Minha Casa, Meu Povo, Minha Vida

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Quando você chega perto da Copa do Mundo pela primeira vez, e está a ponto de tocá-la, só consegue pensar em uma coisa. 

Me belisca. Isso é verdade? 

E quando finalmente você consegue pegar a taça em suas mãos, a única coisa que você faz é olhar para os seus companheiros de time, no meio da comemoração, ainda sem poder acreditar. Ninguém consegue dimensionar o que acaba de acontecer.

Meu Deus do céu, só os campeões do mundo tocam na Copa.

É um momento mágico, único, que não pode ser comparado com nenhuma outra sensação no futebol.  

Ainda me lembro quando, criança, vi o Dunga erguer a taça nos Estados Unidos em 1994. Que alegria! Ali, na tela da minha TV, estavam os heróis do Brasil inteiro.

Qualquer um sabe perfeitamente o que a Copa significa, mas o que poucos imaginam é o que ela esconde.

É que em cada jogador há uma história, uma família, um sonho. Minha Copa do Mundo no Japão escondia muito sacrifício, momentos difíceis, mas especialmente tinha uma coisa: disciplina.

Lucio Copa do Mundo 2002
Clive Brunskill/Getty Images

Talvez muitos achem natural que um jogador do Bayer Leverkusen que acabava de jogar a final da Champions League fizesse parte da seleção, né? Bom, acontece que não é bem assim.

Para entender de verdade aquela noite mágica em Yokohama, convido você a fazermos uma viagem. Primeiro, que você me acompanhe a uma pequena cidade do Brasil, chamada Planaltina, no Distrito Federal. 

Foi lá que o sonho começou. Com meus amigos na rua brincando de pique-pega, pique-esconde e jogando bola, e foi ali que começou a paixão pelo futebol. É algo que vinha arraigado na família, claro. Meu pai gostava de futebol, meus irmãos também. Mas pouco a pouco, na rua, com os amigos, aquilo foi crescendo, ficou mais forte e acabou virando uma verdadeira paixão.

No começo, eu queria ser atacante. Mais especificamente, sonhava em ser um camisa 7. Um ponta-direita com muitos gols. Mas tive que começar lá atrás. Aos 13 ou 14 anos, pela altura e a força física que tinha, me puseram de zagueiro. Era dar um passo atrás, sim, mas comecei a me sentir muito à vontade.

Não é só que eu jogasse lá atrás no campo. Também jogava atrás… de um estádio.

Naquela época, eu jogava futebol amador em uns campinhos atrás do estádio. Muitos times que jogam lá se formam entre amigos, e num desses jogos um treinador do Planaltina me viu e me convidou para fazer um teste. 

Poder treinar com profissionais me ajudou muito na minha formação, e em pouco tempo eu estava jogando o campeonato de Brasília. Ter a toda a família e os meus amigos no estádio para ver os jogos era uma grande emoção. Claro, íamos passo a passo, ninguém tinha ideia de que viraria o que virou, nem eu mesmo imaginava. Estando lá em Brasília, tudo parecia muito distante. 

Até que chegou um jogo fundamental. O Inter foi jogar contra o nosso time, o Guará, pela Copa do Brasil. Foi uma das partidas mais importantes de minha vida. Perdemos de 7 a 0. 

Hahaha. 

Apesar do péssimo resultado, consegui fazer algumas jogadas que chamaram a atenção da diretoria do Internacional, e me convidaram para passar uma temporada lá, nas divisões inferiores. Da tristeza pela derrota passei a uma explosão de alegria, porque o sacrifício começava a dar frutos. A única coisa é que em Brasilia eu já jogava com os profissionais, enquanto o Inter me levaria para as categorias de base. Mais uma vez, para dar um passo adiante, tive que começar dando um passo atrás.

Em cada jogador há uma história, uma família, um sonho.

Lucio

Foi uma grande experiência. Conseguimos ganhar títulos para os juniores, e em 1997 comecei a fazer uns treinos junto com o time profissional. As oportunidades foram aparecendo, e graças a Deus eu também consegui aproveitá-las.

Todos me trataram maravilhosamente, as pessoas sempre me motivavam, até os mesmos treinadores me diziam: “Você já está no elenco profissional, então mantenha a seriedade, a disciplina, o trabalho duro, que é questão de tempo”. Naquele momento, o que eu realmente queria era me firmar no time e ficar por muito tempo. Então, quando veio a oportunidade de jogar no Bayer Leverkusen, foi uma surpresa imensa. 

Eu havia me esforçado muito para que isso acontecesse, mas também tinha a tensão natural pela diferença cultural, de idioma, de ambiente. Além disso, na Europa se concentram os maiores e melhores jogadores do mundo, então isso sempre dá um pouco de frio na barriga, um pouco de preocupação. 

E foi então que eu descobri a alegria de estar nesse clube, e nesse futebol, onde o profissionalismo, o respeito e a disciplina são muito valorizados. Eles dão toda ajuda ao jogador, apoiando-o sempre, mesmo que o resultado da partida não seja bom. E o mesmo acontece com os torcedores, que não são frios, pelo contrário, são muito apaixonados, mas também sabem respeitar o jogador.

Essa mentalidade facilitou muito minha adaptação, especialmente depois de alguns meses, quando chegaram minha mulher e minha filha, e tive a sorte de ter esse apoio. Em campo, eu me sentia muito à vontade, mesmo jogando com temperaturas abaixo de zero, algo novo para mim. 

Assim como acontecia comigo, o clube inteiro vivia essa energia de tentar crescer e aparecer. Havia grandes jogadores. Em 2001, conseguimos nos classificar para a Champions League na última rodada, e no ano seguinte jogamos a final e fomos vice-campeões da Bundesliga. Fomos recebidos como heróis do mesmo jeito. O time foi encontrando uma ideia de jogo, mas especialmente se fortaleceu em jogos importantes, contra a Juventus, o Liverpool e o Manchester United. Quando você entra no estádio e vê a motivação, a alegria e a energia da torcida, e sente que estamos todos na mesma sintonia, então você consegue dar algo mais dentro de campo, algo que o outro time não espera. A gente se olhava como se dissesse… Agora temos que dar um passo a mais.

Algo semelhante aconteceu comigo na seleção brasileira naquele mesmo ano. 

Lucio Selecao Brasileira
Roberto Schmidt/Getty Images

Quando me convocaram pela primeira vez, chorei de alegria. Foi um sonho realizado. Abracei a minha família, enquanto pensava naquela Copa de 94 e imaginava que eu também estaria num Mundial. Era a realização de um sonho da infância que sempre esteve lá, admirando os heróis do Brasil. Então para mim foi... surreal.

Mas nem tudo era perfeito. O momento não era o melhor. Não tínhamos ido bem nas Eliminatórias e havia muita desconfiança da imprensa e de uma parte da torcida. Isto traz um pouco de tristeza, frustração, mas assim, ao longo do caminho, tudo isso se transformou em motivação. 

Verdade seja dita: ninguém tinha o Brasil como candidato ao título. Isto sem dúvida trouxe esse sentimento de que precisávamos trabalhar mais, lutar, ter entrosamento e união entre os jogadores. O respeito entre nós era muito forte, os conselhos, a amizade que havia. 

Destaco a nossa união enquanto grupo, porque isso também teve muito a ver com o Felipão, que analisou muito bem cada atleta, tanto dentro como fora de campo. Com seu estilo, conseguiu controlar muitas vezes, digamos, o ego, a vaidade, o orgulho dentro do grupo, e deixar todos tranquilos, promovendo sempre essa união. Dia após dia, transmitia confiança, motivação e uma vontade de ganhar que era muito forte.

Quando você comete um erro, nem tudo está perdido. Por isso você deve seguir em frente, tem que brigar, fazer o melhor possível.

Lucio

No caminho, foi preciso se sobrepor a alguns obstáculos. No aspecto pessoal, o jogo contra a Inglaterra, pelas quartas-de-final, começou mal para mim. Teve uma jogada difícil, corri olhando para o Owen e quando girei a bola já estava em cima de mim, acabou batendo no meu corpo e foi para onde estava ele, que fez o gol. Eram só 23 minutos de jogo.

Naquele momento só tinha duas alternativas: ou me rendia e acabava piorando a situação, ou tentava lutar e reverter. Tanto meus companheiros como o treinador disseram: “Esquece isso, o time precisa de você”. Essas palavras sem dúvida reforçaram o que eu já pensava. Tinha que olhar para frente. Foi uma experiência de aprendizagem que é muito importante até o dia de hoje, pois demonstra que, quando você comete um erro, nem tudo está perdido. Por isso você deve seguir em frente, tem que brigar, fazer o melhor possível. Foi uma das melhores partidas que eu fiz. Junto com toda a defesa, conseguimos que a Inglaterra não chegasse quase nenhuma vez. O time deu uma grande demonstração de caráter. Conseguimos empatar com o gol do Rivaldo (um alívio), e depois veio o gol da vitória com a cobrança de falta do Ronaldinho.

Quando chegamos entre os quatro semifinalistas, a gente disse: cara, agora dá, hein! Então houve um crescimento, foi muito importante para nós termos essa confiança e traduzir isso em chegar à final.

Teríamos pela frente a Alemanha, que eu conhecia muito bem. Tinha alguns companheiros de clube, e outros jogadores que eu tinha enfrentado na Bundesliga. Uma final entre Brasil e Alemanha, o outro grande time das Copas, sempre ficará em boas mãos, mas eu queria que ficasse nas mãos do Brasil. 

;-)

Foi uma partida que todos jogamos. Nós, dentro de campo, fomos muito superiores, com atitude, procurando o gol, com toda essa energia que tínhamos acumulado desde as Eliminatórias, com a desconfiança que havia sobre nós, e a certeza de que não deixaríamos escapar. 

Nossa torcida que chegou a Yokohama também jogou. Estávamos longe do nosso país e sabíamos como era difícil para os torcedores viajar até o Japão, então antes de entrar em campo sempre olhávamos para o público e absorvíamos aquela energia positiva, imaginando tudo o que tinham feito para estar lá no estádio. 

Lucio gol Brasil
Alex Livesey/Getty Images

Tínhamos recebido muitas imagens do povo no Brasil acordando de madrugada, fazendo festa, parando tudo para ver os jogos, então isso nos dava mais gás para entrar com mais vontade de vencer. Das grandes cidades até as zonas mais rurais, recebíamos mensagens de apoio, de confiança. Tudo isso fazia nosso entusiasmo crescer. Você sabe que não está sozinho, que há milhões por trás de você.

Talvez por jogar na Alemanha, pude contribuir com um detalhe importante na falta do Neuville, meu colega no Bayer Leverkusen, quando estávamos em 0 a 0. Nas semifinais da Champions, ele fez um golaço de fora da área contra o Manchester United. Então, quando veio a falta para a Alemanha, tive um clique e disse: “Pô, às vezes a gente acha que porque é baixo e parece fraco ele não pegou bem”. Acontece que ele era um grande batedor de falta.

“Tenho que avisar o Marcos!”, pensei. E enquanto arrumava a barreira, consegui avisá-lo que esperasse um chute perigoso. Acho que ajudou muito. Neuville chutou muito forte, Marcos conseguiu tocar na bola e pegou na trave. Depois o Marcão brincou: “Valeu, valeu!”.

Por sorte chegaram os gols do Ronaldo. Depois do 2 a 0, bastava defender bem, mas o sentimento do que estava prestes a acontecer ia crescendo. Era preciso respeitar o rival até o final, mas o sonho estava mais perto.  

Todo esse sacrifício. Todas as lesões. As dúvidas e os momentos difíceis. Só uns minutos a mais. 

Brasil pentacampeao 2002 Japao Copa do Mundo
Antonio Scorza/Getty Images

Aquele menino que jogava atrás do estádio, que queria ser atacante, que foi lutar na Alemanha, estava lá, comemorando em Yokohama. Como os heróis de 1994.

Quando por fim toquei a taça, só pude sentir gratidão. A Deus, à minha família, ao meu povo, à minha gente. Isso é o que a minha Copa do Mundo esconde. Não era só eu que a estava erguendo. Eram todos eles.  

Agora você já sabe. 

Já sabe que o futebol oferece amor e oportunidades para todos, mas que é preciso estar disposto a fazer um esforço muito grande para se destacar.  

E já sabe que, muitas vezes, para dar um passo adiante, você precisa saber começar lá atrás.

Autografo Lucio zagueiro

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