O Último e o Próximo

Ali Yaqub/The Players Tribune

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Ok, vou ser honesto com vocês. Não assisti nem um minuto sequer da última Copa do Mundo.

Pelo menos depois da fase de grupos. Simplesmente não dava.

Depois da nossa eliminação, precisei me afastar de tudo. Das pessoas, da imprensa, do torneio como um todo. Então fui para a África do Sul com minha namorada e desencanei de assistir. Aliás, quem ganhou? (Brincadeira.)

Eu precisava colocar minha cabeça num espaço diferente, pensar em outra coisa. Só que no fim das contas, e sem querer ofender a África do Sul (que é um país lindo), devo dizer que não aproveitei nada das férias. Era impossível. Acho que por causa disso também foram dias horríveis para a minha namorada.

Foi a pior sensação que eu já tive no futebol. Fisicamente eu estava bem, mas, mentalmente, levei semanas para me recuperar.

Ainda me lembro do vestiário após a derrota de 2 a 0 para a Coreia. Silêncio total. Todo mundo sentado sem falar nada.

Eu estava com as mãos na cabeça pensando em como tinha decepcionado a torcida, a minha família, o país inteiro. Lembro do Joachim Löw falando, mas na verdade nem entendi direito o que ele estava dizendo. Eu estava feito um zumbi, sabe? Estava lá no meu próprio mundinho de decepção.

Lanterna do grupo.

A Alemanha.

Caramba.

As expectativas em torno da Alemanha são tão altas porque a Alemanha quase sempre vai bem. Quando eu era garoto, desde que comecei a acompanhar futebol, sempre foi assim: final (2002), semifinal (2006), semifinal (2010), campeão (2014).

Aquela era a minha primeira Copa como jogador.

Acho que o mundo inteiro nos via como um dos favoritos na Rússia.

Afinal, ainda éramos os vigentes campeões mundiais... Weltmeister.

A gente achava que tinha um time forte. Mas a realidade era diferente.

Tínhamos individualidades fortes, mas um time não tão forte assim. Nesse nível, não basta dizer: “Ah, fulano é um jogador talentoso… beltrano ganhou a Champions… e estes aqui já ganharam a Copa”. Tudo precisa se encaixar. De alguma forma, em 2018, não se encaixava. Nada funcionou. Naquele mês, aprendi como se faz um time de verdade.

Kimmich Alemanha 2018
Lars Baron/FIFA via Getty

Voltando ao vestiário depois do jogo com a Coreia, lembro que em algum momento um dos caras mais velhos e experientes falou com o grupo. “Agora não é hora de falar com a imprensa e criticar os colegas de time pelos seus erros. Não seria inteligente”, disse ele. “Agora é importante ficarmos juntos, porque a frustração que você sente é a mesma que todo mundo aqui está sentindo.”

Essas palavras ficaram comigo. Mesmo na derrota, a força da Alemanha estava na unidade.

Aquela Copa do Mundo foi a primeira grande decepção da minha carreira. Eu já tinha perdido grandes jogos antes, é claro. Mas quando você sai na semifinal, por exemplo, pelo menos você chegou perto, sabe? Agora, perder sem nem aparecer na foto?? Isso era novidade. Foi um baque para mim.

Além disso, Copa é Copa. Não é que nem outros torneios em que você pensa: Tá bom, foi uma merda, mas daqui a poucos meses vamos pra cima outra vez.

Passei quatro anos e meio esperando outra chance.



Sinceramente, até que tenho sorte de não ter tido muitas grandes frustrações na minha carreira até agora.

Com a seleção alemã, já faz alguns torneios que não atendemos às expectativas, e espero mudar isso. Mas em nível de clubes, digamos que tive algumas boas experiências em grandes torneios de mata-mata.

E, se falei do meu pior momento no futebol, também tenho que falar do melhor. 

A Champions League foi um dos meus grandes objetivos durante um bom tempo. Assim como a Copa do Mundo, é algo com que você sonha quando é criança.

Olha, eu sei que muita gente acha normal que o Bayern de Munique ganhe troféus todo ano. Todo mundo se acostumou com isso.

Quando assinei com o Bayern, aos 19 anos, eu já esperava fazer muito sucesso. Eu sonhava com títulos, mas ainda era só um garoto de um vilarejo chamado Bösingen. Nem podia imaginar como a minha carreira aqui seria boa. Mas mesmo quando ganhamos tudo — a tríplice coroa, seis títulos em um ano, ou 10 Bundesligas seguidas — algumas pessoas banalizam, só por sermos o Bayern. Mas, devo dizer, isso não é algo “normal”. Especialmente o que aconteceu em 2020. É extraordinário. Na verdade, é algo único.

Aquela temporada de 2020 foi uma época muito louca, sem a presença dos torcedores, mas – e talvez isso pareça estranho – também foi especial. Encarei como um novo desafio.

Obviamente, como jogador, você quer ouvir a torcida, viver dessa energia e dessas emoções, mas também houve momentos especiais. Podíamos realmente ouvir um ao outro em campo, nos comunicar melhor e não nos distrair.

Também gostei muito do minitorneio da Champions em Portugal. Foi meio que como estar de viagem com a seleção. Jogos só de ida e não de ida e volta. Tudo ou nada. Como se cada partida fosse uma final. Isso nos convinha como time. Favorecia nosso maior ponto forte: essa mentalidade compartilhada que temos no Bayern.

E, se você realmente quiser entender o que é o Bayern, por que o clube tem tantos troféus e continua voltando ano após ano atrás de outros, posso resumir essa mentalidade para você em uma frase.

Vai parecer simples demais, mas honestamente é a maior lição que aprendi desde que cheguei a Munique, sete anos atrás.

No futebol, só tem dois jogos que importam: o último e o seguinte.

É isso aí.

Não importa o que mais você fez. Você é tão bom quanto o seu último resultado. Não faz sentido ficar sentado olhando seus troféus e estudando suas conquistas.

O jogo continua.

As pessoas esquecem.

Sempre tem um novo desafio, um novo campeão.

Kimmich Players Tribune
Ali Yaqub/The Players Tribune

O Bayern realmente encarna isso. Temos no nosso elenco muitos craques que já ganharam tudo — títulos nacionais, Champions, Copas do Mundo —, mas eles continuam vindo treinar diariamente para enfrentar a pressão, dar duro e melhorar. Melhorar de verdade, tanto como indivíduos quanto como time. Para que a gente ganhe o próximo jogo.

Essa atitude é natural para nós. Na verdade, já virou tão parte de mim que, mesmo que eu tente relaxar um pouco, mesmo nos treinos, não consigo. É como se houvesse algo na minha cabeça que não me deixa ficar abaixo de 100%!

Levamos esse espírito conosco para a Champions em 2020.

O primeiro jogo do minitorneio — aquela quarta de final contra o Barcelona — foi uma loucura. No intervalo, voltamos para o vestiário ganhando de 4 a 1. A gente só olhava um para o outro, tipo: “Que loucura! O que está acontecendo???”. Nem acreditávamos. Então, no segundo tempo, fomos lá e marcamos mais quatro. Loucura!

Ninguém esperava um resultado daqueles. Lembro de pensar depois daquele jogo: “É isso mesmo, ninguém pode com a gente agora”.

Com a mentalidade que tínhamos como time e a confiança que tínhamos em nós mesmos e uns nos outros, eu sabia que ganharíamos tudo. Sabe aquilo tudo que faltava na Alemanha de 2018? Tínhamos no Bayern dois anos depois.

Na final, o PSG jogou muito bem. Eles não cometeram muitos erros e criaram boas chances. Talvez eles devessem ter marcado com o Choupo-Moting — hoje em dia a gente pode zoar com ele por causa disso nos treinos! ;-) —, mas nosso espírito de equipe fez a gente se superar depois do gol.

Lembro do meu cruzamento para o Kingsley. Tentei acertar no segundo pau, onde eu sabia que ele e o Lewy estariam. Foi longo demais para o Lewy, mas aí o King se atirou de olhos fechados!

Honestamente, nem consegui comemorar quando a bola entrou. Não queria perder o foco. Na seleção alemã, temos um treinador de bola parada que sempre nos diz que, depois de marcar um gol, os dois minutos seguintes são cruciais, porque há um grande risco de sofrer gols. Quando você marca e extravasa tudo na comemoração, você pode perder aquele nível realmente alto de concentração. Naquele momento, as palavras dele não saíam da minha cabeça.

Quando o árbitro finalmente apitou, fui pego de surpresa. Eu ainda estava tão tenso que não percebi que já tinha acabado. De repente, notei todo mundo correndo, e eu fiquei lá parado no meio de tudo. Acho que o Thomas Müller deve ter percebido que a ficha ainda não tinha caído para mim, porque ele veio, me agarrou pela cabeça e começou a gritar: “CONSEGUIMOS! CONSEGUIMOS!"

Clássico do Thomas, né?

Mas, falando sério, ele me sacudiu para eu perceber: Ai, meu Deus, a gente realmente conseguiu.

Kimmich Bayern Munique
Michael Regan/UEFA via Getty

Depois disso, precisei ir atrás do Serge Gnabry. O Serge e eu nos conhecemos desde que tínhamos 12 anos, na base do Stuttgart, e continuamos juntos.

Deitamos no gramado naquele estádio vazio de Lisboa para aproveitar o momento, olhando o céu. Como não tinha torcida, foi um momento só nosso. O garoto de Bösingen e o garoto de Weissach simplesmente deitados ali, pensando em como tínhamos conversado sobre esse momento 13 anos antes, quando estávamos no Stuttgart. Como mantivemos o sonho em mente todos esses anos, como vimos esse sonho ficar cada vez maior, até que finalmente se tornou realidade para nós dois, no mesmo time, na mesma noite. Foi inacreditável.

Quando o Manu ergueu o troféu, tentei guardar tudo na memória. Tirar uma foto mental e guardar para mim.

Logo, tudo aquilo seria só história.



Aquilo foi naquela época. Agora é agora. Temos mais uma Copa chegando, e todo mundo sabe o que isso significa na Alemanha. Conhecemos a pressão. No Bayern é a mesma coisa.

Quase sempre somos favoritos. A torcida espera que a gente vença todos os jogos. Que domine todos os jogos.

No futebol, só tem dois jogos que importam: o último e o próximo.

Joshua Kimmich

A única diferença é que a pressão é um pouco maior com a Alemanha, porque já faz algum tempo que não alcançamos esse sucesso e, como jogador, você não tem muitas chances em nível internacional de ganhar algo grande pela seleção.

O próximo torneio pode ser o seu último. Você pode não chegar ao seguinte. E para o povo alemão, para os torcedores, a Copa do Mundo é o troféu mais importante – mesmo que, pessoalmente, eu não queira que isso defina se a minha carreira foi perfeita ou não.

A primeira Copa que eu realmente acompanhei foi a de 2006 na Alemanha.

Lembro que eu estava jogando um torneio juvenil em Berlim, e depois meu pai me levou com alguns amigos para a fan fest pra assistir às quartas-de-final contra a Argentina no telão. Tenho clara aquela imagem clara do Oli Kahn indo até o Jens Lehmann logo antes da disputa de pênaltis para lhe desejar boa sorte, e também, claro, do pênalti da vitória do Tim Borowski.

Fiquei arrasado depois da semifinal contra a Itália, mas devo dizer que, mesmo aos 11 anos, não chorei. Foi um verão especial para todo o país e, para mim, foi a primeira vez que senti toda a gama de emoções de seguir a seleção.

A última Copa do Mundo, em 2018, não fez jus às lembranças dos torneios recentes.

Ainda carrego essa decepção.

Kimmich The Players Tribune
Ali Yaqub/The Players' Tribune

Mas isso foi na última, e agora estamos chegando perto da próxima.

Tivemos um bom desempenho nas eliminatórias. Temos um treinador de primeira linha e um elenco com a mistura certa de juventude e experiência para formar um bom time. Já não sou mais o novato. Aprendi muito nestes últimos anos e sinto essa responsabilidade extra pela equipe e pelos resultados. Mas precisamos de todos juntos.

O Thomas certa vez falou sobre isso numa entrevista, e é verdade: quando foi a última vez que a Alemanha teve um ganhador da Bola de Ouro?

A última foi em 1996 (o grande Matthias Sammer, caso você não saiba). E ainda assim, mesmo sem esses “supercraques”, você costuma ver a Alemanha nas semifinais ou na final.

Por quê? Porque nosso negócio é sermos fortes no aspecto coletivo, trabalhando para o time e desenvolvendo essa conexão. É isso que torna a Alemanha grande.

Acho que ninguém entra num torneio se sentindo campeão. É uma mentalidade que cresce jogo a jogo, como um time de verdade.

No passado, talvez tenhamos falado demais em título, e nos precipitamos. Desta vez, sinceramente, não sei qual será a definição de sucesso. Talvez as expectativas sejam um pouco diferentes. Talvez isso seja bom.

Não me entenda mal: continuo sonhando grande. Adoro desafios e sei que podemos ir longe, mas temos que ir passo a passo, juntos.

E tudo começa com a estreia.

Dia 23 de novembro, contra o Japão.

Esse é o próximo jogo. O único que interessa.

Autografo Kimmich

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