Meu Livro de Momentos

Martin Rose/Bongarts/Getty Images

To read in English, click here.

Per leggere in italiano, clicca qui.

"Na vida, temos de colecionar momentos. Só estamos aqui de passagem."

O meu primo me disse essa frase há alguns anos. Acho que foi uma maneira linda de enfatizar que temos de saborear os melhores momentos da vida, porque o tempo voa e depois só nos resta olhar para trás e ver o que vivemos.

No meu caso, porém, sempre pensei que a minha vida é feita de capítulos. Então, gostaria de compartilhar alguns deles com vocês.

Não segui uma ordem cronológica, porque é deste jeito que faz sentido para mim.

Capítulo 3: Mourinho na Piazza del Duomo

Em 2009 fomos campeões da Serie A com a Inter de Milão. Tivemos uma temporada bastante longa entre jogos, treinos, viagens, concentrações e distância da família. E chegou o momento em que éramos finalmente campeões italianos.

Por isso, era hora de comemorarmos muito.

Isso é o que os campeões fazem, certo?

Mas o nosso técnico era nada mais nada menos do que José Mourinho. E digamos que o Special One tinha um plano diferente.

Hahaha.

Aconteceu o seguinte: estávamos na concentração em Milão no sábado à noite, esperando para jogar contra o Siena no domingo. Sabíamos que se o Milan perdesse para a Udinese naquela noite, nós já seríamos campeões. Estávamos todos juntos assistindo à partida. Quando o jogo acabou com derrota do Milan, nós enlouquecemos.

INTER, CAMPIONE D’ITALIA! 

Shaun Botterill/Getty Images)

Afinal, aonde vamos agora?

Fácil. A principal praça de Milão se chama Piazza del Duomo, onde a Inter costuma comemorar seus títulos com a torcida. Mas quando conversei com Javier Zanetti, o nosso capitão, e outros jogadores, eles disseram que o Mourinho não queria que fôssemos para lá.

Ele gostaria que descansássemos antes do jogo contra o Siena. Só que não fazia sentido algum! Já éramos campeões. Não disputávamos mais nada, não havia mais nenhum outro torneio pela frente.

Então percebi que o objetivo do Mourinho era quebrar o recorde de vitórias em uma única temporada da Serie A ou algo do tipo. Enfim, era mais um feito que ele poderia colocar no currículo.

Quando soube que era esse o motivo, fiquei p*** da vida, hahaha. Falei para o Zanetti "Nós temos de ir para a Piazza. Nós merecemos isso."

Enquanto esse papo acontecia, o Mourinho passou e escutou o que eu disse. E gritou "Julio Cesar, vai você sozinho!".

Eu respondi "Todo mundo aqui quer ir para a praça. Eles só têm receio de falar com você, mas eu não tenho."

Mourinho continuou caminhando em direção ao quarto dele. Eu não iria simplesmente aceitar aquilo – fui atrás dele. Ele entrou no quarto. Eu também entrei. Quando ele deitou na cama, eu disse "Olha, se você não for para a Piazza, você nunca mais vai ganhar um título."

De repente, ele levantou da cama e começou a me xingar de tudo quanto é nome. Não tenho certeza, mas parece que ele levou a sério o que eu falei.

De qualquer jeito, dois ônibus chegaram no hotel para nos levar à Piazza del Duomo.

Pouco depois já estávamos na praça, comemorando e cantando com a torcida. Chegou uma hora — eu estava muito alterado — e eu peguei o Mourinho pelo pescoço e disse "Então você queria ficar no hotel, né? Olha para isso! É para você!"

Ele caiu na gargalhada. Chegamos às 5h no centro de treinamento e fomos direto para a cama.

No dia seguinte, vencemos o Siena por 3 a 0.

Capítulo 4: Lágrimas em Madri

Em 2008-09 a minha relação com Mourinho era de pai para filho. E então ficou… bom, vamos dizer que virou algo mais complexo.

No primeiro semestre de 2010 nós estávamos disputando o título da liga, da Copa da Itália e da Champions League — a Tríplice Coroa clássica. Eu estava jogando muito mal. A minha confiança tinha sumido. Um dia, eu estava me aquecendo para o treinamento, Mourinho veio caminhando na minha direção lentamente e disse, com muita frieza:

"Olha, você foi de melhor goleiro do mundo a goleiro de Série C."

Hahaha.

Esse era o jeito dele para me estimular, sabe? Ele queria que eu ficasse com raiva para entrar em campo com gana. E dava certo também com a maioria dos nossos jogadores. Aquele time conquistou muitos títulos porque a relação do Mourinho com o elenco era direta e transparente. Não importava quem fosse o jogador, se ele tivesse de criticar alguém, era na frente de todo mundo. Mas o ponto é que nem todo mundo reage bem a esse estilo de liderança. Eu, por exemplo, não respondi positivamente. Perdi força. Estava bastante inseguro em campo.

Mesmo assim, outro ótimo ponto de trabalhar com o Mourinho era a receptividade dele quando algum jogador julgava necessária uma conversa em particular. Então, na reta final daquela temporada nós tivemos uma longa reunião que aparou muitas arestas.

Antes desse nosso papo franco, eu estava triste e pesado.

Após a reunião, voltei à normalidade.

Poucos meses depois, a UEFA me elegeu o goleiro do ano na Europa. Fomos campeões da liga e da copa, mas a Champions League foi a grande conquista. Havia 45 anos que a Inter não vencia o torneio, e o presidente do clube, Massimo Moratti, tinha obsessão por ele.

Jogamos a final contra o Bayern de Munique no Santiago Bernabéu, em Madrid. Convidei entre 70 e 80 pessoas! Toda a família, amigos — dos EUA, Itália, Brasil, de vários lugares. Quando o árbitro apitou o fim do jogo, eu atravessei o campo para comemorar com a minha família e os meus amigos. Naquele momento eu só queria a minha mãe, Maria de Fátima. Ela sempre foi a minha maior incentivadora, desde pequeno. Foi ela quem não deixou que eu desistisse do futebol de campo quando eu era garoto. Eu gostava mais de futsal. Dei um beijo nela e nos abraçamos, muito emocionados.

É maravilhoso compartilhar um momento como esse com as pessoas que me apoiaram ao longo de todo o caminho.

No campo, os jogadores e a comissão técnica estavam todos se abraçando, se beijando, lágrimas por todos os lados… Vejo o meu filho, Cauet, e o coloco nos meus ombros para irmos ao gramado e comemorar com os meus companheiros.

Tive o privilégio de comemorar com ele também aquele momento tão especial.

Shaun Botterill/Getty Images

Capítulo 2: A Família Mengão

Não vou negar: o lado financeiro sempre pesou quando tive de fazer escolhas ao longo da minha carreira. Em 2005, o Flamengo me ofereceu um contrato dentro da realidade do clube naquele momento. Mas a Inter me fez uma proposta melhor, e eu aceitei.

Se o Flamengo tivesse empatado com os números da Inter, eu teria ficado no clube?

Sim, sem dúvida alguma.

Olha, eu sou muito Flamengo. Nasci no Rio de Janeiro. Meu pai, Jenis, também é Flamengo. Meus dois irmãos mais velhos, Júnior e Janderson, são Flamengo. Todos eles são loucos pelo Mengão. Comecei no clube quando eu tinha nove anos de idade. A instituição me formou como pessoa e jogador. Eles me pagaram meu primeiro salário e colocaram comida na minha casa. Foi lá que eu fiz a minha estreia profissional, aos 17 anos.

A minha saúde, a minha família, a minha condição financeira… Tudo o que eu tenho hoje eu devo ao Flamengo.

Infelizmente, nunca conquistei um título de grande expressão com o Flamengo. Durante as quatro temporadas em que fui titular, entre 2001 e 2004, lutamos contra o rebaixamento em três anos.

Cara, sofremos muito haha, foi muito mesmo!

Quando você joga por um clube que tem 40 milhões de torcedores, é como se você tivesse representando uma nação, sabe? Eles são muito apaixonados e exigentes. Em momento de má fase nós mal saíamos de casa, porque a pressão era muito grande. Ir a um restaurante? Esquece.

Mesmo assim, os torcedores sempre demonstraram amor e carinho por mim. Acho que por eu ter crescido na base do clube, eles se identificam comigo, sabem que entendo o sentimento deles. E eu nunca escondi o meu lado emotivo, seja rindo ou chorando.

Além disso, nunca fomos rebaixados. A torcida tem muito orgulho em dizer que nunca disputou a Série B, o que já aconteceu com vários clubes grandes no Brasil.

O meu maior arrependimento é a Copa Libertadores, uma competição importantíssima para o Flamengo. Quando fiz a minha estreia profissional, o clube tinha conquistado o torneio apenas uma vez, em 1981, quando eu tinha dois anos. A única oportunidade que tive de disputar a Libertadores aconteceu em 2002. Caímos no mesmo grupo do Olimpia (Paraguai), Universidad Católica (Chile) e Once Caldas (Colômbia). No Brasil, ninguém sabia quem era o Once Caldas. O presidente do Flamengo na época, Edmundo Santos Silva, voltou do sorteio dizendo que o nosso grupo era moleza.

Ele sentou do meu lado e falou "Vamos pegar o Once Caldas."

O pessoal respondeu "Quem?"

A reação dele foi "Exatamente."

O meu maior arrependimento é a Copa Libertadores, uma competição importantíssima para o Flamengo.

Júlio César

Verdade seja dita, a maioria dos torcedores pensou o mesmo. Mas no final das contas o Once Caldas era um bom time, a Católica era bastante respeitada, e o Olimpia se sagrou campeão.

É… e nós terminamos a primeira fase como lanterna do grupo. Um desastre.

Capítulo 5: Um Boxeador em Toronto

Em 2012, depois de sete anos e meio na Inter, nunca imaginei que jogaria por outro clube.

Jamais imaginei que iria para o Queens Park Rangers.

Todo o processo foi muito difícil. A Inter queria enxugar a folha salarial, então o elenco começou a se desfazer. Eles tentaram renegociar o meu contrato, eu não aceitei, então decidi sair. Foi tudo muito triste.

Havia apenas uma proposta na minha mesa: do QPR. Como sempre, o dinheiro pesou, mas também acreditei no projeto que me foi apresentado. A possibilidade de jogar a Premier League me animou, Londres é uma cidade fantástica. No entanto, nada saiu como planejado. O clube investiu pesado, mas ainda não existia uma mentalidade vencedora. Fomos rebaixados. Da minha parte, fui bem sob o comando do Mark Hughes. Mas quando o Harry Redknapp assumiu, acabou para mim.

Eu e o Harry tivemos algumas questões, mas sempre com respeito. Ele escolheu outro goleiro, o Robert Green. Tudo bem. Mas era uma situação estranha, porque ele sempre me dizia "Você é um goleiro fantástico." A minha resposta era "Então me coloca para jogar!"

O mais incrível dessa época era que enquanto eu não tinha oportunidade no QPR na Championship, eu era titular da seleção brasileira! Em novembro de 2012 a CBF contratou o Felipão. Na primeira passagem dele pela seleção, uma década antes, ele tinha me dado a minha primeira convocação. Ele me convocou de volta logo no primeiro jogo, um amistoso contra a Inglaterra.

A imprensa passou a criticá-lo, porque tinha escolhido um goleiro que não jogava no seu clube. Pessoas diziam que a minha carreira estava em decadência. E o QPR não dava a mínima para eu ser titular do Brasil, a seleção mais respeitada do mundo. Até quando o Brasil ganhou a Copa das Confederações em 2013 e fui eleito o melhor goleiro do torneio, nada mudou. 

Acho que se eu ficasse dois anos sem levar um gol pelo Brasil, eu ainda permaneceria no banco de reservas do QPR.

Jon Super/AP Photo

Enfim, a pressão sobre o Felipão aumentou ainda mais durante o ano seguinte. Tínhamos a nossa Copa do Mundo pela frente, no Brasil, e qualquer coisa diferente do título seria um desastre. Nove meses antes do Mundial, o Felipão declarou o seguinte em uma coletiva de imprensa: "Mesmo que ele não jogue no clube dele, Julio Cesar estará na Copa do Mundo."

Isso era algo grande para ser dito assim, meses antes da convocação final para a Copa. De qualquer maneira, ele me garantiu no elenco. Era um jeito de ele tirar a pressão de cima de mim, e eu serei eternamente grato a ele por causa disso.

Mas eu jogaria na Copa do Mundo? Essa era outra questão. Felipão só tinha dito que eu seria um dos três goleiros do grupo.

Por isso, eu teria de aceitar qualquer chance de mostrar que eu estava em forma.

Em novembro de 2013, o Brasil fez um amistoso com o Chile em Toronto, no Canadá. Seria o último jogo da seleção em três meses e meio. O meu problema era que, dois meses antes, eu tinha quebrado um dedo da mão e deslocado outros dois. Não poderia haver um timing pior. O fisioterapeuta do QPR disse que eu não me recuperaria a tempo para o jogo do Chile.

Mas meu pensamento era "Não, eu preciso estar lá."

O Felipão me ligou. "E aí guri, como tu estás?"

"Pode contar comigo."

"Como? Você acabou de quebrar um dedo..."

"Pode confiar."

Nessa época eu contratei um fisioterapeuta do Brasil, o Fred Manhaes, que me conhece desde que eu tinha 17 anos. Ele tratou os meus dados no QPR e em casa. Em poucas semanas eu já estava bem melhor. Esse trabalho extra, fora do clube, foi decisivo para a minha rápida evolução. No QPR eu seguia um plano bastante conservador, mas em casa o quadro já estava bem mais avançado. Comecei a treinar em um parque de Londres com o meu filho, que chutava bolas para eu defender. Fazíamos isso em casa também.

No QPR eu estava fazendo trabalhos com a bola de esponja.

Em casa eu já estava sentando o couro!

No dia da convocação para o amistoso, o Felipão me ligou de novo, e eu disse que eu já estava 100%. O staff do QPR não estava acreditando. O médico que tinha me operado disse que nunca havia visto uma recuperação tão rápida.

Eu joguei aquela partida. Vencemos o Chile por 2 a 1.

No QPR eu estava fazendo trabalhos com a bola de esponja. Em casa eu já estava sentando o couro!

Júlio César

Isso não significa, porém, que o Felipão já me via como titular para a Copa. Embora ele tivesse dito para a imprensa que já estava convocado, ele demonstrava muita preocupação por eu não estar jogando no QPR. Ele me ligava constantemente.

"Alô, guri?! Arrumaste um clube?"

A situação me incomodava também. Seis meses depois do título da Copa das Confederações, a imprensa já estava questionando a minha situação outra vez. Quando abriu a janela de transferências de inverno na Europa, eu tinha de arranjar uma saída do QPR. Só que o único clube que me ofereceu um contrato foi o… Toronto.

(Não, o Flamengo não me fez uma proposta, diferentemente do que diziam os rumores da época).

Sendo sincero, ser emprestado ao Toronto não era a transferência dos sonhos. Mas como eu queria jogar a Copa do Mundo, eu precisava estar em campo. No final das contas, deu certo. Cheguei lá em fevereiro, e nos três meses seguintes eu vivi futebol todos os minutos da minha vida. Era casa, treino, casa, jogo, casa, treino, casa. Eu estava extremamente focado.

Eu me sentia como um boxeador se preparando para a luta da vida.

Capítulo 6: O 7 a 1

Então... Eu estaria mentindo se dissesse que é algo superado. Não tem como superar isso. Vou ficar marcado para o resto da vida por causa disso, ainda mais sendo goleiro. O torcedor pode esquecer quem era o lateral-esquerdo, o meia… Mas o goleiro? Impossível. Você sabe o caminho que essas conversas tomam.

"Mas quem era o goleiro do Brasil naquela Copa da derrota por 7 a 1 para a Alemanha, na semifinal?"

Ah, sim, era o Julio Cesar!

Mas o que eu posso fazer? Tenho de me reerguer. Isso passa por muito trabalho psicológico. Você precisa tentar olhar para frente. Hoje, graças a Deus as pessoas falam menos sobre isso, mas tenho de aceitar que aquele jogo nunca sairá de mim por completo. Nunca.

Outro ponto que gostaria de ressaltar é que nunca me arrependi de ter jogado aquela Copa do Mundo. Eu faria tudo igual de novo — menos o resultado final, claro. Joguei uma Copa do Mundo no meu país. Foi o meu terceiro Mundial com o Brasil, uma honra gigante.

Eu também nunca vou esquecer as cobranças de pênalti contra o Chile nas oitavas de final. Quando eu defendi aqueles dois chutes, o Brasil inteiro estava paralisado. O país defendeu aquelas bolas comigo.

Não importa o que digam, nada pode tirar de mim o sentimento que eu tive naquele dia.

Mas depois veio o 7 a 1, um choque imenso. Estávamos arrasados. Acredito que cada jogador brasileiro que entrou em campo naquele dia saiu do gramado uma pessoa diferente.

Depois da partida eu comuniquei a minha família que eu iria me aposentar.

Eu estava tão para baixo que eu tinha me esquecido do porquê sou um apaixonado pelo futebol em primeiro lugar.

Francois Xavier Marit/AFP via Getty Images

Capítulo 1: Júnior no Maracanã

Quando eu era garoto, eu adorava ir ao Maracanã com o meu pai e os meus irmãos para assistir ao Flamengo jogar. Morávamos perto do estádio, na Rua Visconde de Santa Isabel. O meu coração acelerava toda vez que subíamos a rampa de acesso. Era sensacional!

O meu pai ficava bastante preocupado comigo e com os meus irmãos. Ele gritava "Todo mundo junto!". Ele pedia ao meu irmão mais velho para ficar de olho nos mais novos. "Dá a mão para os seus irmãos". Aí caminhávamos pela multidão. Lembro de uma vez que estávamos na histórica Geral em 1987, o Flamengo ganhou do Santa Cruz por 3 a 1, com três gols do Zico. Eu tinha sete anos, mas me recordo como se fosse ontem, principalmente o último gol, que ele bateu uma falta na gaveta. Golaço!

Também estávamos lá quando o Flamengo estava jogando contra o Criciúma, acho, e o Júnior — o grande Leovegildo Lins da Gama Júnior — estava com a bola na intermediária. Quando ele começou a posicionar o corpo para chutar, meu pai gritou "NÃÃÃÃOOO!"

Ele não queria que o Júnior chutasse de longe. Mas o Júnior colocou a bola no ângulo, e a Geral

inteira foi à loucura. Meu pai me pegou e começou a pular, e eu falei para ele "Pô, mas tu falou para ele não chutar...". A reação dele foi "Não importa, é gol! É gol!"

Eu sorri para ele, que me pegou de novo e pulou mais um pouco para comemorar aquela pintura.

Capítulo 7: Voltando para casa

Depois da Copa do Mundo de 2014, a minha situação no QPR também foi uma das razões que me fizeram decidir pela aposentadoria. Eu não tinha qualquer motivação para jogar lá. Eu me sentia inútil.

Felizmente, passadas algumas semanas as coisas se ajeitaram e eu optei por continuar com a minha carreira. Você pode aceitar o que a vida te apresenta ou você pode reagir. Escolhi reagir.

Rapidamente eu já tinha acertado a minha ida ao Benfica.

Por que o Benfica? Na época eu já amava Lisboa. E hoje posso dizer que o Benfica sempre terá um espaço especial no meu coração. Juntos, vencemos seis títulos em três anos e meio. Mas acima de tudo eles me deram a chance de me apaixonar pelo futebol de novo. Terei gratidão eterna pelo presidente Luís Filipe Vieira por ter me estendido a mão no pior momento da minha carreira.

Ainda assim, em novembro de 2017, senti que o meu ciclo no Benfica tinha se encerrado. Então, rescindi o meu contrato.

Aquela era a minha carreira, então.

Tenho algum arrependimento? De jeito nenhum. Joguei por mais de duas décadas. Conquistei muitos títulos de expressão. Sou extremamente grato por tudo o que vivi.

Deus me deu muito mais do que eu imaginava quando garoto.

Mas eu não queria encerrar a minha carreira desse jeito, com o contrato rescindido com o Benfica. Então, em janeiro de 2018 eu voltei para casa. Assinei com o Flamengo.

Retornei ao meu clube de coração por poucos meses, era uma curta passagem para dizer obrigado ao clube e me despedir da torcida. Disputei um jogo, como capitão, e vencemos o América-MG por 2 a 0 no Maracanã. Tinha 50 mil torcedores e eles me mostraram muito carinho e amor. Eu sempre dei meu máximo pelo Flamengo, e a torcida sabe disso.

Nunca vou esquecer esse privilégio de poder ter me despedido daquela maneira tão bonita.

Buda Mendes/Getty Images

Capítulo 8: A final

Quando pendurei as chuteiras (e as luvas), a minha relação com o Flamengo voltou a ser a de torcedor. Um ano após a minha aposentadoria, o Flamengo estava na final da Copa Libertadores.

Ainda estávamos sem ganhar aquela taça desde 1981. E jogaríamos a decisão contra o River Plate, em Lima. Eu estava no estádio com o meu filho Cauet. Ele também é muito flamenguista. Estávamos sentados na fileira da frente da do Fred, do Desimpedidos, quem eu tinha encontrado pela primeira vez um pouco mais cedo, naquele mesmo dia.

Antes do jogo, o meu filho estava muito, muito nervoso. Quando o River abriu o placar, ele perdeu toda a confiança. Com o passar dos minutos do segundo tempo, o Flamengo continuava com dificuldades, mas eu falava para ele "O jogo só acaba quando o árbitro apitar."

Perto dos acréscimos, ele quase não tinha mais esperança. De repente, o Gabigol empatou. Nós nos abraçamos e pulamos muito. Virei para o Fred e abracei ele também.

Logo em seguida, o Gabigol marcou outro gol, e o Flamengo virou nos acréscimos. Eu peguei o Cauet e comecei a gritar "EU TE FALEI! EU TE FALEI!"

Por poucos segundos, o tempo parou, e eu me senti de volta na Geral do Maracanã. Olhei para o meu filho e me enxerguei nele na minha época de garoto. Em mim eu vi meu pai indo à loucura. Depois de tantos anos, os papéis estavam trocados.

Subitamente eu voltei para a realidade. Virei de novo, peguei o Fred pelos braços e comecei a sacudi-lo. Fiquei sem força, tudo escureceu e eu caí para trás.

Os médicos me disseram depois que eu fiquei tão empolgado que parei de respirar e por isso não estava indo mais oxigênio para o cérebro. Graças a Deus não foi nada grave. Ainda assim, a queda com as costas na cadeira foi muito dolorida, mas eu, orgulhoso, fingi que não estava doendo. Tudo o que eu consegui falar foi "Meu Deus, o que aconteceu?"

Fred e Cauet me levantaram. Comecei a chorar. Estava tentando dizer algo ao Fred, tipo "Não acredito, conheço esse clube muito bem, comecei lá quando eu tinha nove anos..."

Fred ficou impressionado. "Então você realmente sente essa emoção?"

Eu respondi "Pô, tu tá maluco, eu devo a minha vida ao Flamengo."

Comemorar aquele título com o meu filho é um momento que nunca vou esquecer. É um desses acontecimentos que fazem você se sentir jovem, mesmo em uma idade mais avançada.

Mais um capítulo que posso olhar para trás e que vai me proporcionar um sorriso no rosto. Deus me permitiu escrever mais capítulos bonitos do que eu pudesse imaginar.

No geral, é um livro e tanto. Até agora.