu time, o melhor sempre joga com a 10”. O cara manda uma dessa pra tu… Tu vai falar o quê? Eu tinha que ficar com a 10 pra sempre.
Se quisesse, o cara ainda poderia ter jogado pra gente. Porque ele conseguia fazer tudo que pedia aos jogadores. Ninguém me contou, não. Eu vi com meus próprios olhos. “Pô, Mister, tá de sacanagem? Isso aqui não dá pra fazer, impossível.” Aí o Cruyff dizia: “Ah, não dá?”. Pegava a bola, ia lá e fazia, entendeu? Ele era o cara. Na cabeça dele, tudo era fácil, tudo era simples de fazer. Mas ele entendia até que ponto cada um podia chegar. Tu pode praticar a vida toda, mas, se tu não tiver o dom, vai ser muito mais difícil.
Eu jamais teria sido convocado para a Copa do Mundo de 1994. Essa é a verdade. O Brasil deveria ter se classificado com facilidade, e, como eu tinha me desentendido com a comissão técnica, eles nunca teriam me aceitado. Mas, naquele jogo decisivo contra o Uruguai, tínhamos que vencer ou empatar para classificar. Os treinadores sabiam que, se perdessem, praticamente teriam que fugir do país. Então, o que eles fizeram? Tiveram que me chamar de volta. E eu não senti a pressão. Eu tava lá pra me divertir, sabe? Pra mostrar para aqueles filhos da p*** da comissão técnica que eles deveriam ter me convocado bem antes. “Pô, quando acabar, eu vou esculachar esses m*****.” Era mais ou menos isso. Pode perguntar a qualquer pessoa que esteve no Maracanã e ela dirá que talvez tenha sido o jogo mais foda que um jogador de futebol já fez, principalmente com a camisa da seleção. Em uma escala de 1 a 10, eu levei 11.
Fiz uma promessa ao Ricardo Rocha. Duas canetas, dois chapéus e dois gols. Na hora que acabou o primeiro tempo, alguém no banco gritou: “E os dois gols?”. Eu falei: “Calma, cara. Tudo tem a sua hora”.
Sempre disse que ganharíamos a Copa do Mundo e que, se a gente não vencesse, a culpa seria minha. Eu sabia que o nosso time era bom, confiava no grupo e estava convencido de que jogaria o torneio da minha vida. É basicamente isso.
A discussão sobre a premiação? Eu fiz apenas o que era melhor para todos. Em 1990, tivemos problemas envolvendo a divisão do dinheiro de patrocinador, o que acabou atrapalhando nosso foco na Copa. Já em 1994, queriam dar a algumas pessoas mais do que a outras. Para mim, isso não estava certo. Então, propus que todos recebessem o mesmo valor — e todos significam todos. Romário, o artilheiro, receberia igual ao cozinheiro (nada contra o cozinheiro, claro, só pra exemplificar). Tivemos uma reunião, e a maioria dos jogadores votou a favor da minha proposta. De repente, todos sentimos que estávamos no mesmo barco. A partir desse momento, a seleção ficou mais forte.
Prefiro ser feliz do que rico. Ou mais rico, no meu caso. Quando voltei para o Brasil depois da Copa do Mundo, eu não tinha em mente o real poder do que era ser campeão do mundo… Sentir isso… O calor do povo brasileiro, pé na areia, uma diversão do caralho… Fazia tanto tempo que estava longe do Rio que me esqueci do quanto eu gostava daquilo. Por isso retornei para a Espanha com duas semanas de atraso. Quando o Flamengo quis me contratar, no fim do ano, tive que me perguntar: O que eu realmente quero? Financeiramente não era a melhor proposta, apesar de terem me oferecido o maior contrato já visto no Brasil. Eu tinha 29 anos, poderia ganhar bem mais se assinasse por mais três temporadas com o Barcelona. Eu era a superestrela do Dream Team. Se tu coloca o dinheiro na balança nessas horas, nem tem como comparar. Mas no Rio eu ficaria perto dos meus pais, do meu irmão, dos meus filhos, dos meus amigos, minha praia, meu funk, meu hip-hop, meu sol, minha Barra da Tijuca… Sei que minha decisão pareceu estranha para os outros, mas, para mim, foi o melhor que poderia acontecer.
Depois dos 35 anos, parei de me preocupar em jogar bem. Eu só queria chegar aos 1.000 gols. As pessoas dizem que eu não treinava. Repito: eu treinava, mas de uma maneira diferente. Outros jogadores podem dar 70 voltas no campo ou correr sete quilômetros. Eu dava 70 chutes a gol. Fazia um treinamento específico para o que eu precisava fazer em campo. Meu negócio era treinar finalização para aproveitar todas as oportunidades que tivesse. Ninguém se torna o melhor sem praticar, nem mesmo eu. Pegue qualquer gênio natural do esporte… Posso garantir que eles praticaram muito.
As pessoas dizem: “Pô, tu era egoísta…”. Claro que não, cara. Se eu marcar um gol, eu ganho, e meu time ganha também. É isso.
O milésimo gol foi uma saga e tanto. Eu tinha 41 anos, então minha mente teve que fazer o trabalho que minhas pernas se recusavam a fazer. Eu tinha que pensar: pra onde vou correr? Como é que vou sair desse zagueirão? Percebe o que eu quero dizer? Era um cansaço duplo, brother! Minha cabeça saía cansada depois dos jogos.
Convidei amigos do mundo inteiro para ver o milésimo gol. Teve gente que veio da Holanda, Austrália, Miami. Eles assistiram a um jogo, mas eu não marquei. Então eles viram outro e outro... Três jogos e a porra do gol 1.000 não saía. Para um jogador como eu, isso era uma eternidade. Todo mundo se preparou para essa grande festa, mas no final já estavam tipo: “Pô, irmão, vamos fazer essa porra logo!”.
O que eu faço depois de marcar 1.000 gols? A festa não duraria pra sempre. Eu precisava de um novo objetivo. E, no futebol, não tinha sobrado muita coisa para eu conquistar.
Todo mundo é político. No nosso dia a dia todos nós discutimos e negociamos. Quando cheguei ao Congresso Nacional, enfrentei os mesmos problemas que tive como jogador, porque no futebol a gente também faz política. As brigas com treinadores, dirigentes e presidentes foram todas por causa da minha autenticidade. O futebol nunca tolerou pessoas como eu. Hoje, então, menos ainda. Se eu não fosse tão sincero e direto, poderia ter ido a mais duas Copas e mais duas Olimpíadas. Mas esse é o preço que tive que pagar por ser eu mesmo.
Entrei na política para lutar por pessoas como a Ivy. Há 16 anos, minha sexta filha nasceu com síndrome de Down. Ela é um anjo que papai do céu me enviou. Antes de ela nascer, eu simplesmente não via pessoas que tivessem algum tipo de deficiência ou doença rara. Não adianta ser hipócrita aqui — eu não prestava atenção nos problemas que elas enfrentavam. A Ivy me fez perceber que elas precisavam de ajuda e tinham poucos representantes na política. Agora eu sou conhecido por defender essas pessoas, especialmente aquelas que são menos favorecidas. Elas têm o mesmo direito que nós de fazer parte da sociedade.
Quando Ivy nasceu, muitos amigos meus começaram a me contar sobre pessoas em suas famílias que também tinham doenças raras. Eles nunca compartilhavam isso com ninguém, mas agora estavam dando as caras. Fico muito feliz por ter ajudado as pessoas a falarem sobre isso. Esconder o quê, afinal? Ivy nunca me fez sentir nada além de orgulho.
Se eu me arrependo de alguma coisa? Cara, é o seguinte, eu já fui tudo: marrento, nojento, babaca, escroto... É uma lista longa. Mas você tem que julgar cada ação de acordo com o momento em que aconteceu. Eu era um cara diferente antes, e o mundo do futebol era um lugar diferente. Eu vim do nada. Tive que lutar muito para chegar ao topo e acabei extravasando todas as minhas emoções. Tudo o que eu fiz, de bom ou de ruim, veio do coração.
Faria tudo de novo? Sim. Mas o tempo passa para todos, né? Hoje tenho 56 anos. Estou mais sossegado. Provavelmente eu faria as mesmas coisas, mas de uma forma diferente. Essa é a verdade.
Novamente, ninguém é perfeito. Nunca fomos feitos para ser. E agradeço a Deus por isso.