As Cores de Interlagos Que Eu Quero Lembrar
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Eu não levo muito jeito pra música. Ouço, aprecio, é claro, e até já fiz pose de guitarrista com um violão todo invocado que a Ferrari lançou uma vez. Mas meu talento musical, vamos chamar assim, para por aí. Até onde a memória alcança, talvez eu ainda um bebê no berço, os sons da minha vida vêm de debaixo de um capô e da borracha esfarelando no asfalto.
Minha trilha sonora é essa.
Contudo, parodiando aquele clássico da MPB, eu preciso dizer que alguma coisa acontece no meu coração. Que só quando cruza um portão mais ao sul da Ipiranga com a Avenida São João.
Ok, a métrica não ficou lá essas coisas, vocês me deem um desconto. É que vai chegando novembro, Grande Prêmio do Brasil, eu fico assim, meio nostálgico, emotivo e ansioso para estar em Interlagos mais uma vez.
Brincadeiras à parte, sempre é um sentimento muito forte entrar ali, o Autódromo José Carlos Pace, o nosso autódromo de Interlagos.
Sabe, eu nasci em São Paulo, no bairro do Itaim. Cresci no interior, em Botucatu. Morei na Suíça, na Itália e, por causa da minha profissão, dormi em tantas cidades que perdi a conta. Mas nenhum outro lugar mexe tanto comigo como esse pedacinho da zona sul de São Paulo.
Olhando pra trás, eu acho que as grandes emoções que senti nesses anos todos no automobilismo de certa forma convergem para as curvas, a garoa, a atmosfera e, principalmente, para o inigualável retão de Interlagos. Talvez só estando dentro de um cockpit com o pé embaixo pra entender isso completamente.
Em Interlagos, alguma coisa acontece no meu coração.
Interlagos é a minha sinfonia.
E isso desde muito cedo. Como eu disse, ainda um bebê no berço eu já tinha a percepção dessa potência. Porque o meu pai corria de carro, por hobby. Ele disputava uma competição chamada Marcas e Pilotos. Ingo Hoffmann, Xandy Negrão, Chico Serra, Paulo Gomes, esses feras todos andavam com meu pai.
Pra falar a verdade, eles andavam na frente do meu pai. Azar o da verdade, nesse caso, porque isso não era um questão que a minha imaginação de criança não pudesse corrigir. Vou contar pra vocês.
Em uma das minhas lembranças mais antigas eu estou no meu quarto, no nosso apartamento em São Paulo, e no chão, diante de mim, há uma porção de lápis de cor espalhados. Eu apanho um por um e com eles construo primeiro uma reta fabulosa, gigante. Depois, com os toquinhos menores, faço uma curva aberta pra esquerda. E então outra, em formato de S, verde, vermelho, laranja, azul, branco, violeta… Eu vou enfileirando as cores e quando o último lápis alcança o primeiro, fechando o circuito, um autódromo ganha vida sobre o carpete.
Os bicos e as quinas são inevitáveis. Está longe de ser um brinquedo perfeito. Mas meu autódromo todo colorido nasce com duas características fundamentais pra mim. Primeira: eu vou chamá-lo de Interlagos. Segunda: nele, meu pai sempre vai andar na frente de todo mundo. Ali, no meu mundo, nas minhas regras, eu viajava sozinho e competia comigo mesmo. “Guiava” quatro ou cinco carrinhos pelo meio do traçado de lápis, marcava os tempos, formava o grid, dava a luz vermelha, a verde e, ao final de tantas voltas que eu conseguisse dar antes da minha mãe chamar pro jantar, era o carrinho do meu pai que sempre vencia.
Tem muito do meu pai na minha relação com Interlagos e na minha trajetória como piloto. Eu sempre guardo um lugarzinho especial pro Schumacher, de quem eu viria a ser colega de equipe na Ferrari, um cara generoso e especial com quem dei a sorte de cruzar, mas, se me perguntam quem é meu ídolo no automobilismo, eu só tenho um: meu pai.
Quando eu tinha seis anos, e nessa altura a gente já havia se mudado pra Botucatu, ele me deu uma motinha, uma motocross cinquentinha, e me levava pra andar em estradas de terra vazias, campos de futebol de várzea, onde não houvesse muito risco.
Gostei tanto daquilo, me apaixonei de tal maneira pelo desafio que era pra mim, tão moleque, controlar uma moto, que não demorou pra eu decretar: “Pai, eu quero correr em Interlagos como você, só que de moto. Eu quero ser piloto de moto”.
Bom, ele achou que as coisas estavam ficando meio perigosas pra um garotinho tão pequeno, mas, sabendo que abandonar a adrenalina não era mais uma possibilidade pra mim, ele me levou pra andar de kart. Foi uma surpresa espetacular: “Caramba, é mais legal que a motinha!”.
A mágica, então, que tinha começado no meu Interlagos de lápis de cor no chão do quarto, cresceu e tomou conta de mim. A gente guarda até hoje o meu primeiro macacão e a primeira sapatilha do kart, testemunhas daquela que viria a ser a aventura mais apaixonante da minha vida.
Nessa época, a Fórmula 1 não era nem um sonho distante. Ainda não. Eu queria simplesmente correr, pilotar, sentir aquela emoção e aquele prazer indescritíveis. E eu queria que tudo isso acontecesse comigo acelerando em Interlagos, o meu templo. Até uns 15 anos as coisas funcionaram bem. Eu fui me aperfeiçoando como piloto e progredindo. Até que meu pai sofreu um revés financeiro. A fábrica de plásticos que ele tinha com os irmãos faliu, e a nossa grana diminuiu consideravelmente.
Tirando o sofrimento familiar, a apreensão geral, foi a melhor coisa que podia ter me acontecido. Muito novo eu percebi que se quisesse continuar sentindo aquela alegria de guiar em Interlagos, além dos calos que eu já tinha nas mãos, provocados pelo kart, eu teria que criar calos no espírito.
A situação era bem simples: não tem dinheiro, então eu preciso fazer o máximo com pouco. É isso ou nada, sendo o nada um adeus definitivo a Interlagos e a procura de emprego em outra área.
Bora correr atrás de patrocínio, empresas que pudessem e quisessem ajudar um moleque apaixonado por automobilismo…
Vou carregar pra sempre um sentimento de gratidão às pessoas que ajudaram e também à possibilidade de crescer e dar valor ao trabalho, à força de vontade e às nossas paixões. É disso que a gente vive. Porque, quando o dinheiro encurtou, eu passei a ter dificuldade de ter um carro competitivo. Mas nunca me passou pela cabeça parar no guard rail e chamar um guincho pra levar meu sonho embora.
Meio na marra, eu aprendi que o negócio é fazer do jeito que dá, do melhor jeito possível. Que se você realmente ama algo, não pode desistir sem lutar. Então, se aquele era o carro que eu podia ter, era com ele que eu ia seguir adiante.
Lembro que, saindo do kart, eu fui correr na Fórmula Chevrolet e só pude competir a metade do ano. Não tinha dinheiro pra correr o ano inteiro. Mas já na segunda temporada, pela mesma equipe, que nunca tinha vencido uma corrida, eu fui campeão brasileiro na categoria.
Essa conquista, no entanto, gerou um problema. Um bom problema: se quisesse continuar a minha história de amor com o automobilismo, eu teria que transformá-lo em carreira. E o caminho pra isso me levaria à Europa e possivelmente à Fórmula 1, que nesse contexto enfim passou a ser um norte.
Foi um momento difícil, de tomar decisões importantes, e eu só tinha 18 anos. Mas não dava pra ficar pensando demais. As escolhas, de novo, eram simples: ou eu arriscava uma carreira internacional pra continuar correndo ou simplesmente parava de correr.
Meu desejo era ir pra Inglaterra, mas contei o dinheiro que eu tinha, pedi aqui, pedi ali, vendi meu carro, juntei tudo e… só deu pra chegar na Itália.
Lá vamos nós… Com meu novo espírito calejado, embarquei sabendo que o estilo 8 ou 80 era o novo normal pra mim. Ou eu ganhava corridas ou passaria a ver Interlagos apenas das arquibancadas e nas minhas memórias de criança.
Na Itália, o meu dinheiro dava pra disputar seis provas do campeonato de Fórmula Renault. Eu não falava italiano. Aprendi no dia a dia da oficina com os mecânicos da equipe. Por isso, até hoje eu preciso me policiar pra não soltar sem querer uns “cazzo” e outros palavrões. Eu estava sozinho pela primeira vez, e lidar com a solidão não foi fácil.
Meu alojamento era a adega da casa do dono da equipe, junto com os vinhos dele. Se deu certo? Bom, eu comecei a vencer corridas, uma depois outra, tantas que acharam melhor me deixar disputar as dez provas da temporada inteira. No final, me tornei campeão no meu primeiro ano na Europa. E no segundo fui contratado pra disputar a Fórmula 3000, o último degrau antes de chegar à Fórmula 1.
Corri uma temporada na F-3000, fui campeão europeu, e na seguinte, com apenas 20 anos, eu estava na F1. Caramba!, as coisas estavam acontecendo numa velocidade maior do que eu imaginava.
Mesmo assim, dava tempo de sentir uma baita saudade de Interlagos, de ficar pensando em quando eu iria pilotar lá de novo, e de ter uns encontros surreais na Europa. Por exemplo, quando eu ganhei a Fórmula Renault, o Jean Todt, chefe de equipe da Ferrari na F1, me chamou pra conversar. Eu fui. Ele me fez umas 850 perguntas e no final da reunião falou:
— Eu já te observei bastante e acompanhei teu sucesso na Fórmula Renault. Só que não tenho interesse em fechar um acordo com você neste momento. Faz o seguinte: vai lá e ganha a Fórmula 3000. Se você ganhar, um contrato com a Ferrari vai estar te esperando aqui na minha mesa.
Bom, eu fiz o que ele pediu.
E o Todt cumpriu a promessa dele. Assinei contrato para ser piloto jovem da Ferrari e logo em seguida, em 2002, estreei na Fórmula 1 pela Sauber, que usava motor Ferrari.
No automobilismo, talvez no esporte em geral, não há nada parecido com a devoção dos ferraristas. Os tifosi tratam os pilotos, os mecânicos, os engenheiros, todo mundo que trabalha na scuderia como se fôssemos gente da família deles.
- Felipe Massa
Dirigir um carro de F1, ainda durante os testes, foi uma das sensações mais maravilhosas que eu tive. Eu acelerava o bicho e, na paisagem borrada que passava pelos cantos dos meus olhos, eu via um filme. Nele tinha a minha motinha, o meu Kart, o meu pai. Tinha o meu Interlagos de lápis de cor. As coisas importantes estavam todas lá. Foi muito emocionante. E, sem que eu esperasse, mais uma vez a minha vida daria um delicioso cavalo-de-pau.
No primeiro ano na F1, nem salário eu tinha. Eu era remunerado por desempenho: 50 mil dólares por ponto conquistado — e eu conquistei quatro. No GP do Canadá, cheguei em quarto lugar, o que foi um feito enorme pra Sauber. Mas tive umas corridas, vamos dizer, difíceis. Bati algumas vezes e o Peter Sauber, dono da equipe, não gostava que batessem os carros dele. Então, no final do ano ele me dispensou e eu voltei pra Ferrari como piloto de testes. Acho que nem dá pra dizer que foi uma marcha à ré, não é?
Eu estava voltando pra Ferrari!
A Ferrari é uma loucura. A loucura mais doce de todas.
No automobilismo, talvez no esporte em geral, não há nada parecido com a devoção dos ferraristas. Pode até existirem equipes com mais títulos, mais poles, mais pódios, mais dinheiro. Mas nenhuma tem uma torcida como a da Ferrari. Ter vivido isso tão de perto e por tanto tempo foi fantástico.
Por um lado, eu nunca deixei de sentir uma pressão muito grande, porque é uma equipe tradicional, forte, com um nome, uma marca e uma história que transcendem o automobilismo. Pode perceber: no mundo inteiro, quando se fala em Fórmula 1, a primeira coisa que as pessoas têm vontade de saber é: “E a Ferrari?”.
Então, eu queria e sentia necessidade de vencer pela Ferrari, é claro. Mas, por outro lado, eu estava muito confortável, em casa. E isso é culpa dos tifosi. Aqueles caras amam a Ferrari e tratam os pilotos, os mecânicos, os engenheiros, todo mundo que trabalha na scuderia como se fôssemos gente da família deles. Não é à toa que dizem que quando você entra na Ferrari, você entra pra famiglia — e não sai nunca mais.
Mas isso não era tudo. Tinha mais: como piloto de testes, o meu trabalho era ir pra pista treinar com o Schumacher, um privilégio que eu agradeço todos os dias assim que acordo. Aquele meu primeiro ano na Ferrari valeu por uns dez de aprendizado.
Observando o Schumacher, conversando com ele, eu evoluí um bocado tecnicamente, na parte de acertar o carro pro meu estilo de pilotagem. Ele tinha o jeitão frio dele, alemão, um cara difícil, mas a nossa relação se estreitou e eu acho que acabou se tornando de mestre e pupilo. Tinha bastante respeito da minha parte, uma vontade enorme de aprender os segredos e os detalhes que formam um piloto fora de série. Mas tinha muita gana também. Eu queria andar na frente do Schumacher nos treinos, ser mais rápido do que ele, fazer poles em cima dele, vencer corridas em cima dele. A minha impressão era que ele, o professor, queria que eu sentisse exatamente isso. Ele queria me ver dando tudo, que eu fosse pra cima, mesmo que fosse pra cima dele. Esse é o tipo de respeito que os gênios de verdade esperam da gente.
Eu acho que consegui corresponder da melhor maneira em 2006. Primeiro, fazendo a pole em cima do mestre e vencendo na Turquia e depois fazendo a pole de novo no Japão, que era o quintal do Schumacher. Ele adorava o autódromo de Suzuka e reinava por lá. Então foi histórico pra mim ganhar dele no Japão. Uma emoção tão forte quanto a de guiar um F1 pela primeira vez, apenas cinco anos antes, com aquele filme da minha vida passando na beirada da pista.
O que eu mal podia imaginar é que a última prova daquele ano reservava coisa ainda melhor pra mim. Pensem comigo:
Interlagos, meu quarto, meu templo.
Ferrari, o turbilhão alucinante de sempre.
Schumacher se aposentando: era a última prova dele.
Treze anos que um brasileiro não vencia em casa.
Quinze anos daquela vitória épica do Ayrton Senna em 1991, pra mim a página mais espetacular da história da Fórmula 1.
Era muita coisa acontecendo na pista, nos boxes, na minha cabeça e no meu coração. Então, pela primeira vez eu resolvi deixar no armário o tradicional macacão vermelho da Ferrari. Achei que a ocasião merecia uma extravagância, e a equipe permitiu que eu vestisse um verde e amarelo.
Liderei a prova praticamente de ponta a ponta e recebi a bandeira quadriculada em primeiro lugar quase sem enxergar, de tanto que eu chorava. A vitória me transportou de novo pros tempos de menino e, como nunca antes, a euforia levou dias pra baixar. Não bastasse tudo isso, no final da prova o Schumacher, agora recém-aposentado, disse assim pra mim: “Eu estou feliz que é você quem vai assumir o meu carro”. Cazzo! Vindo de um professor tão exigente e lacônico como ele, aquelas palavras ressoaram em mim como a letra de uma música que eu decorei e canto até hoje.
Dois anos depois eu voltei a Interlagos no ápice da minha jornada na F1. Eu podia ser campeão do mundo. E fui… por alguns segundos. A temporada tinha sido disputada ponto a ponto com o Hamilton. Até aquele último e decisivo GP do Brasil, eu somava cinco vitórias e o Hamilton, também.
Só que ele liderava com 94 pontos e eu estava em segundo, com 87. Pra ficar com o título, eu precisava chegar em primeiro e torcer pra que o Hamilton terminasse abaixo da sexta colocação. Me preocupavam os pontos que eu tinha perdido na Hungria com a quebra do motor a três voltas do final, quando eu liderava a prova. Mas fiz o que eu devia fazer.
Interlagos estava o Interlagos perfeito dos meus sonhos. O Interlagos mágico que na infância se cristalizou na minha imaginação: com céu baixo, cinza escuro, muito quente e previsão de tempestade.
No entanto, em vez do meu pai, quem venceu fui eu.
Quando cruzei a linha de chegada em primeiro, o Hamilton estava em sétimo. Eu era campeão mundial! Mas eu nem tinha contornado a curva 1, logo depois do retão, quando entrou a informação pelo rádio: o Hamilton tinha ultrapassado o Vettel, assumido a sexta posição, e com isso, por um ponto de diferença, era ele o campeão.
Se você realmente ama algo, não pode desistir sem lutar.
- Felipe Massa
Como eu me senti? Frustrado, cazzo! Nessas horas não adianta o chefe, a sua família, os seus amigos, as pessoas que você ama dizerem “tudo bem, você deu o máximo, tenta de novo o ano que vem”. Eu tinha uma noção bem clara disso. Eu dei tudo mesmo. Mas como evitar a decepção de não ter me tornado campeão mundial na minha cidade, no meu quarto, diante da minha torcida? Eu tinha sonhado tanto com aquilo. É difícil sair disso com uma sensação boa.
Ah, foi duro…
Esse quase em Interlagos calaria fundo em mim até hoje se a frustração não tivesse dado lugar a um brutal sentimento de injustiça. Vocês sabem do que eu estou falando.
O Singapuragate.
A tramoia que de fato — e não o resultado em Interlagos — me tirou aquele título de 2008. Era pra ter sido um marco histórico na F1: o Grande Prêmio de número 800 da categoria, o primeiro em Singapura, o primeiro disputado à noite, com iluminação artificial. Acabou virando uma mancha, uma vergonha.
Vou tentar resumir o que aconteceu.
O Flavio Briatore, chefe de equipe da Renault, orquestrou uma batida proposital do Nelsinho Piquet para beneficiar o outro piloto deles, o Fernando Alonso. Com o acidente forjado, veio a luz amarela, o safety car entrou na pista e eu, que tinha feito a pole e estava bem na corrida, fui para os boxes.
Recebi o ok para voltar pra pista antes que a mangueira de reabastecimento tivesse sido retirada. Acabei perdendo muitas posições e terminei a prova sem pontuar. Achamos tudo muito esquisito na época, ficamos sabendo da manipulação um ano depois e, no começo deste ano, 2023, o Bernie Ecclestone, que era o chefão da F1, confessou que sabia de tudo e não fez nada porque queria “proteger o esporte e salvá-lo de um escândalo”.
A única pergunta que eu tenho pra fazer e que meus advogados estão fazendo neste momento é a seguinte: se o GP de Singapura foi manipulado, ele não deveria ser anulado?
Perder roubado é revoltante. E varrer a sujeira pra debaixo do tapete, vil. O mundo do esporte precisa de uma resposta e merece uma reparação. Da minha parte, posso dizer que convivo ainda com uma tremenda sensação de injustiça.
Bom, a conversa ficou mais longa do que eu imaginava e vocês devem estar se perguntando por que diabos eu ainda não falei da maledetta mola que em 2009 escapou do carro do Rubinho e me acertou em cheio na testa…
Porque simplesmente eu não lembro de nada.
Apaguei instantaneamente e só acordei no hospital, dias depois de ser mantido em coma induzido. Pra minha família foi um sofrimento terrível, é claro.
Eu ia sobreviver?
Se sobrevivesse, ia me recuperar?
Ia ter sequelas?
Foram momentos de muita angústia pra eles. O curioso é que, quando eu despertei, a angústia deles diminuiu e a minha começou. Ainda grogue por causa da medicação, eu abri os olhos querendo resposta pra uma pergunta que eu só fiz a mim mesmo:
Será que eu vou poder correr em Interlagos de novo?
Graças a Deus e aos médicos, eu me recuperei plenamente e a minha carreira seguiu por mais oito anos na Fórmula 1, duas temporadas na Fórmula E e agora na Stock Car, competindo pela Lubrax | Podium Stock Car Team.
Algumas pessoas acham que o acidente me prejudicou tecnicamente, que não eu consegui mais ser o piloto de antes. Bem, é difícil saber.
Prefiro agradecer pelo que eu pude viver a especular sobre o que eu poderia ter vivido.
Se vocês querem saber, eu agradeço até à mola, por ela não ter me apagado totalmente a memória. Seria péssimo não lembrar dos lápis de cor no carpete e aonde aqueles momentos me conduziram.
O Grande Prêmio do Brasil vem aí e eu quero vivê-lo mais uma vez com tudo o que eu tenho direito, mesmo que fora da pista, agora lutando para recuperar um troféu que me tiraram.
Eu acho que viver é criar memórias. Boas memórias. Por isso, eu quero sempre lembrar das cores, do cheiro, do mormaço, de cada gota de chuva. Eu quero lembrar de todas as coisas boas que acontecem no meu coração quando estou em Interlagos.
Eu quero lembrar de tudo.