Queridas Mulheres Pretas

Gregory Shamus/Getty Images

Queridas Mulheres Pretas,

Eu preciso que vocês me ouçam por um minuto. Eu preciso que vocês sintam isso.

Se você está aqui pra ver a A’ja sorridente ou a A’ja perfeita ou A’ja infalível, sinto muito. Já antecipo que esta não é a A’ja que você verá aqui.

Quer saber? Vou até te dar uma opção melhor: divirta-se com esse vídeo incrível dos meus cachorros e depois vá cuidar das suas coisas.

Mas para todos que desejam ver a verdadeira A’ja, eu serei franca com vocês por um minuto. Eu tive uns meses tenebrosos, pessoal.

E eu sei como isso provavelmente soa, visto de fora. Por que eu realmente devo me sentir mal? Cheguei à minha primeira final da WNBA. Eu ganhei o troféu de MVP. Fui homenageada com uma estátua no campus da minha universidade na Carolina do Sul.

Uma estátua.

De bronze. Dentro do campus. Para sempre. O mesmo campus em que minha avó nem conseguia colocar os pés durante o período de segregação racial. Ela tinha de contornar a universidade quando caminhava pelas ruas da região.

Tenho 24 anos. E tenho uma estátua naquele campus. Isso não passou despercebido para mim.

Aja Wilson basquete feminino EUA WNBA
Getty Images

Mas tenho que ser honesta com vocês. Antes disso, passei alguns meses bem difíceis. Por fora, parecia que eu estava no topo do mundo. Por dentro, eu não estava OK.

Tudo começou depois que perdemos as finais e eu me aventurei fora da bolha da WNBA pela primeira vez em três meses. Confinada ali dentro, eu foquei no basquete. Tentar ganhar o título, tentar provar que as pessoas que duvidaram estavam erradas sobre o potencial da nossa equipe... Foi muito desgastante. Era como estar presa numa realidade paralela. E o que tornou tudo tão surreal é que havia muito trauma, emoção e energia rolando no mundo exterior durante o verão, enquanto estávamos dentro dessa bolha literal de quartos de hotel e quadras de basquete. Eu meio que fiquei insensível a tudo o que estava acontecendo. Acho que essa foi a minha maneira de priorizar o basquete diante da angústia das notícias que eu lia pelo celular. Era como se eu não estivesse processando totalmente a dor envolvida em todas as questões lá de fora.

Eu estava apenas... Vazia.

Então, quando eu finalmente saí daquela bolha e voltei ao mundo real, foi como se houvesse uma quebra.

A descompressão me levou direto à depressão.

Aja Wilson mulheres negras
Ned Dishman/NBAE via Getty Images

Eu simplesmente estava com muita raiva de mim mesma. Eu senti como se tivesse decepcionado meu time na final. Houve muitos dias em que eu não conseguia me levantar da cama. Era como se eu realmente não conseguisse controlar meus movimentos. Eu estava fora do meu corpo, flutuando dentro da minha própria cabeça.

Você não fez o suficiente. Você decepcionou todo mundo.

Você não fez o suficiente. Você não fez o suficiente. Você não fez o suficiente.

Você sabe como funciona esse ciclo, né?

Essa ansiedade toma conta de você.

Mas eu não contei a ninguém. Eu mantive tudo em segredo da minha família, até mesmo dos meus pais, porque não queria que eles se preocupassem comigo. Como mulheres negras, quantas de nós colocamos essa máscara todas as manhãs? Tem de ser perfeita! Deve estar sempre sorrindo! Tem de ser forte!

Ser uma mulher negra é como se... Fraqueza?

Que fraqueza?

Não temos tempo pra isso!!!

Eu testemunhei isso com minha própria mãe quando era criança. Ela poderia ter tido o dia mais difícil no trabalho, mas, quando voltava pra casa à noite, era só sorrisos. Você nunca a pegava no pulo. Nunca vi ela chorar.

Quantas de nós não caímos no mesmo padrão? Quer dizer, isso é o que eu imagino que aconteça — não como uma jogadora de basquete, mas como uma mulher preta nos Estados Unidos. Como A’ja. Sinto que preciso lidar com todas as situações com graça, equilíbrio e positividade. Eu não posso deixar que me flagrem perdendo a calma, certo?

Ser uma mulher negra é como se... Fraqueza? Que fraqueza? Não temos tempo pra isso!!!

Você sabe que a A’ja resolve seus B.Os.

Não se preocupe com a A’ja.

A’ja está bem.

(Enquanto isso, quando retiram todas as câmeras e vou pra cama sozinha, eu caio no choro.)

Para mim, tudo transbordou enquanto eu estava de férias com minha família há alguns meses. Deveríamos estar nos divertindo e relaxando depois de um ano incrível, mas minha ansiedade estava no limite. Eu não conseguia parar de ficar nervosa. Comecei a pirar, de verdade. É difícil de explicar, mas meu corpo parecia meio entorpecido. E então, de repente, foi como se meu mundo tivesse ficado muito, muito pequeno.

Eu mal conseguia respirar.

Tudo estava embaçado.

Eu não conseguia ouvir nada.

A pior parte de um ataque de pânico é que, da primeira vez, você nem mesmo entende o que está acontecendo — o que torna tudo 10 vezes mais assustador. Você começa a cavar cada vez mais fundo no buraco porque não consegue compreender o que está acontecendo.

A única coisa que consegui ouvir foi a voz da minha mãe. Era como uma pequena bola de calor na escuridão para onde eu estava gravitando.

Minha mãe não parava de dizer: “Só preciso que você volte, ok?”.

Era como se eu estivesse girando em algum lugar no espaço profundo e o som da voz dela estivesse me puxando de volta para a Terra.

“Vai ficar tudo bem. Apenas volte. Apenas volte.”

Todo amor do mundo pelo meu pai, mas tem alguma coisa na voz da minha mãe, sabe? Essa foi a minha âncora.

O calor da sua voz me trouxe de volta, e eu fui capaz de me acalmar.

A pior parte de um ataque de pânico é que, da primeira vez, você nem mesmo entende o que está acontecendo — o que torna tudo 10 vezes mais assustador.

Depois daquele dia, eu não poderia fingir que nada estava errado. Obviamente, não era apenas basquete. Não se tratava somente das finais. Comecei a perceber que há muito tempo eu estava enterrando essa dor e essa tristeza. E eu acho que uma grande parte disso foi eu não ter aceitado totalmente a morte de minha avó alguns anos atrás. Os últimos anos da minha vida foram uma jornada realmente louca — ir para a Carolina do Sul, vencer o campeonato nacional, ser escolhida para a WNBA, a temporada da bolha... Quando você está naquela montanha-russa, pode ser difícil processar a vida real. Muito menos uma perda real.

Eu realmente não consigo resumir o que minha avó significava pra mim. É impossível. Esta é uma memória tão aleatória, mas nunca vou me esquecer de estar no funeral de um amigo da família, quando minha avó tinha provavelmente 80 anos. Foi um daqueles cultos longos, e como estávamos todos de pé, não pude deixar de notar uma garota que estava realmente incomodada. Ela estava pisando na ponta do pé, pra frente e pra trás. Os sapatos dela estavam apertando os pés, tadinha.

Alguns minutos depois, eu olho e vejo minha avó parada lá, balançando um par dos tamancos mais desconfortáveis ​​que você pode imaginar. Eu nem sei de onde essas coisas vieram. Chutaria da Suíça do século XIX.

Eu fico tipo: “Vó, quê isso?”.

“Bem, a menina precisava de sapatos novos. Nós trocamos.”

Cortesia de A'ja Wilson

Ela era tão prestativa. E eu fico arrepiada pensando em uma memória tão simples como essa porque... Ufa. Não sei como explicar, mas acho que a principal missão da minha avó na vida era: “Como posso ajudar?”.

Estou falando de uma mulher que cresceu no Sul segregado. Ela era uma mãe solteira de quatro filhos. Dois empregos. Não podia andar pelo campus da Carolina do Sul para ir ao supermercado. Tinha que desviar do caminho. E, apesar de tudo isso, todo o seu propósito era: Como posso ajudar?

Agora, ela não era uma molenga!! Ela era durona, muitas vezes. Ela tinha que ser. Mas o principal ainda era: “Você está bem? Você quer trocar, querida? Eu estou bem. Você pega o meu. Não, não, não, você pega o meu”.

Ela era como uma lição viva. Para mim. Para nossa família. Para nossa comunidade.

Perder uma mulher assim na minha vida... O que posso dizer? Eu simplesmente não fui capaz de processar isso. Enterrei a dor por anos. E, então, neste outono, quando a bolha finalmente estourou, e eu senti como se tivesse falhado, e o mundo parecia estar enlouquecendo ao nosso redor, todas aquelas emoções simplesmente vieram à tona.

Sim, eu lutei contra a depressão.

Depois de uma temporada em que fui eleita MVP.

Sim, tive ataques de pânico.

Depois de uma temporada de MVP.

Isso não é fraqueza. Não é uma história triste. É apenas uma história real.

Enfim, eu precisava passar por isso. Tive que aceitar as emoções complicadas que havia enterrado por tanto tempo, para que pudesse crescer como pessoa. E isso é graças ao meu psiquiatra, o Doutor Casey.

Eu tive que aceitar — não, não, não, eu tive que aceitar — o fato de que a verdadeira A’ja que eu sou em certos dias não é a mesma A’ja que um comentarista vê, ou que uma colega de equipe vê, ou que até o meu melhor amigo vê.

E isso é OK.

Minhas emoções são minhas emoções. Minha dor é minha dor. Minha história é minha história.

Ouça, eu amo Kobe. Eu costumava me inspirar assistindo às entrevistas dele no YouTube — me deixando louca tipo: É melhor você acordar às 5 da manhã e estar na academia antes de todo mundo, A’JA!!! MAMBA MENTALITY!!! ELAS ESTÃO DORMINDO, VOCÊ ESTÁ MALHANDO!!!

Mas quer saber a verdade? Em algumas manhãs, eu não quero ser essa pessoa. Em algumas manhãs, quero sentar na cama e talvez chorar um pouco mais, e sentir todas as emoções. Isso não é fraqueza. Isso é honestidade.

No fim do dia, existem diferentes caminhos para a grandeza. E eu sinto que não ouvimos essa mensagem o suficiente, especialmente como mulheres pretas.

Aja Wilson MVP WNBA basquete
Ned Dishman/NBAE via Getty Images

Você pode ser vulnerável e ainda ser a MVP.

Você pode ser vulnerável e ainda ser a CEO.

Você pode ser vulnerável e ainda estar na Casa Branca.

Você não precisa colocar a máscara todas as manhãs.

E escute, eu entendo se você decidir colocar essa máscara em alguns dias. Como mulheres negras, há muita pressão sobre nós para sermos tudo para todos. Espera-se que usemos vários chapéus diferentes e façamos malabarismos com tantos papéis diferentes — e façamos tudo com um sorriso no rosto. (Porque você sabe como eles vão nos rotular se não o fizermos, né??)

Entendo.

Eu juro, é como se estivéssemos sempre pensando tanto em todo mundo que nos esquecemos de nós mesmas.

Bom, vou dizer em voz alta, para qualquer um que precise ouvir hoje…

Você é suficiente.

Não, não não... Mais do que o suficiente.

Você pode ser vulnerável e ainda ser a MVP. Você pode ser vulnerável e ainda ser a CEO.

A'ja Wilson

Na verdade, o melhor ainda está por vir.

Essas são as palavras exatas que minha avó costumava me dizer quando eu era pequena. Tão simples. Tão poderoso.

O melhor está por vir.

Pensei nessas palavras quando inauguraram minha estátua no mês passado, e elas adquiriram um significado muito mais profundo. Depois de alguns meses tão difíceis, ver aquela estátua foi um momento decisivo para mim. Foi um pequeno raio de sol. Mas talvez não da maneira que você pensa.

Estou morrendo de vergonha por ser eu lá em cima. Mas estou tão, tão honrada, não me entenda mal. Isso é demais, e uma parte de mim não se sentia merecedora. Eu estava tão nervosa na hora de fazer o meu discurso — meio atordoada com o momento. Mas então fiquei pensando no que minha avó diria se estivesse lá pra ver. E, então, tudo fez sentido.

A estátua... Não é sobre mim.

É sobre nós.

Aja Wilson basquete estatua
Kris Lumague/Las Vegas Aces

É sobre todas as meninas que vão andar por aquele campus nos próximos 10, 50, 100 anos. Em pouco tempo, elas provavelmente nem vão se lembrar do nome A’ja Wilson. Mas elas com certeza vão se lembrar da sensação de ver uma jovem negra imortalizada pelo sangue, suor e lágrimas que ela deu para sua faculdade, seus torcedores, sua comunidade. E essa é uma imagem tão importante para as meninas verem — especialmente no Sul do país.

Espero que façamos um bom trabalho ensinando a história dessas meninas. Em 100 anos, quem sabe o que elas vão pensar sobre os tempos que estamos vivendo... Quem sabe do que elas vão se lembrar?

Mas a verdade é...

Aquela jovem preta imortalizada numa estátua de bronze, no ano de 2021?

Sua própria avó não tinha permissão para pisar no mesmo campus quando ela tinha sua idade.

Seu próprio pai não tinha permissão para jogar basquete na mesma universidade quando tinha a idade dela.

E ela mesma caminhou para a escola no ensino fundamental por ruas com nomes de proprietários de escravos, passando por casas que orgulhosamente hasteavam a bandeira dos Confederados.

Quando eu vi minha estátua, essa é a onda que quebrou em mim. Essas foram as memórias que vieram à tona. Nem meus jogos, nem minhas cestas, nem minha carreira. Não, não, não. Minha história.

Chorei lágrimas de felicidade, pela primeira vez em muito tempo. Foi como se uma voz viesse do céu. Eu podia sentir minha avó segurando a minha mãe e dizendo: “Querida, pare de chorar. Por que você está chorando, afinal? Você sabe que o melhor ainda está por vir, certo?”.

Foi como se eu respirasse longa e profundamente. E então o peso sumiu.

Aja Wilson basquete
Laquan Sumpter

Esta é a minha história. Esta é a minha verdade.

Como é bom apenas dizer isso.

Putz, isso é muito bom!!

E antes de eu me despedir — meu único conselho pra você, que está se sentindo como eu? Deixe sair. Abaixe a máscara por um minuto e fale com alguém. Um terapeuta, um amigo, um membro da família, alguém.

Deixe o peso sair de seus ombros. Apoie-se em outra pessoa por um minuto.

Nós seguramos a sua mão.

Sim, nós seguramos você.

Nas palavras de uma lenda: “Você pega o meu. Não, não, não, querida. Você pega o meu”.

Atenciosamente,

A’ja

autografo Aja Wilson

VEJA MAIS