Para a Massa do Galo

Pedro Souza/Atlético

Torcida atleticana,

Queria aproveitar que hoje é um dia especial para repetir algo que não é segredo pra ninguém: vocês são f*#@!!

No aniversário de 114 anos do Clube Atlético Mineiro, eu também quero dividir com vocês, torcedores que fazem este time ser imortal, um pouco do que eu vivi aqui dentro e de como eu tive a sorte de me juntar a essa história.

Sem vocês, nada disso teria sentido, nenhum título teria valor. E sem o meu pai, eu provavelmente não estaria aqui.

Era ele quem me fazia a mesma pergunta todos os dias, tentando arrancar alguma novidade sobre a proposta para jogar em Minas:

“E o Galo?”

Ao saber da oferta, meu pai ficou mais apreensivo do que eu para fechar o negócio. Desde a época em que eu jogava no Corinthians, ele já me falava:

“O jogador que for campeão brasileiro pelo Galo vai entrar para a história.”

Assim que contei que tinha recebido o convite do Atlético, ele torceu bastante e até botou pilha para que aceitasse logo, porque, na cabeça dele, eu teria uma chance de ouro nas mãos.

Meu pai tinha razão. Sempre teve. Jogar no Galo era tudo que eu mais precisava.



Sou de Sapopemba, zona leste de São Paulo, e foi lá que meu pai me ensinou a jogar bola, nos campinhos do bairro. Ele não é um especialista, mas sempre foi muito exigente comigo.

“Chuta de direita.”

“Chuta de canhota.”

“Chuta mais alto.”

“Chuta mais forte.”

“Chuta cruzado.”

Ele me mostrou que eu deveria trabalhar todos os fundamentos para me tornar um jogador de futebol.

Desde moleque, eu era muito rueiro, ao contrário do meu irmão, que gostava mais de ficar no computador, videogame, essas coisas… Minha diversão era ir pra rua com meus amigos e brincar até tarde — de preferência, batendo bola.

Um pivete sonhador, tá ligado?

Guilherme Arana 13 aniversario Galo texto
Pedro Souza/Atlético

Eu ia para uma quadra de futsal perto de casa e ficava sonhando em driblar como os caras maiores, em jogar em algum time, até que entrei para uma escolinha em Santo André. Ali eu conheci o Guilherme Mantuan, um dos meus melhores amigos da infância, e o pai dele nos levou para participar de uma peneira no Juventus, da Mooca.

Fomos aprovados e começamos a disputar campeonatos de futsal federados. Um dia teve jogo contra o Corinthians, nós dois deitamos e eles chamaram a gente pra fazer um teste.

O Gui passou. E, na minha vez, mandaram a real: “Ó, já temos muito jogador de frente, mas se você aceitar jogar de ala, a gente fica com você.”

Nem pensei duas vezes, né? Aos sete anos, eu deixei de ser atacante. Nessa época, o Corinthians não tinha time de campo da nossa idade, mas o nosso técnico do futsal também treinava a base lá no antigo Terrão. Então, ele levou a gente para treinar com os garotos mais velhos. Gui, Malcom e eu talvez fomos os últimos que conheceram o Terrão de verdade do Corinthians.

Até aquele ponto, tanto o futsal como o futebol de campo eram mais uma diversão para mim. A ficha de que eu realmente poderia virar jogador profissional só começou a cair quando fui convocado para minha primeira Copa São Paulo, em 2014.

Por ser o mais jovem do time, eu estava ali meio que pra completar o elenco, tanto que nem fui relacionado para a estreia. Fiquei na arquibancada. Só que eu estava muito bem nos treinos. Aí o professor Osmar Loss me colocou no segundo jogo e acabei me destacando. 

Quando terminou a partida, entrei nas minhas redes sociais… Putz, nunca vi tantas mensagens, todo mundo me elogiando!! Percebi que eu tinha subido alguns degraus no futebol.

Depois da Copinha, meu empresário me avisou que o pessoal do profissional estava me observando e que o Mano Menezes gostou do que viu. Em pouco tempo, me puxaram para o time principal.

De repente, estavam do meu lado jogadores de nome, campeões mundiais pelo Corinthians. Um ambiente totalmente novo. Todo mundo me recebeu bem, mas eu confesso que ficava muito nervoso de treinar com aqueles caras.

Eu tinha que me controlar, eu não podia errar na frente deles.

No meu primeiro jogo, então, o coração quase saiu pela boca. E olha que era só um amistoso, contra o Athletico Paranaense, na inauguração da nova Arena da Baixada.

O Mano foi chamando todos os jogadores que estavam no aquecimento, um por um, e nunca me chamava. O friozinho na barriga só aumentando. Nervoso, muito nervoso… E aí, faltando uns 10 minutos pra acabar, ele me chama. Segurei a onda e fiz um bom jogo até. Assim, eu iniciei a carreira como profissional.

Não tive sequência, até porque o Corinthians tinha Fábio Santos e Uendel na minha posição. Mas eu sabia que meu momento ia chegar, que aquele nervosismo, aquele friozinho na barriga que eu sentia, uma hora ia passar.

Logo quando o Tite assume, eu tinha descido para disputar novamente a Copa São Paulo. Mas aí ele conversou comigo, disse que já me acompanhava na temporada anterior e que eu poderia ter novas oportunidades. Pô, era o Tite, técnico campeão da Libertadores e do Mundial. Encarei como uma pressãozinha boa. Um treinador que nem ele não diria isso para qualquer um.

Foi um gás a mais para eu entrar motivado na Copinha. Fomos campeões, eu me destaquei e, no dia seguinte à final, já mandaram eu me reapresentar no profissional.

Arana Tite Corinthians
Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians

Fui emprestado ao Athletico Paranaense para ganhar experiência. Só que não deram nem dois meses e me chamaram de volta, porque o Fábio Santos tinha sido negociado. E aí eu reestreio pelo Corinthians. 

Mas agora era pra valer.

Jogo contra o Sport, na Arena. Eu com 17 anos. O time brigando pela liderança do Brasileiro. No intervalo, o Uendel, que tinha sentido uma lesão, chega em mim e diz: “Se prepara que eu não vou aguentar até o final.”

Então, vem tudo de novo…

Friozinho na barriga.

Nervoso, muito nervoso.

Estava 3 a 1 pra gente, jogo tranquilo. Mas, logo depois de entrar em campo, eu falho num lance e o Sport diminui. Passa mais um pouco, eles empatam com uma jogada pelo meu lado.

Acontece tudo que eu mais temia: errei na frente dos caras, na frente da nossa torcida, no meu jogo de estreia.

É louco como um lance ou uma infelicidade pode simplesmente destruir o nosso sonho. Mas aqueles caras que me deixavam nervoso só de olhar pra eles nos treinamentos fizeram com que eu me sentisse a pessoa mais calma do mundo no momento de maior pressão da minha vida.

Na saída de bola, o Renato Augusto já dá em mim, como quem diz: “Vai, fica à vontade. Errar faz parte”. O grupo inteiro me deu moral e não deixou que eu me abalasse pela falha.

Já no fim do jogo, eu arrisco um drible na lateral e faço a jogada do pênalti que o Jadson cobrou para garantir a vitória. Ufa, eu consegui dar a volta por cima bem rápido.

Lembro até hoje das palavras que o professor Tite me disse após a partida: “Tu tem futuro, moleque, porque tu é corajoso”. Abri meu Instagram, e tinha muito mais mensagens que naquela vez que estreei na Copinha. A maioria me dando os parabéns por ter me recuperado durante o jogo.

Realizei meu sonho de pivete. Fui bicampeão brasileiro pelo Corinthians. E mesmo com pouca idade, eu já me sentia pronto para subir mais um degrau na carreira: jogar na Europa.

Infelizmente, as coisas não saíram como eu planejava no Sevilla. Depois de uma temporada, botei na cabeça que o melhor para mim seria retornar ao Corinthians.

Jantei várias vezes com o Duílio, que na época era diretor de futebol, e acertamos tudo para minha volta. Eu tinha tanta certeza que daria certo que até arrumei as malas. Minha família ficou empolgada, todos nós estávamos loucos para voltar ao Corinthians. Faltavam apenas alguns detalhes.

O destino foi muito, muito bom comigo.

Guilherme Arana

Reunião vai, reunião vem, Duílio e a diretoria do Sevilla conversando o tempo todo, mas o negócio não saía. Eu ligava para o meu empresário e perguntava:

— E aí, já posso ir pro aeroporto?

Foram duas semanas nessa. Eu não aguentava mais de ansiedade. Tinha que abrir a mala todos os dias e pegar a roupa para treinar, até que chegou uma hora em que eu procurei o presidente do clube e lancei a fita:

— Quero ir embora. Nunca dei trabalho pra vocês. Me libera, por favor. 

Os dirigentes disseram que iam me ajudar, mas, no fim das contas, não entraram em acordo com o Corinthians sobre a forma de pagamento.

Guilherme Arana Sevilla
Quality Sport Images/GettyImages

Pouco tempo depois, eu estou de férias, curtindo um churrasco, quando recebo a ligação de um número do Brasil, mas o sotaque do outro lado da linha não era o português que a gente tá acostumado. Era um português de Portugal. 

“Aqui é o Jorge Jesus”, disse essa pessoa na hora que eu atendi.

Trocamos uma ideia e tal, mas não levei muita fé. Caramba, será que é verdade?, eu pensei depois de desligar o telefone.

“É verdade, fui eu que passei seu número pra ele”, meu empresário me responde. “Chegou uma proposta do Flamengo. Agora é com você.”

Antes da pré-temporada, o presidente do Sevilla me chamou e falou que estava disposto a me liberar para o Flamengo. Mas eu tinha decidido que queria continuar na Europa. Acreditava que, se tivesse oportunidades, eu ainda poderia jogar o meu melhor futebol por lá. Agradeci ao Jesus e à diretoria do Flamengo, e comecei a temporada a fim de mostrar serviço, mas acabei emprestado para a Atalanta.

Na Itália, continuei tendo poucas oportunidades. Eu só queria voltar a jogar, seja lá onde fosse. E hoje, olhando pra trás, eu entendo que o destino foi muito, muito bom comigo. Porque foi assim que o Galo apareceu no meu caminho.



Vocês, torcedores atleticanos, precisam saber de um detalhe importante. Ao contrário do Corinthians, a diretoria do Atlético cumpriu todas as exigências feitas pelo presidente do Sevilla. Opção de compra obrigatória, pagamentos nos prazos determinados, enfim, uma proposta do jeito que eles queriam. Cabia a mim tomar a decisão.

Não posso mentir pra vocês, mas eu tive que pensar por um instante. Naquela época, o Galo não vivia uma fase como agora. Não tinha o time redondinho nem o elenco que tem hoje.

Os dirigentes me disseram que existia um projeto grandioso para o clube, com apoio de investidores, e eu seria um dos primeiros jogadores desse novo Atlético.

Como eu já tinha deixado de ir pro Flamengo, e eles acabaram ganhando tudo depois, senti que não poderia perder outra oportunidade de voltar ao Brasil e de voltar a jogar, ainda mais num clube da dimensão do Atlético.

Arana Atletico carta Players Tribune
Pedro Souza/Atlético

Mas o que realmente me fez aceitar a proposta foi o desafio que meu pai colocou na minha mente: “O jogador que for campeão brasileiro pelo Galo vai entrar para a história”. Não podia ter uma motivação maior que essa.

Quando cheguei no saguão do aeroporto de Confins, tomei um susto. Tinha um monte de torcedor uniformizado para me receber, um deles fantasiado de Homem Arana! Kkkkk… Geralmente, torcedor vai ao aeroporto buscar centroavante de peso, um camisa 10 ou um cara cheio de título na bagagem. Um lateral que tinha ganhado “só” dois Brasileiros ser recebido dessa forma? Eu não imaginava vivenciar algo do tipo. Foi ali que também entendi que, de fato, “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”.

Não foi fácil assumir a responsa de ajudar a reconstruir o Galo, principalmente no começo. Logo na minha primeira viagem, perdemos de 3 a 0 para o Unión Santa Fé, na Argentina, e fomos eliminados da Sul-Americana. Em seguida, caímos na primeira fase da Copa do Brasil para o Afogados.

Meu, não é possível que vim aqui pra isso, eu pensava, meio que sem acreditar naquelas derrotas.

Daí chega o Sampaoli, né? Com ele, as coisas mudam. Vieram mais contratações, o time foi encorpando e passou a jogar de uma maneira diferente, com muita intensidade. A gente se dava superbem. Primeiro, porque aprendi a falar espanhol na Europa e conseguia conversar bastante com ele, ajudando a repassar informações aos companheiros. Depois, por ele ter me escalado numa posição diferente, mais pelo centro do campo, onde evoluí como jogador.

Sampaoli é um técnico muito parceiro, maior resenha, mas, quando está à beira do gramado, já era. Ele se transforma, cobra o tempo inteiro. A presença dele foi fundamental para que o nosso time voltasse a ser respeitado e quase saísse campeão em 2020.

Nada se compara ao Mineirão pulsando, lotado de atleticanos.

Guilherme Arana

No fim da temporada, tudo que os dirigentes me prometeram sobre o projeto do clube tinha se confirmado. Disseram que montariam uma equipe para disputar títulos. E eles honraram a palavra.

O Cuca vem para o lugar do Sampaoli e também contribui demais nesse processo. Muita gente diz que o estilo dele é “Galo Doido”, mas não é só isso. Existe o lado do treinador estrategista, que ensaia diversas jogadas e arma bem a equipe.

Lembro que o Cuca ficava bravo com o DJ que fazia o som da torcida nos nossos jogos enquanto os estádios ainda estavam fechados. Às vezes ele tentava passar os detalhes de alguma jogada, mas o som era tão alto que ninguém escutava.

“Ei, ei, ei!!! Tô falando com vocês, mas esse DJ tá de sacanagem, pô!”, ele gritava comigo na lateral do campo. Hahaha!

Antes da pandemia, eu tive pouco contato com a nossa torcida na arquibancada. Foi frustrante ter de jogar em estádio vazio, porque, nos tempos de Corinthians, eu vinha enfrentar o Atlético no Mineirão e ficava impressionado com o barulho que vocês faziam lá de cima. Era muito difícil ganhar do Galo aqui. 

Nada se compara ao Mineirão pulsando, lotado de atleticanos. Nem o melhor DJ do mundo seria capaz de reproduzir um ambiente igual.

Para mim, um jogo marcante da nossa campanha no ano passado foi o clássico do segundo turno contra o América. Depois que liberaram todos os lugares, vocês bateram o recorde de público no estádio. Finalmente pude encontrar a atmosfera que eu sempre sonhei.

Arana filho Mineirao Galo Players Tribune

Sabe aquele friozinho na barriga? Senti de novo antes da partida começar. No aquecimento, só de olhar nos olhos dos torcedores já nos contagiamos com uma força que intimida qualquer adversário. Até mesmo um rival em ascensão como o América.

Jogaço, lá e cá, chances para os dois lados. Então, no segundo tempo, o Hulk não consegue dominar, a bola sobra no meu pé e o chute sai do jeito que meu pai me ensinou... 

Sério, perdi completamente a noção de espaço depois de ver a rede balançar. Meu filho estava no meio daquele mar alvinegro comemorando o meu gol. Era a primeira vez dele num estádio de futebol. Nunca vou esquecer esse momento.

É engraçado porque eu não consegui encontrá-lo na multidão, mas pude enxergar atleticanos de várias idades, de diferentes gerações, muito emocionados. Alguns pulando de felicidade, outros chorando de alívio. No entanto, o sentimento era um só: falta pouco para fazer história.

Depois desse jogo, a gente ainda precisaria de mais seis rodadas para confirmar o título, mas eu já tinha certeza que ele seria nosso. Se mesmo para mim, que cheguei há pouco tempo, pareceu uma eternidade, imagine para vocês, que tiveram de esperar 50 anos por essa conquista?

Galo campeao brasileiro 2021
Pedro Souza/Atlético

Aí entra a humildade da nossa torcida. Não tem nada de errado em ser uma torcida humilde, pelo contrário. Enquanto as pessoas nos chamavam de cavalo paraguaio e diziam que morreríamos na praia novamente quando perdemos o primeiro jogo do campeonato para o Fortaleza, em casa, vocês mantiveram os pés no chão. Não desanimaram com as derrotas nem se deslumbraram depois que emplacamos a maior série de vitórias do Brasileirão como mandante.

Vocês nunca abandonaram o clube. Vocês sempre nos fizeram acreditar. É por isso que eu digo: torcida f*#@!!

Muitos de vocês, torcedores, dos mais novos aos mais velhos, vêm me agradecer com lágrimas nos olhos quando nos encontramos na rua. Tá maluco? Eu que tenho de agradecer. 

Graças ao Atlético, eu tive a oportunidade de realizar outro sonho, que foi vestir a camisa da Seleção Brasileira e me tornar campeão olímpico. 

Graças a este clube, tenho a chance de, quem sabe, disputar uma Copa do Mundo. 

Arana Brasil x Chile Maracana
CARL DE SOUZA/GettyImages

Graças ao apoio de vocês, sou privilegiado por ter feito mais de 100 jogos com essa camisa e presenteado ídolos como Éder e Reinaldo, que hoje nos servem de inspiração diária no CT, com títulos que eles também mereciam ter conquistado. 

Graças ao meu pai, o Atlético virou um capítulo à parte na minha vida.

Agora, quando ele me pergunta “E o Galo?”, eu tenho a resposta na ponta da língua:

— O Galo ganhou! 

E vai continuar ganhando por muitos e muitos anos, se Deus quiser.

“Vencer, vencer, vencer! Este é o nosso ideal.”

Seguimos. Por mais taças, por mais alegrias para todos vocês que fazem parte dessa Massa.

Tenho orgulho de dizer para o meu pai que o pivete sonhador entrou para a história do Galo forte vingador. Uma história que ainda promete grandes emoções.

Parabéns, torcedor atleticano! Parabéns, Clube Atlético Mineiro!

#tchauobrigalo

Autografo Guilherme Arana

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